O ano de 2006 fez soar o alarme, com o Relatório Stern, mas foi em 2007 que o mundo começou a conviver plenamente com a ameaça das alterações climáticas. Lentamente, a população planetária foi tomando consciência de que a situação é muito grave. Os dados alarmantes foram-se acumulando e as medidas para tentar evitar a catástrofe parecem lentas, demasiado lentas, e ineficazes, demasiado ineficazes.
O Relatório Stern, encomendado pelo governo britânico, concluiu que o aquecimento global, que será responsável por 200 milhões de refugiados ambientais e por tornar grandes áreas do mundo inabitáveis, vai acarretar custos superiores aos das duas guerras mundiais juntas se nada for feito de imediato (entre 5 a 20% do PIB mundial).
Estas previsões sombrias foram confirmadas pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), uma comissão de 2.500 especialistas que trabalha sob a égide da ONU. O seu relatório, que começou a ser divulgado em 30 de Janeiro, apresentou um cenário apocalíptico caso não haja um verdadeiro esforço para mudar o curso para o abismo: milhões de pessoas a passar fome em 2080, secas graves a afectar países como a China ou a Austrália, bem como partes da Europa e dos Estados Unidos, escassez de água a atingir entre 1,1 e 3,2 mil milhões de pessoas, e temperaturas médias a aumentar entre dois e três graus centígrados.
O relatório previu o fim dos glaciares nos Alpes centrais, o desaparecimento da neve das montanhas do sudoeste australiano. Ao mesmo tempo, o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Ambiente) mostrou que 30 geleiras de montanha ao redor do mundo estão a derreter três vezes mais rapidamente que nos anos 80.
Em 2 de Fevereiro, o resumo para os decisores do relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, apresentado em Paris, concluiu que a Terra vai aquecer entre 1,8 e 4 graus Celsius, o que provocará a subida do nível dos mares até 58 cm e provocará vagas de calor, secas, chuvas intensas, ciclones, fenómenos climáticos extremos que poderão levar a 200 milhões de refugiados climáticos até ao fim do século XXI.
Para o relatório, a temperatura global irá aumentar 0,2 graus por década devido às emissões de gases de efeito de estufa já lançadas na atmosfera. Mesmo que estas ficassem ao nível de 2000, o aumento continuaria a 0,1 grau por década.
No mesmo dia, o diário britânico Guardian denunciava que um think-thank ligado à administração Bush, financiado pela Exxon Mobil, oferecera dez mil dólares a vários cientistas para contestarem as conclusões do IPCC. Cartas enviadas a cientistas britânicos, norte-americanos e de outros países atacavam o grupo de peritos da ONU e pediam ensaios que explorassem as limitações dos modelos de estudos sobre o clima. "É uma tentativa desesperada de uma organização que quer distorcer a ciência a favor dos seus interesses políticos", disse David Viner, da unidade de investigação climática na Universidade de East Anglia.
As previsões alarmantes do relatório Stern e do IPCC seriam ultrapassadas, para pior, em 19 de Junho, quando um grupo de cientistas de prestigiadas instituições dos EUA avisou que o nível do mar, proveniente do degelo das calotes polares, pode subir vários metros até 2100, e não os 40 centímetros previstos pelo IPCC. O grupo era liderado por James Hansen, director do Instituto Goddard para Estudos Espaciais da Nasa, o primeiro cientista a advertir o Congresso dos EUA sobre os perigos do aquecimento global, e foi divulgado pelo diário britânico The Independent.
No documento, de 29 páginas, os cientistas disseram que as alterações climáticas devido aos gases de efeito estufa ameaçam dar um abanão no clima que pode "espalhar um cataclisma" nas camadas de gelo da Antárctica e da Gronelândia.
"A Civilização desenvolveu-se e construiu uma extensa infra-estrutura durante um período de invulgar estabilidade climatérica, o Holoceno, que dura há cerca de 12 mil anos. Este período está prestes a acabar", advertiram os cientistas. Para eles, a Humanidade não pode queimar as reservas remanescentes de combustível fóssil. "Fazê-lo iria garantir alterações dramáticas do clima, dando origem a um planeta diferente daquele onde a civilização se desenvolveu e para o qual foi construída uma extensa infra-estrutura." O relatório terminava com uma advertência que provoca calafrios: o planeta tem cerca de 10 anos para aplicar medidas draconianas de controlo dos gases de efeito estufa e evitar o aquecimento global.
Em 21 de Novembro, ficámos a saber por um novo relatório que Portugal ultrapassou em 15,8% o limite de emissões de gases com efeito de estufa previsto para o período 1990-2005, e que apenas a Espanha apresentou piores resultados do que Portugal no conjunto dos países da UE (15). Foi a Suécia o país que obteve melhores resultados, com uma diminuição das emissões superior a 7%; França, Finlândia e Reino Unido conseguiram melhores resultados do que os propostos.
No mesmo período, as emissões dos Estados Unidos - que não ratificaram o Acordo - aumentaram 16%.
Já no final do ano, em 24 de Novembro, o primeiro-ministro australiano John Howard, um dos últimos aliados ferrenhos do presidente George W. Bush na guerra do Iraque, foi esmagadoramente derrotado pelo adversário trabalhista Kevin Rudd, que prometera ter como primeira prioridade assinar o Protocolo de Quioto, o que Howard, à semelhança de Bush, sempre se recusara a fazer. Essa decisão foi confirmada oficialmente em 4 de Dezembro. Com isso, os EUA passaram a ser o único país entre as nações mais desenvolvidas a não ter ratificado o Protocolo. O isolamento da administração Bush não é apenas externo, é também interno. A oposição à sua política ambiental chegou ao ponto de um significativo movimento de cidadãos do Estado do Vermont apelar à independência do Estado invocando, entre outros motivos, a não ratificação do protocolo de Quioto.
Entretanto, em Bali, na Indonésia, começou em 3 de Dezembro a Conferência da ONU sobre as Alterações Climáticas. Os trabalhos arrastaram-se e a conferência esteve à beira do fracasso total. A 11 de Dezembro, o economista americano William A. Pizer, da Universidade de Harvard e um dos autores do relatório do IPCC, afirmou que a conferência era uma perda de tempo. "A questão é: estamos a negociar um acordo que vai conseguir a maior acção possível no curto prazo? Para mim, as metas do Protocolo de Quioto não alimentam as políticas domésticas", disse, defendendo uma acção mais concentrada entre os dez países que mais poluem no mundo, que poderiam manter acordos bilaterais e multilaterais para maximizar o impacto das acções internas.
No final, os Estados Unidos cederam às pressões internacionais e aceitaram no dia 15 de Dezembro um documento, aprovado pelas delegações de 190 países, que estabelece um roteiro para as negociações nos próximos dois anos. Mas para conseguir a adesão da delegação americana ao compromisso, foi retirada do documento final uma menção directa às metas de cortes de emissões nos países ricos até 2020, remetendo para as recomendações do Painel Intergovernamental para Mudança Climática (IPCC), que só aparecem numa nota de rodapé.
A ameaça das alterações climáticas
20 de dezembro 2007 - 0:00
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