Repressão, corrupção e apoio à extrema-direita: o reinado de Putin visto pelo Esquerda.net

Desde a sua fundação em 2006 que o Esquerda.net destaca as violações dos direitos humanos e os atropelos à democracia do regime de Vladimir Putin. Compilámos neste artigo algumas dessas notícias e análises.

09 de abril 2022 - 18:20
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Vladimir Putin no início de março de 2022. Foto Mikhail Klimentyev/EPA/Kremlin Pool/Sputnik
Vladimir Putin no início de março de 2022. Foto Mikhail Klimentyev/EPA/Kremlin Pool/Sputnik

No documento fundacional do Bloco de Esquerda, alguns meses antes de Vladimir Putin se tornar primeiro-ministro da Rússia e presidente do país no ano seguinte, os subscritores do "Começar de Novo" olhavam para as transformações a Leste e concluíam ser "imprevisível o tipo de Estado que está a nascer na Rússia e noutros países do antigo bloco de Leste, onde a esfera pública surge como simples fachada legal da acumulação primitiva de economias mafiosas que traficam votos e influências". E acrescentavam que a globalização, "ao contrário do que prometia a propaganda dos anos 80" convive bem com regimes como o da China e "financia poderes mafiosos nos Estados que resultaram da desagregação da URSS, uma estratégia de loucura em países com poder nuclear".

Guerra na Geórgia e envenenamento de jornalistas e opositores

Em 2006 a Rússia foi a anfitriã da cimeira do G8 e o recém-lançado Esquerda.net publicou um dossier sobre esta reunião, destacando a repressão sobre as redes sindicais, políticas e associativas na Rússia e a vaga de detenções nas vésperas desta cimeira. Nesse mesmo ano era assassinada em Moscovo a jornalista Anna Politkovskaia e o antigo espião Alexandre Litvinenko, envenenado em Londres, onde se refugiara. Ambos investigavam a origem dos atentados de 1999 em apartamentos de Moscovo, o álibi que originou a segunda guerra da Chechénia e consolidou o poder de Putin. Em 2007, as legislativas deram-lhe uma vitória confortável e voltaram a ser marcadas por acusações de fraude eleitoral. No dossier de balanço do ano, o Esquerda.net falava do "passeio interminável de Putin" nos corredores do poder, numa altura em que já era apontado como o provável "homem mais rico da Europa". No ano seguinte, dá-se o conflito militar com a Geórgia a pretexto de uma "intervenção humanitária" e o reconhecimento por parte de Moscovo da independência da Ossétia do Sul e da Abecásia, regiões onde os separatistas contavam com presença e apoio militar russo. A Rússia apontou o dedo aos EUA e fez saber que esta medida era uma resposta ao reconhecimento internacional da independência do Kosovo, que se separou da República Sérvia após anos de guerrilha apoiada pelos EUA e Alemanha.

As eleições de 2011 na Rússia voltaram a ser marcadas por fraudes e manifestações pela demissão de Putin a seguir ao anúncio dos resultados em que o seu partido perdeu a maioria constitucional mas pôde continuar a governar sozinho.

Da prisão das Pussy Riot à anexação da Crimeia

Quando em 2012 Putin regressa à presidência russa, cargo que mantém até hoje, o Esquerda.net incluiu essa eleição no dossier de balanço do ano, dando destaque à contestação da oposição e em particular a mais ruidosa, protagonizada por uma banda de punk-rock feminista de Moscovo, Pussy Riot. Numa das ações de protesto, um vídeo gravado pelas ativistas, duas delas surgem a queimar uma imagem de Putin, enquanto agradecem a solidariedade internacional de artistas como Madonna, Bjork, Green Day ou Red Hot Chilli Peppers após a condenação a dois anos de prisão por um protesto organizado dentro de uma igreja. Nela cantaram uma música contra Putin, que já levava 12 anos no poder, alternando os cargos de presidente e primeiro-ministro.

Guerra na Ucrânia

27 de fevereiro 2022

No ano seguinte, o Esquerda.net publicou a análise da escritora iraniana radicada na Catalunha, Nazanin Armanian, acerca da "Santa Aliança" entre o regime de Putin e a Igreja Ortodoxa, essencial para "laços de influência em países como Bielorrúsia, Geórgia, Ucrânia, os países da antiga Jugoslávia, Roménia, Moldávia, Bulgária, Grécia, Chipre e Arménia, mas também no Cazaquistão, Quirguistão, Usbequistão, Turcomenistão, Médio Oriente e sobre os 25 milhões de russos que a desintegração da URSS deixou em países hoje independentes". Enquanto isso, as ativistas da Pussy Riot cumpriam penas de prisão, uma delas na Sibéria e continuavam a luta através da greve de fome, acabando por serem amnistiadas em dezembro. Dois meses depois, lançavam novo vídeo musical com o refrão “Putin vai ensinar-te a amar a Pátria”. A perseguição à comunidade LGBT russa aumentava, com muitas pessoas a fugirem do país. O Esquerda.net deu conta do pedido de asilo político a Portugal da escritora Margarita Sharapova, que participou num protesto em frente à embaixada da Rússia em Lisboa. Também prosseguiam os golpes à liberdade de imprensa, desta vez com o encerramento da agência Novosti.

Entretanto, na Ucrânia, a revolta que ficou conhecida por Euromaidan derrubava o governo e dividia o país. Num dossier intitulado "A Ucrânia esmagada pelas potências", o Esquerda.net publicava as análises da esquerda ucraniana sobre o movimento e as suas consequências, a anexação da Crimeia vista pela esquerda russa e a condenação de Putin. Já na altura se discutiam alternativas à dependência do gás russo por parte da Europa e se defendia que a política de Moscovo só reforçava os pedidos da Ucrânia para aderir à NATO. Moscovo já se tinha então tornado na "meca dos movimentos reacionários europeus".

Bombardeamentos em socorro de Assad na Síria e perseguição à comunidade LGBT

Em fevereiro de 2015, outro opositor de Putin, o ex-vice-primeiro-ministro Boris Nemtsov, foi assassinado em Moscovo horas depois de apelar aos protestos contra a guerra na Ucrânia e ao fim da censura. A aviação russa encontrou outro palco de guerra na Síria, bombardeando posições do Estado Islâmico e de outros rebeldes para apoiar Bashar al-Assad a pedido deste.

No ano seguinte, Trump vencia as eleições nos EUA e a interferência russa no processo eleitoral passou a ser tema político-judicial nos anos seguintes, com o novo presidente a despedir o diretor do FBI responsável pela investigação na véspera de receber o chefe da diplomacia russa. A rede comandada por Steve Bannon estendia os seus tentáculos à Europa, que se entrelaçavam com os do Kremlin no apoio à extrema-direita no interior da União Europeia.

As notícias de perseguição à população LGBT na Chechénia, com relatos de torturas, espancamentos e mortes, deram a volta ao mundo e motivaram uma concentração de protesto em frente à embaixada russa em 2017. O Bloco de Esquerda apresentou um voto de condenação no Parlamento que mereceu a aprovação das restantes bancadas, com a exceção do PCP, que se absteve. A guerra na Síria continuava a agravar-se e no Parlamento português o líder parlamentar bloquista afirmava que "entre Assad, Putin e Trump não há inocentes. Inocentes são as vítimas". Em Moscovo, continuava a repressão contra as manifestações anti-regime e contra a corrupção da oligarquia próxima de Putin, exposta nas revelações dos Panamá Papers.

Mais envenenamentos de opositores e repressão dos protestos

No seu discurso do estado da Nação em 2018, Putin anunciou um novo míssil nuclear de alcance global. Poucos dias depois, o ex-espião Sergei Skripal era envenenado em Londres por agentes russos, provocando resposta europeia através da expulsão de diplomatas. Ainda nesse mês de março, Putin conseguia a reeleição na presidência e os protestos convocados por Alexei Navalny nas vésperas da tomada de posse acabaram com mais de mil detenções. Em setembro, as manifestações e a repressão repetiam-se em várias cidades em dia de eleições locais e regionais, desta vez contra a proposta de aumento de idade da reforma em cinco anos. Para apertar mais o cerco aos protestos e contrariar a participação de jovens, Putin promulgou no fim do ano uma lei que inclui multas e penas de prisão para quem organize manifestações com a presença de menores.

Em 2019, num artigo de balanço dos 20 anos de Putin no poder, podia ler-se no Esquerda.net uma análise de como o regime protegia a classe dos super-ricos enquanto reprimia a dissidência que chegou a ter expressão de massas nas ruas em certos períodos de crise económica. Foi depois das eleições europeias desse ano que surgiu o escândalo do financiamento russo ao partido de Salvini, com gravações de um encontro em Moscovo em que se ouve o braço-direito do líder da Liga italiana a prometer a pessoas ligadas à indústria petrolífera russa "uma grande aliança" entre os partidos pró-Kremlin na Europa como a Frente Nacional francesa ou a Alternativa para a Alemanha, em troca de comissões num negócio entre a petrolífera italiana Eni e uma congénere russa. Nas eleições municipais de 2019, apesar de ter impedido quase todos os candidatos da oposição de irem a votos, o partido de Putin perdeu quase metade da bancada municipal em Moscovo. No ano seguinte, o Esquerda.net deu nota da prisão de dezenas de militantes da Frente de Esquerda, coligação de partidos e movimentos de oposição a Putin, quando tentavam entregar uma petição pelo fim da proibição de manifestações, uma medida aprovada à boleia da pandemia.

Crise na Bielorrússia e invasão da Ucrânia

"Bielorrússia: Os protestos que abalam o regime" foi o título do dossier publicado em 2020 no Esquerda.net, com vários artigos sobre a composição do regime de Lukashenko e a repressão dos protestos pela liberdade num país submetido à órbita do Kremlin. Foi nesse ano que Putin decidiu alterar as regras do jogo político a seu favor, com uma mudança constitucional que lhe permitirá manter-se à frente do país até 2036, e que o seu maior opositor político, Alexei Navalny, foi envenenado e sobreviveu após tratamento na Alemanha, seguindo para a prisão no regresso à Rússia.

2021 foi o ano de mais umas eleições contestadas pela oposição e ganhas com grande margem para o partido Rússia Unida e também o ano em que ficou inscrita na Constituição russa a proibição dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo. O Esquerda.net publicou uma entrevista com um dos candidatos da nova vaga de ativistas socialistas democráticos que se opõem a Putin. À medida que se aproximava o fim do ano, aproximavam-se também as tropas russas da fronteira com a Ucrânia para abrirem uma crise cujo terrível desfecho ainda hoje não consegue ser medido.

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