O relatório Global Biodiversity Outlook 5, publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em setembro não deixa margem para dúvidas: o mundo falhou todos os objetivos para controlar a destruição da vida animal e dos seus ecossistemas na última década. Em causa estão os objetivos de Achi em defesa da biodiversidade, definidos em 2020 no Japão. Mas esta é a segunda década consecutiva em que os governos falham em alcançar as metas que definiram, aponta a ONU. No capítulo do acesso à água, apesar dos apelos dos relatores especiais do Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas para que os Estados restabeleçam a política de proibir cortes no abastecimento, o ano termina com a entrada da água no casino de Wall Street, que passa a especular com o seu preço futuro num país com sérias dificuldades no acesso a água potável.
Temperatura bateu recordes... outra vez
O ano de 2020 voltou a ser fértil em notícias sobre novos recordes na temperatura no planeta. Em outubro, o relatório mensal do Serviço de Alterações Climáticas Copernicus confirmava que o mês anterior tinha sido o mais quente desde que há registo no planeta e afirmava ser possível que 2020 bata o recorde de 2016, com um aumento de 1.28ºC em relação à era pré-industrial. Em junho, correram mundo as imagens da cidade de Verkhoyansk, do leste da Sibéria, que detém o recorde estabelecido em 1892 da temperatura mais baixa, com -67.8ºC. Agora, a temperatura do ar tinha atingido os 38ºC. Na mesma altura, o Copernicus alertava que a temperatura na superfície da Terra pode ter chegado aos 45ºC em diversas áreas do Círculo Polar Ártico. Se nenhuma ação efetiva for tomada, a Academia das Ciências dos EUA prevê que nas regiões onde vivem hoje 3.5 mil milhões de pessoas se registem temperaturas insuportáveis para a vida humana daqui a 50 anos. E a Organização Mundial de Meteorologia prevê que a meta de segurança adotada no Acordo de Paris - o aumento de 1.5ºC da temperatura média global em relação à era pré-industrial - pode ser atingida já em 2024. Já o Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia diz que as alterações climáticas podem fazer desaparecer metade das praias do planeta no fim do século.
Portugal não foi exceção, com o primeiro semestre a ser declarado o 4º mais quente desde 1931, o ano em que foi instalada a rede de observação no Continente, só superado pelo mesmo período dos anos 1997, 2011 e 2017. Fevereiro e maio foram mesmo os mais quentes desde que há registos. E para três investigadores da Universidade de Aveiro, as perspetivas futuras não são animadoras: daqui a trinta anos, a Península Ibérica pode passar a ter três meses por ano onde as temperaturas máximas diárias estarão acima de 40 ºC, uma evolução bem mais rápida do que o previsto e com particular impacto no interior do país, no Alentejo e Algarve, com temperaturas máximas diárias quatro a cinco graus acima dos valores atuais.
Degelo e desflorestação aceleram ritmo
Ainda antes das ondas de calor no Ártico, soube-se que o degelo na Gronelândia e Antártica veio confirmar as piores previsões do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas para o aumento do nível dos mares. Desde 1992, quando começou a monitorização sistemática, aquelas regiões perderam 6.4 biliões de toneladas de gelo até 2017, elevando o nível global do mar em 17.8 milímetros. Se juntarmos os dois pólos às montanhas e glaciares, segundo os dados recolhidos via satélite, o número da perda de gelo desde 1994 eleva-se a 28 biliões de toneladas, revelou o diretor do Centro de Observação Polar e Modelagem da Universidade de Leeds. Além do aumento do nível dos mares, este degelo também provoca uma maior absorção de calor, ao reduzir a capacidade de o planeta refletir a radiação solar para o espaço. Tudo isto conduz ao aumento da temperatura na Terra, alertam os cientistas.
Também a desflorestação - que alguns epidemiologistas associam à transmissão do novo coronavírus à população humana - continuou a aumentar, com os olhos do mundo colocados na Amazónia brasileira. Se em 2019 tinha aumentado 85% face ao ano anterior, em abril a comparação com o ano anterior era de um aumento de 171%. Três meses depois, assinalavam-se 14 meses consecutivos de recordes, provocados pelo crescimento das explorações mineiras e da agroindústria protegida pelo governo Bolsonaro e muitas delas financiadas por fundos norte-americanos. Em julho, o presidente brasileiro exonerava a responsável pela vigilância deste avanço da desflorestação. Os incêndios provocados por queimadas assolaram também a região do Pantanal brasileiro, a maior planície alagada do mundo e Património Natural Mundial e Reserva da Biosfera. Em 2020 assistimos ainda a incêndios florestais devastadores, em particular na Califórnia e na Austrália.
Emissões poluentes diminuem, mas "o mal está feito"
Apesar do confinamento ter fechado boa parte da indústria poluente e paralisado o tráfego aéreo, levando à queda global dos níveis de poluição do ar, a Aliança Europeia de Saúde Pública diz que “o mal já está feito” e os efeitos cumulativos da exposição continuam a fazer aumentar as doenças respiratórias e cardíacas em todo o mundo. O observatório de Mauna Loa, no Havai, que monitoriza desde 1958 os níveis de CO2 na atmosfera, deu conta que apesar do decréscimo das emissões devido à pandemia, foi registado pela primeira vez um valor superior a 415 partes por milhão, uma concentração 30% acima dos registos iniciais desta estação.
Automóveis híbridos são “desastre ambiental”, revela estudo sobre emissões reais
Na indústria automóvel, o escândalo de manipulação de emissões levou à acusação de antigos administradores da Audi por fraude e à condenação da Volkswagen a indemnizar os clientes. Em novembro, a Federação Europeia de Transportes e Ambiente chamou a atenção para outro escândalo: o dos automóveis híbridos, cujas emissões poluentes em condições reais estão muito acima dos valores anunciados e chegam a ser superiores às dos automóveis convencionais, ao mesmo tempo que os Estados oferecem incentivos fiscais à sua compra.
Vitória contra a exploração de petróleo e gás em Portugal
As boas notícias do ano, no plano nacional, foram o fim dos planos para a extração de petróleo e gás no nosso país. Apesar do PS e a direita terem chumbado essa proposta no parlamento em julho, a desistência da Australis do projeto de pesquisa de gás na Batalha e Pombal, alvo de forte contestação popular, levou o Governo a anunciar que não atribuirá mais contratos de prospeção de gás natural e petróleo. Mas os ambientalistas não tiveram tempo de festejar, ma vez que o Governo decidiu propor nova legislação que permite explorações mineiras mesmo com pareceres ambientais negativos. A contestação passa também pela falta de transparência nas concessões para exploração do lítio em Portugal.
No plano da resistência pela justiça climática, o ano de pandemia condicionou bastante a mobilização. A greve climática marcada para 13 de março teve de ser cancelada e o movimento em Portugal passou para as iniciativas online. Depois do verão, o movimento voltou à rua a 25 de setembro e a 5 de outubro e a criadora do movimento da greve climática estudantil, Greta Thunberg, continuou a criticar os governos por estarem “em estado de negação” ao fim de dois anos de mobilização da juventude, num encontro com a presidência alemã da União Europeia.
Mas ao mesmo tempo que promete a neutralidade carbónica, Bruxelas continua a apoiar projetos da indústria do gás no valor de 100 mil milhões de euros e até contrata o megafundo BlackRock, grande acionista das maiores empresas poluentes do mundo, para definir as regras do debate sobre finanças sustentáveis. Entretanto, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos aceitou uma queixa apresentada por crianças e jovens portugueses contra 33 Estados por permitirem a escalda da crise climática. Outro acontecimento relevante do ano foi a assinatura do Acordo de Glasgow por parte de mais de 80 organizações ambientalistas, que se comprometem a identificar setores em cada país cuja transformação é urgente para evitar o caos climático.