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Preço da água vai entrar no casino de Wall Street

A água junta-se esta semana a bens como o ouro e o petróleo no chamado “mercado de futuros”. Somam-se as críticas à chegada da especulação num mundo que enfrenta cada vez mais a escassez deste bem fundamental.
Protesto contra o corte de água em Detroit. Foto de Joe Brusky/Flickr.
Protesto contra o corte de água em Detroit. Foto de Joe Brusky/Flickr.

Esta semana, pela primeira vez na sua história, Wall Street vai começar a especular sobre o preço futuro da água. O grupo Chicago Mercantile Exchange negociará contratos de água da Califórnia no valor 1,1 mil milhões de dólares.

Cada contrato representa mais de 12 milhões de litros de água. E os preços estão vinculados ao Nasdaq Veles California Water Index, lançado há dois anos. Este índice é calculado de acordo com a média ponderada por volume dos preços de transação nos cinco maiores mercados de água daquele estado norte-americano.

O negócio gira à volta dos “contratos de futuros”, que representam um acordo de compra ou venda de um bem num dado momento do futuro com determinado preço. No mercado de futuros especula-se com quais serão os preços de bens como o ouro, e outros metais preciosos, o petróleo ou vários tipos de colheitas agrícolas.

O grupo CME é o maior operador neste mercado. E a Califórnia é o maior produtor agrícola norte-americano. 40% da água aí consumida serve para irrigar as suas colheitas. É também um dos estados mais marcados pela escassez deste elemento. Uma seca de oito anos, temperaturas recorde e incêndios florestais devastadores tornam bastante presentes as consequências das alterações climáticas.

Do lado da empresa, alega-se que a especulação sobre os preços da água vai contribuir para alinhar a procura e a oferta, vai garantir um preço aos agricultores mesmo em caso de escassez e vai ajudar as empresas que precisam de água a gerir os riscos das alterações climáticas.

Do lado dos ambientalistas, não se acredita nas virtudes reguladoras da especulação sobre um bem tão essencial, que viu o seu acesso ser declarado pela ONU como um direito humano. E há quem coloque em causa eticamente este tipo de negócios num mundo em que cerca mil milhões de pessoas enfrentam desde já a falta de água (só nos EUA são mais de dois milhões), e em que se calcula que nos próximos quatro anos a escassez de água irá atingir dois terços da população mundial com consequências trágicas.

Ao site especializado em tecnologia Gizmodo, o diretor de projetos sobre justiça climática do Institute for Policy Studies, Basav Sen, resume as críticas: “o que isto representa é uma tentativa cínica de montar o que é quase como um casino onde algumas pessoas podem fazer dinheiro com o sofrimentos das outras”. Para ele, “há medida que a água limpa e utilizável se vai tornando um bem cada vez mais escasso, os incentivos do capitalismo vão no sentido de comodificá-la e de assegurar que a escassez seja uma oportunidade de fazer dinheiro. É a forma do capitalismo lucrar com a miséria humana.”

Mas o protesto não é apenas moral. O mesmo Basav Sen explica ainda que com esta entrada da água no mercado de futuros passa a existir um grupo de especuladores que aposta contra o acesso universal à água como um direito. E “eles irão tornar-se uma força política poderosa que pode gastar dinheiro para fazer lóbi contra quaisquer esforços para descomodificar a água. E isso é errado”.

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