Gravação mostra extrema-direita italiana a negociar financiamento russo

11 de julho 2019 - 16:24

Um dos braços direitos de Matteo Salvini, Gianluca Savioni, surge numa gravação obtida pelo BuzzFeed a negociar um financiamento de 65 milhões de dólares com três russos. O dinheiro do petróleo iria servir para financiamento ilegal do partido de extrema-direita A Liga.

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Autocolante de caricatura colado em Modena e que representa um beijo entre Salvini e Putin.
Autocolante de caricatura colado em Modena e que representa um beijo entre Salvini e Putin. Foto de SIG SG 510. wikicommons.

Foi num hotel de Moscovo, o Metropol, a 18 de outubro, que seis homens se reuniram para uma reunião discreta e secreta. Três deles eram italianos, assessores de Matteo Salvini, o líder do partido de extrema-direita A Liga e vice-primeiro-ministro italiano. Os outros três eram russos que não se consegue identificar mas mostram-se como pessoas ligadas à indústria do petróleo e com ligações aos mais altos escalões do Estado russo.

Em cima da mesa estava um financiamento na ordem dos 65 milhões de dólares. O dinheiro viria disfarçado através da venda de três milhões de toneladas métricas de petróleo entre uma petrolífera russa e a Eni italiana. Os 65 milhões de dólares seriam um desconto, incluído no preço, que acabaria ilegalmente nos cofres do partido de Salvini.

A gravação deste encontro chegou às mãos dos jornalistas do site norte-americano BuzzFeed News que a divulgou esta quarta-feira. Só não fica provado se o negócio se concretizou ou não. Os detalhes do esquema ficam claros pelo que se ouve. Um dos assessores de Salvini diz: “segundo o plano delineado pelos nossos assessores políticos, um desconto de 4% a 250 mil [toneladas métricas] mais 250 mil por mês por um ano, consegue sustentar a campanha”.

A voz do braço direito de Salvini, Gianluca Savoini, é uma das que se ouve. Tenta convencer os russos de que “Salvini é o primeiro homem a querer mudar a Europa”, critica as sanções europeias à Rússia e desenvolve a ideia de uma coligação internacional dos partidos “nacionalistas”: “queremos realmente começar uma grande aliança com estes partidos que são pró russos”, ou seja o partido de Le Pen em França e a Alternativa para a Alemanha.

Savioni não respondeu às perguntas que lhe foram feita pelo BuzzFeed. E Salvini, que esteve em Moscovo na mesma altura da gravação mas não estava presente nessa reunião, tinha já negado anteriormente as alegações que recebera dinheiro estrangeiro. Foi obrigado a voltar a fazê-lo dizendo: “nunca recebi um rublo, um euro, um dólar ou um litro de vodka de financiamento da Rússia”. E anunciou ainda que iria processar quem o acusasse de tais crimes. Sem sucesso, o Vice-Primeiro-Ministro foi, entretanto, chamado pela oposição ao Parlamento para prestar esclarecimentos sobre este caso. E vários deputados ergueram no parlamento italiano cartazes com o número 65, o valor do pagamento russo. Não foi o único número a fazer a sua entrada no parlamento italiano. Outros preferiram erguer cartazes com outro número: 49. Uma referência aos fundos públicos desviados pela Liga entre 2008 e 2010. A extrema-direita foi condenada a repor estes fundos.

Ao longo dos últimos tempos, tem sido visita frequente de Putin e tem insistido em denunciar as sanções europeias à Rússia. Putin retribuiu ainda na semana passada tendo declarado ao Corriere della Sera, durante uma visita a Roma, que estava “em constante contato” com Salvini e realçando “a atitude acolhedora deste” para com a Rússia.

A revelação deste negócio segue-se à que aconteceu há dois meses. O dirigente do partido da extrema-direita austríaca, FPÖ, foi forçado a demitir-se do governo na sequência da divulgação de um vídeo em que Heinz-Christian Strache aparecia a oferecer contratos governamentais em troca de dinheiro para a sua campanha a uma mulher que se identificava como familiar de um oligarca russo.

Também Marine Le Pen esteve sob ataque por causa do dinheiro russo. Em 2014 recorreu a um financiamento de 11 milhões de euros de um banco russo ligado ao regime depois dos bancos franceses terem recusado empréstimos por os considerarem de risco.