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Os avanços nos direitos e liberdades em 2018

O referendo de 25 de maio na Irlanda alterou radicalmente a lei do país sobre a interrupção voluntária da gravidez, considerada uma das mais restritivas do mundo e que foi mesmo alvo de condenação pelos tribunais europeus. O regime instituído através de uma emenda constitucional em 1983 equiparava na prática a vida da mulher à do feto e servia de justificação para recusar tratamento médico na gravidez.
A vontade do eleitorado irlandês foi clara e o Sim à despenalização do aborto recolheu dois terços dos votos, abolindo assim a emenda constitucional e permitindo que o governo legisle para autorizar o aborto a pedido da mulher até às 12 semanas de gravidez, e a partir desse prazo para os casos de malformação do feto ou de risco de saúde para a grávida.
Na Argentina, a luta pela legalização do aborto mobilizou muitos milhares de mulheres em torno das propostas legislativas nesse sentido. Em junho, o parlamento dividiu-se e aprovou por escassa maioria uma lei que permitia a interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher até às 14 semanas.
Mas a festa do movimento dos lenços verdes não durou muito. A lei tramitou para o Senado, onde também por escassa maioria o projeto foi chumbado, após enorme pressão da Igreja Católica sobre os senadores. A rejeição da proposta, que era apoiada pela maioria da população argentina, foi um forte revés para o movimento. Para já, continua em vigor a lei que prevê até quatro anos de prisão para a mulher que interrompa uma gravidez, à exceção dos casos de violação ou risco de vida da mulher. Mas o movimento conseguiu mostrar a sua força e pretende voltar à carga com a proposta em breve.
Índia descriminalizou relações homossexuais
No capítulo dos direitos LGBT, a maior vitória de 2018 veio da Índia, onde em setembro o Supremo Tribunal decidiu abolir uma lei do tempo colonial que criminalizava as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. "Qualquer relação sexual consentida entre dois adultos - homossexuais, bissexuais ou lésbicas - não pode ser considerada anticonstitucional", anunciou o juiz Dipak Misra.
Esta mudança da lei veio pôr um ponto final numa disputa jurídica que durou anos e passou por decisões do Supremo contra a revogação do artigo em causa. Quando um tribunal superior de Nova Deli decidiu em 2009 abolir o artigo herdado da época colonial, o Supremo deu razão a grupos religiosos que contestaram a decisão, tendo mesmo afirmado em 2013 que a comunidade LGBT constituía apenas uma "fração minúscula da população do país”, pelo que não faria sentido revogar o artigo.
Com a proibição revogada, agora é altura para olhar para os direitos há tanto tempo negados e que agora é preciso conquistar, “como o direito a casar, a adotar, a herdar, coisas que ninguém questiona e que são claramente negadas a um certo grupo de cidadãos", afirmou o fundador da Fundação Naz, que liderou a luta pela revogação desta proibição.
A celebração na Índia não esconde a discriminação que se acentua noutras partes do mundo. Na Tanzânia, o governo pediu à população que denuncie cidadãos homossexuais. Na Ucrânia, grupos de extrema-direita atacaram uma manifestação pelos direitos das pessoas transgénero. E a Rússia continua a proibir as marchas LGBT, uma medida que mereceu condenação do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Na Indonésia, onde o casamento entre pessoas do mesmo sexo é proibido, a proposta de criminalização do sexo fora do casamento vai ter impacto evidente na comunidade LGBT.
Em sentido contrário, o parlamento do Chile aprovou uma lei de Identidade de Género que permitirá a mudança de nome e sexo no registo civil. E o governo da Alemanha aprovou a menção a um terceiro género nas certidões de nascimento. Nas Filipinas, o movimento LGBT encontrou um aliado improvável no presidente Rodrigo Duterte e o país aprovou em setembro por unanimidade no parlamento uma lei que criminaliza atos discriminatórios contra a população LGBT. Voltando à Europa, o Tribunal de Justiça da UE pronunciou-se a favor do direito de residência aos membros de casais homossexuais, mesmo que o país em causa não tenha legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Canábis legal com a América na frente
Ao Uruguai e alguns estados norte-americanos juntou-se este ano o Canadá à lista dos países com canábis legal para uso medicinal e recreativo. O proibicionismo sofreu mais um forte revés com a decisão do governo canadiano de avançar para a regulação da canábis no país, tornando-se o primeiro membro do G-7 a fazê-lo. O modelo dá autonomia às províncias canadianas para definirem a forma de comércio — em lojas licenciadas ou monopólio público — e contou com grande adesão nas primeiras semanas, que obrigou até a roturas de stock. Nos EUA, a legalização entrou em vigor na Califórnia e o Michigan tornou-se o 10º estado norte-americano a legalizar a canábis para fins recreativos.
Na Europa, o primeiro país a legalizar a canábis para uso recreativo será o Luxemburgo, mas outros países começam a olhar para a planta sem o preconceito do passado. Para além de Portugal, também o Reino Unido legalizou este ano o uso terapêutico da planta, na sequência de alguns casos dramáticos de crianças com epilepsia e sem acesso ao óleo que lhes reduzia os ataques. O esquerda.net acompanha a atualidade canábica internacional com um podcast quinzenal de notícias, o Quatro e Vinte (subscreva no iTunes ou RSS)
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