O passeio interminável de Putin

18 de dezembro 2007 - 0:00
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A 2 de Dezembro, o partido de Vladimir Putin voltou a vencer de forma categórica as eleições legislativas russas. Dada a popularidade deste ex-chefe do KGB, nem sequer teriam sido necessárias as inúmeras irregularidades que marcaram o processo eleitoral para conquistar a vitória. O ano na Rússia ficou também marcado pelos ataques à liberdade de expressão, a prisão de membros da oposição, e a proibição de manifestações. Nada que tenha afectado Putin, que se prepara para continuar no poder, deixando a Presidência - já cumpriu dois mandatos, o máximo permitido - e assumindo o cargo de Primeiro Ministro.  



Na Cimeira União Europeia-Rússia, em Outubro de 2007, Vladimir Putin anunciou que convidaria observadores internacionais da OSCE para fiscalizar as eleições legislativas russas. Foi o suficiente para sossegar José Sócrates e os restantes líderes europeus, que fizeram grande eco da notícia, aliviando a pressão da opinião pública no sentido de condenar as violações das liberdades e dos direitos humanos na Rússia.



Mas a "generosidade" tem os seus limites. Duas semanas depois, o Mundo ficou a saber que o convite de Putin se estendia apenas a um quinto dos observadores que fiscalizaram as eleições de 2003. Ou seja, apenas 70 observadores da OSCE para 95 mil mesas eleitorais. E, cúmulo dos cúmulos, mesmo a entrada destas poucas dezenas de observadores foi dificultada de tal forma, que a OSCE foi obrigada a reconhecer que não tinha capacidade para monitorizar as eleições, dada a evidente falta de cooperação das autoridades de Moscovo.



O processo eleitoral foi conturbado e cheio de ilegalidades. A candidatura de alguns pequenos partidos foi recusada e as manifestações e actos públicos da oposição sistematicamente boicotados. No país todo instalou-se um ambiente de pressão, nas empresas e em estabelecimentos públicos, para garantir a vitória esmagadora de Putin. No dia das eleições, registaram-se numerosas violações da lei eleitoral, que provavelmente, a não terem acontecido, apenas diminuiriam em alguns pontos a dimensão da vitória da Rússia Unida.



Putin venceu as eleições com 64% dos votos, vitória categórica mas mesmo assim com menos 8 milhões de votos do que nas eleições presidenciais de 2004. Apenas mais três partidos superaram a barreira que permite eleger deputados: o Partido Comunista, o Partido "Rússia Justa" (próximo de Putin) e os ultranacionalistas do Partido Liberal Democrático (de Vladimir Girinovsky, também solidário com Putin).



Putin precisava de uma votação acima dos 60% para, com mais legitimidade, continuar de alguma forma no poder. Dada a impossibilidade de candidatar-se de novo à Presidência - a lei apenas permite dois mandatos consecutivos - o homem forte do Kremlin já deu a entender que vai regressar ao cargo de Primeiro Ministro, que já tinha ocupado antes de ser presidente. Só que, na Rússia, é no chefe de Estado (Presidente) que residem os principais poderes como o comando das Forças Armadas, a política externa e a escolha do chefe do Governo (Primeiro-Ministro). Por isso mesmo, Putin já tratou de lançar como candidato a chefe de Estado, nas eleições de Março de 2008, o seu delfim Dmitri Medvedev, actual vice-primeiro-ministro e chefe da gigante gasífera estatal Gazprom. Medvedev parece ter uma personalidade bem mais fraca e totalmente subordinada aos desejos de Putin.



Mas 2007 foi também o ano da afirmação internacional de Putin, e, por consequência, da Rússia. Facto a que também não é alheia a sua popularidade interna, como bem nota Immanuel Wallerstein: "Parece que os russos o vêem como alguém que tem feito muito para restaurar o poder do Estado russo, depois do que eles vêem como a humilhante deterioração durante a era Yeltsin".

Putin foi uma peça importante na geografia dos poderes mundiais, ao bater o pé várias vezes à tentativa de construção de um mundo unipolar pelos EUA. Foi assim na oposição aos planos de Bush para a instalação de estruturas antimíssil na Polónia e na República Checa ou na resistência a todas as tentativas dos EUA para obterem das Nações Unidas autorização de agir punitivamente contra o Irão.



Só que as tentativas de se apresentar como um contra-peso à violação da lei internacional por parte dos EUA nunca lhe conferiram uma imagem de respeitador dos direitos humanos. Em Maio deste ano, os Estados Unidos e a Rússia foram considerados pela Amnistia Internacional os dois principais países que abusam contra a liberdade de expressão.



E Putin é um profissional em diversas violações dos direitos humanos. Todos os seus opositores incómodos são figuras a abater. Este ano, a vítima mais mediática foi a jornalista Larissa Arap, internada compulsivamente num hospital psiquiátrico, ironicamente por denunciar abusos a crianças nos hospitais psiquiátricos. Em 2006, o ex-agente secreto Litvinenko morreu envenenado em Londres e acusou Putin de ser o responsável. Ainda nesse ano, a jornalista Anna Politkovskaia, que preparava mais um artigo sobre a tortura na Tchechénia a cargo das tropas russas, foi morta a tiro nas escadas do prédio onde vivia.



Aliás, a forma como geriu o conflito com a Tchechénia marca o percurso e a própria ascensão de Putin. Em 2002, quando separatistas tchechenos mantinham como reféns cerca de 700 espectadores do teatro Dubrovskaia em Moscovo, as tropas de elite russas entraram a matar, espalhando um gás paralisante que resultou na morte de todos os separatistas e de 118 reféns. Dois anos depois, a lei da força bruta foi também usada na escola de Beslam, na Ossétia do Norte, tendo as tropas russas lançado granadas para libertar 1200 reféns, presos por guerrilheiros tchechenos. 331 pessoas morreram, 186 das quais crianças.



Foi precisamente em torno do combate à guerrilha tchechena que Putin ganhou toda a sua popularidade, quando ainda era Primeiro Ministro. Em 1999, uma série de explosões em apartamentos de Moscovo constituiram o álibi ideal para avançar para a segunda guerra da Tchechénia, permitindo a Putin subir na consideração dos seus cidadãos. O governo praticamente impossibilitou qualquer investigação independente aos atentados e chegou a assassinar e prender membros de comissões de inquérito.

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