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O “modelo BlackRock”: como os bancos estão a ajudar a destruir o planeta

Um relatório do Corporate Europe Observatory e Change Finance destaca o papel do fundo financeiro que se tem batido contra a agenda sustentável e ao mesmo tempo foi contratado pela UE para dar conselhos sobre o assunto.
A "teia" da Blackrock nas principais empresas poluentes do planeta. Imagem publicada no relatório do Corporate Europe Observatory e Change Finance

Por iniciativa de Marisa Matias e José Gusmão, a Provedora de Justiça europeia pronunciou-se esta semana sobre a contratação do fundo BlackRock para ajudar a moldar as regras de um sistema financeiro que se coadune com os objetivos ambientais da UE. Emily O’Reilly confirma que existe um conflito de interesses na contratação e a queixa dos eurodeputados bloquistas seguirá agora para o Gabinete Europeu Anti-Fraude.

Um relatório publicado este mês pelo Corporate Europe Observatory e Change Finance detalha mais a fundo a ação deste fundo norte-americano que move a sua influência para impedir que os regulamentos causem obstáculos aos seus negócios. E deixa evidente que numa altura em que se discute o Green Deal Europeu, ter o BlackRock à mesa não ajuda a ultrapassar a recusa dos mercados financeiros em internalizarem os custos do impacto ambiental dos seus investimentos.

Um exemplo é o Plano de Ação para as Finanças Sustentáveis, lançado em 2018 para promover os “investimentos verdes” e dissuadir os poluentes. A própria definição de investimento verde tem sido contestada pelos lóbis dos grupos financeiros e dos combustíveis fósseis, que procuram a todo o custo que os seus investimentos entrem na lista dos “sustentáveis”. Por exemplo, procurando classificar o gás, cujos investimentos bilionários continuam a ser financiados com dinheiros públicos na UE, ou a energia nuclear, como “combustíveis de transição” e ainda pressionando Bruxelas no sentido da autorregulação do setor financeiro nesta matéria.

O conflito de interesses do fundo BlackRock é claro. Trata-se de um dos maiores investidores mundiais na indústria dos combustíveis fósseis e em setores associados à desflorestação do planeta. E é também um dos principais acionistas, ou mesmo o principal, dos maiores bancos europeus. Para além disso, é conhecida a sua presença nas maiores campanhas de lóbi junto dos decisores políticos no sentido de se oporem às regras mais ambiciosas em prol das “finanças sustentáveis” e de favorecerem medidas voluntárias por parte da indústria financeira.

Contratar a Blackrock equivale a “não apenas pôr a raposa a tomar conta do galinheiro, mas a desenhar o próprio galinheiro”

“Em resumo, é difícil encontrar uma escolha mais inapropriada para dar conselhos sobre as novas regras da Comissão para o setor financeiro, ou uma com mais gritantes conflitos de interesses”, aponta o relatório do Corporate Europe Observatory e Change Finance. No registo de transparência europeu, contam-se 23 associações, grupos e instituições que contam com o BlackRock entre os seus membros. Só em 2019 gastaram cerca de 29 milhões de euros e empregaram 261 pessoas nas suas atividades de lóbi. Em comparação, a direção-geral da UE para a estabilidade financeira, serviços financeiros e união dos mercados de capitais tem apenas 15 pessoas a trabalhar na sua unidade de finanças sustentáveis. Desde o início de 2015 até junho de 2019, há registo de 413 reuniões os lobistas e aquela direção-geral.

Na definição das novas regras para o setor financeiro, a intenção anunciada é a de introduzir o risco climático na equação das decisões de investimento, com a justificação de que as alterações climáticas têm consequências graves também para as instituições que financiam o colapso dos ecossistemas. O plano de ação revisto deve ser apresentado pela Comissão até ao início do próximo ano e foi neste contexto que contratou o BlackRock para preparar o debate sobre os detalhes da futura relação dos bancos com as alterações climáticas. Para os autores deste relatório, isto equivale “não apenas a pôr a raposa a tomar conta do galinheiro, mas a desenhar o próprio galinheiro”.

Para além da questão da classificação dos investimentos, separando-os entre “verdes” e “castanhos” (os mais poluentes), também a integração dos riscos climáticos, económicos e sociais nos modelos de financiamento dos projetos de investimento encontra grande oposição do lóbi financeiro, uma vez que implica aumentar os requisitos de capital exigidos. Como seria de esperar, uma diminuição desses requisitos no caso de investimentos “verdes” não encontra a mesma oposição. Os limites desta discussão são justamente o que se espera do relatório que a Comissão Europeia encarregou o Blackrock de apresentar. E a sua presença noutros grupos e fóruns organizados pela indústria sobre a mesma temática, ao nível europeu ou do G-20, reveste-se de maior importância, na medida em que o contrato do concurso prevê que se tenham em conta os pontos de vista desses grupos nas análises e recomendações a propor. Segundo as próprias regras internas da Comissão, isto traduz-se num conflito de interesses, uma vez que deve ser excluída dos concursos qualquer entidade que possa avaliar um projeto no qual participou.

“A Comissão permitiu que seja um dos arquitetos por detrás da abordagem da indústria financeira às alterações climáticas a definir o tom no início de uma luta política na UE sobre alterações climáticas e regulação bancária. Isto é um passo inaceitável, dados os interesses económicos que o Blackrock tem no resultado” final deste processo, aponta o relatório, acusando a Comissão de ter entrado “em negação” quando estão em causa estes interesses económicos.

O relatório aponta ainda que ao contrário de outros grandes fundos financeiros, como o Norges Bank, Amundi ou AP4, o Blackrock não estabeleceu uma estratégia de investimento de baixo carbono nem sequer abriu fundos sem grande pegada ecológica, limitando-se a dizer que não controla os fundos que correspondem a mais de metade do seu portfolio avaliado em 4.3 biliões de dólares. Trata-se do fundo que mais investe na indústria do carvão e essa situação pouco se alterou nos últimos anos, continuando a deter mais de 2% das ações de cada um dos maiores produtores de carvão norte-americanos, europeus, australianos e chineses. O aço, cimento e químicos são outros setores industriais com aposta forte do Blackrock, a par do petróleo e gás. E onde há desflorestação, lá aparece o Blackrock: segundo um relatório dos Friends of the Earth, Amazon Watch e Profundo, este fundo está no top 3 dos maiores acionistas das 25 empresas associadas à desflorestação no planeta. No setor bancário, o Blackrock surge como o principal ou o segundo maior acionista de 12 dos 15 maiores bancos europeus, o que reforça as acusações de conflito de interesses na definição do debate sobre regulação bancária na UE.

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