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Gás russo: Matemáticas mostram dependência da Europa e indicam saída

Um modelo matemático mostra a dependência europeia de um pequeno leque de países exportadores, com a Rússia à cabeça. O mesmo modelo oferece uma alternativa, inspirada na distribuição da informação na internet, para que o continente seja mais resistente a uma crise como a atual, entre a Ucrânia e a Rússia. Por Miguel Ángel Criado

 

 

Um modelo matemático mostra a dependência europeia de um pequeno leque de países exportadores, com a Rússia à cabeça. Ainda que com a chegada da primavera, o gás russo que aquece meia Europa já não seja tão importante, se Vladimir Putin fechasse a torneira, poria várias economias europeias em sérias dificuldades. No entanto, esse mesmo modelo oferece uma alternativa, inspirada na distribuição da informação na internet, para que o continente seja mais resistente a uma crise como a atual, entre a Ucrânia e a Rússia.

A estratégia tradicional para assegurar um fornecimento estável de gás baseia-se na diversificação dos fornecedores e na implementação de novos gasodutos. Mas ambas as soluções têm as suas limitações. A última requer grandes investimentos e também grandes prazos temporários para a completar. A primeira está sujeita à geografia e à economia. Para a Espanha é mais barato trazer o gás da Argélia do que da Rússia, por exemplo.

Com o objetivo de medir a resistência das redes de gás natural que cruzam a Europa em caso de crise ou de conflito, investigadores de várias universidades europeias desenvolveram um modelo matemático sobre a situação de dependência atual e os possíveis métodos para se libertar dela. Neste estudo, publicado em PLoS ONE, tiveram em conta não só a rede de gasodutos atuais e futuros, mas também a densidade da população e as principais áreas urbanas. É nestas que se concentra a maior parte do consumo de gás natural, um combustível que representa 24% do consumo energético da Europa.

Apesar de o objetivo dos investigadores ao desenharem o mapa atual não se centrasse na Rússia, a crise surgida entre este país e a Ucrânia obriga a destacar o que o estudo mostra em relação ao gás russo. Este modelo permite saber o que acontece se algum dos principais exportadores de gás for retirado da equação. Em todas as suas simulações e para a Europa no seu conjunto, a retirada da Rússia seria a que teria maiores consequências.

“O cenário mais desafiante é o de uma hipotética crise que pudesse cortar o fornecimento da Rússia à Europa”, escrevem os investigadores. O gás disponível na rede de distribuição cairia até 32,7% se algo assim acontecesse hoje. Consciente das implicações políticas desta dependência energética, a União Europeia impulsiona novos gasodutos, há anos. Mas inclusive com a sua capacidade extra, a Rússia ainda seria o fornecedor de 28% do gás que se consome na Europa.

O impacto não seria igual em todos os países. Alguns, como o Reino Unido ou a Espanha, que importam e armazenam grandes quantidades de gás natural liquefeito (GNL), nem se inteirariam de que a Alemanha, a República Checa e a Eslováquia teriam até menos 60% de gás disponível e a Áustria menos 80%. Mas os países mais afetados seriam os do leste da Europa. Polónia e Ucrânia apenas receberiam 5% do gás de antes da hipotética crise. O drama da Ucrânia é duplo. Além de depender exclusivamente do gás russo, é, juntamente com a Bielorrússia, o principal país de trânsito.

O pior é que com o sistema atual não há alternativa. A estrutura da rede de gasodutos não está pensada para funcionar como uma verdadeira rede. O seu desenho hierárquico torna-os vulneráveis e, com muitos deles de sentido único, impediria que outros países cobrissem o vazio da Rússia. De facto, o estudo mostra que se a Noruega e a Holanda (quinto e nono países produtores respetivamente) fornecessem mais gás à rede, isto só provocaria um estrangulamento, que acabaria por afetar também os menos dependentes do gás russo.

A solução está na internet

Inspirados pela forma descentralizada em que os dados circulam na internet, os investigadores criaram um algoritmo que, pelo menos em teoria, minimizaria o impacto da retirada de um grande exportador do mapa e evitaria estrangulamentos na reorientação do tráfego do gás. No seu modelo, uma crise com a Rússia, assumindo que o gás não saía das suas fronteiras, poderia passar quase despercebida graças ao bombeamento de gás norueguês e holandês para os países mais afetados pelo corte russo. E o mesmo aconteceria se o problema surgisse em relação a estes dois países ou com a Argélia.

Para conseguir isto, deveria implantar-se um sistema descentralizado que premiasse (com preços de interconexão reduzidos ou gratuitos, por exemplo) o desvio do gás para os tubos menos congestionados e carregasse com custos extra os países, que não baixaram a sua procura em ajuda aos mais afetados. Mas para conseguir aplicar um modelo como este, antes teria que se conseguir que os países delegassem a gestão do gás na tecnologia e que a política desse a primazia às matemáticas.

Artigo de Miguel Ángel Criado publicado em cuartopoder.es. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

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