Ucrânia: Uma guerra sem nome e perguntas sem respostas claras

11 de setembro 2014 - 10:38

Contrariamente aos argumentos dos que apoiam a Rússia contra o “campo imperialista”, a política de Moscovo não faz mais que reforçar o pedido da Ucrânia de adesão à NATO. Por Catherine Samary.

porCatherine Samary

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Combatentes separatistas pró-russos em Donetsk

Perguntas sem respostas claras

O que põe a nu e que consequências terá o envio de reforços russos “não nucleares”, mas efetivos (“voluntários” que vão combater durante as suas “férias”, como os apresentou o dirigente secessionista de Donetsk; tanques russos que cruzam a fronteira “por engano”, como se diz em Moscovo sem se rirem, ou inclusive “brigadistas” estrangeiros, de extrema direita ou esquerda, que vão defender a “Nova Rússia” pintada de branco ou de vermelho)? A “ofensiva antiterrorista” lançada pelo poder de Kiev combateu eficazmente o risco de desmembramento da Ucrânia ou teve o efeito contrário? São reais as deserções do exército ucraniano que são mencionadas frequentemente? Qual é a composição e a perceção popular dos “batalhões” de voluntários, patriotas de todos os matizes, ucranianos ou estrangeiros? A coligação “pós-Maidán” rompeu-se e o presidente Poroshenko dissolveu a Rada e anunciou eleições legislativas para 25 de outubro. No entanto, as populações do leste da Ucrânia só poderão votar se cessar a violência, e em tal caso, qual será o seu voto?

A constituição ucraniana não deve ser redigida nem em Moscovo nem em Bruxelas (nem em Dayton, como o foi a da Bósnia...). E a integridade ucraniana tem de ser confirmada (ou contestada) politicamente por um ato de autodeterminação de todas as populações ucranianas, sem qualquer coação armada

A propaganda russa, como a do poder ucraniano desde a anexação da Crimeia, censura a crítica e dificulta a verificação da informação. De um lado e outro, os movimentos ou forças que protestam são tratados como quintas colunas financiadas pelo estrangeiro. As políticas antissociais são legitimadas por um patriotismo (anti-ocidental e contrário às sanções na Rússia, ou anti-russo na Ucrânia). No entanto, a presença de forças de extrema direita entre os voluntários de ambos os lados e o aparecimento de frentes “vermelho-castanhas” (ou brancas) que se reclamam em uníssono do “antifascismo” e do “anti-imperialismo” nos dois lados, agravam ainda mais o estado de confusão.

Contrariamente aos argumentos dos que apoiam a Rússia contra o “campo imperialista”, a política de Moscovo não faz mais que reforçar o pedido da Ucrânia de adesão à NATO, pedido que obterá um apoio mais entusiasta por parte da Polónia e das repúblicas bálticas que das grandes potências imperialistas. Quanto ao combate pela integridade da Ucrânia, perde eficácia se aceitar a proibição das críticas ao governo de Kiev, à sua “operação antiterrorista” ou às políticas sociais impostas depois do pedido de “ajuda” ao FMI.

Ucrânia “una e dividida” e neocolonizada como a Bósnia?

Os discursos e as operações da Rússia – que pretende não ser mais do que “solidária com as populações russas” e que faz frente às potências imperialistas ocidentais indecisas – consolidam a curto prazo o regime de Putin (80 % de popularidade). Se abandonasse os secessionistas seria criticado, mas após o envio de comboios humanitários para tratar de conquistar os corações e os espíritos, a afirmação de um projeto de Estado da “Nova Rússia” é um sinal de força ou de fraqueza? Reflete uma mudança da população local a favor da rotura com a Ucrânia ou pressupõe, pelo contrário, um parto a ferros de uma “entidade estatal” com dinâmica separatista e de união com o “grande irmão” vizinho, mas sem uma mobilização popular ativa na guerra ou em apoio à mesma? Do mesmo modo que para construir militarmente a “entidade sérvia” da Bósnia, a chamada Republika Srpska, fará falta dotar a proclamada “Nova Rússia” de certa continuidade territorial, concretamente a extensão até à Crimeia e à Transnístria, por muito que esta “entidade” estatal permaneça inicialmente dentro de uma Ucrânia “soberana” e dividida.

Quem deve decidir? A constituição ucraniana não deve ser redigida nem em Moscovo nem em Bruxelas (nem em Dayton, como o foi a da Bósnia...). E a integridade ucraniana tem de ser confirmada (ou contestada) politicamente por um ato de autodeterminação de todas as populações ucranianas, sem qualquer coação armada. Como disse recentemente um amigo da Oposição de Esquerda Ucraniana, a guerra não é nem puramente civil nem unicamente de agressão externa, mas sim “híbrida” e em grande parte incontrolada.

Contra esta guerra, é à população ucraniana, com todas as suas componentes, que cabe a resposta e com o apoio de movimentos internacionalistas na Rússia, na Ucrânia e na UE.

Artigo de Catherine Samary, publicado em Hebdo L’Anticapitaliste do NPA e disponível em europe-solidaire.org. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

Catherine Samary
Sobre o/a autor(a)

Catherine Samary

Investigadora e professora na universidade Paris-Dauphine (aposentada).