O trabalho, publicado no jornal Público pelo jornalista Paulo Pena, que integra o consórcio Investigate Europe, revela um paradoxo: a infraestrutura de gás já existente no espaço europeu garante todas as necessidades energéticas atuais e futuras, e a Comissão Europeia prevê uma diminuição do consumo de gás entre 13 a 19% até 2030. Mas a indústria do gás está a avançar, garantindo financiamento público, com investimentos de mais de 104 mil milhões de euros em novas refinarias e gasodutos. Porquê?
Os investimentos planeados não são de menos. Apenas na capacidade dos atuais terminais de gás liquefeito, está planeado um aumento de 55%. As centrais de produção de energia alimentadas a gás irão aumentar 22% e os gasodutos irão aumentar em 12.842 quilómetros.
Dos 149 projetos da área da energia que integram a lista dos Projetos de Interesse Comum da União Europeia - uma classificação que garante o acesso a fundos diretamente da Comissão Europeia (através do Connecting Europe Facility), bem como acesso a empréstimos do Banco Europeu de Investimentos ou do Banco Europeu para o Desenvolvimento - pelo menos 32 serão novas infraestruturas de gás.
Segundo a análise do consórcio, “na melhor das hipóteses, a maioria desses investimentos avultados serão, em 15 ou 20 anos, «ativos problemáticos», bens sem qualquer valor ou utilidade. Na pior, a União Europeia ficará presa ao gás, uma fonte de energia que ameaça os objectivos fixados nos Acordos de Paris de manter o aquecimento global abaixo de 2º Celsius, durante este século”.
Os peritos do Instituto Alemão de Investigação Económica (DIW), em declarações ao consórcio, são taxativos: “Qualquer investimento em infra-estruturas fósseis, incluindo gasodutos de gás natural e terminais de gás natural liquefeito, será um investimento perdido.”
Uma explicação para esta contradição está na força do lóbi da indústria do gás junto da Comissão Europeia. Segundo o consórcio, o esforço de influência em Bruxelas custou pelo menos 250 milhões de euros, com mais de 200 consultores ou advogados a pressionarem diretamente os comissários em mais de 300 reuniões registadas.
O sucesso revela-se na própria definição das políticas de longo prazo da União Europeia, que são tomadas pela própria indústria com pouca intervenção pública. Em 2009, a Comissão Europeia decidiu, por exemplo, que o plano de desenvolvimento da rede energética a dez anos seria definida por uma entidade que reunia as distribuidoras dos diferentes estados-membros, no que é objetivamente um conflito de interesses, e que resultou em críticas do próprio Tribunal de Contas Europeu, que concluiu em 2015 que “a Comissão não tem capacidade própria para projetar a procura futura de gás da UE. Em vez disso, utiliza previsões de fontes externas”, sobreestimando “repetidamente a procura futura de gás”.
A investigação completa está disponível no jornal Público.