Banca

Termina a saga do banco de Amorim e Isabel dos Santos

17 de julho 2024 - 12:28

A venda do EuroBIC ao galego Abanca faz desaparecer o banco que associou Américo Amorim e a corrupção angolana, absorveu o BPN pela mão de Passos Coelho e veio a contratar o ex-ministro socialista Teixeira dos Santos. A filha de José Eduardo dos Santos refugiou-se no Dubai, escapando a um mandato de captura internacional.

porJorge Costa

PARTILHAR
Isabel dos Santos e Américo Amorim
Américo Amorim. Fotografia de Egídio Santos/Wikicommons

EuroBic foi um dos principais instrumentos utilizados por Isabel dos Santos para reciclar em Portugal capitais retirados de Angola pela corrupção do círculo do poder. O banco era uma sociedade com Américo Amorim, que foi o homem mais rico de Portugal por vários anos graças a participações sociais que detinha em sociedade com a filha do chefe de Estado angolano.

Américo Amorim foi o mais duradouro dos parceiros de negócios portugueses da filha do presidente de Angola, Isabel dos Santos. Juntaram-se pouco depois da privatização da Galp, em 2005. Nesse ano, foi fundada a Amorim Energia, que pertencia em 45% à petrolífera angolana Sonangol, através de uma entidade sediada nos Países Baixos. No ano seguinte, 4 em cada 10 ações dessa entidade passaram para uma empresa suíça controlada por Isabel dos Santos. A transação valia 75 milhões de euros, mas a filha do presidente só pagou à Sonangol uma sétima parte, ficando a dever 64 milhões durante mais de dez anos. Além disso, os dividendos pagos à parte angolana pela Amorim Energia (126 milhões de euros até 2015) foram entregues ao banco  EuroBic, propriedade de Isabel dos Santos, onde a filha do presidente reteve também a parte devida à Sonangol. No final de 2017, a dívida foi paga em kwanzas, com perdas de 12 milhões para a petrolífera estatal. Quando Isabel dos Santos foi afastada da presidência da empresa, a nova administração devolveu-lhe aquele pagamento.

Eurobic, uma arma de assalto

Como se não lhe bastasse, poucas horas depois de ser despedida pelo governo angolano, Isabel dos Santos, preparando a fuga, ordena ao EuroBic a transferência de 58 milhões de euros da conta da Sonangol para uma empresa sua, o que levará mais tarde a Procuradoria angolana a abrir-lhe um processo-crime. O EuroBic apressou-se a “cortar relações” com a sua acionista e o responsável da conta de Isabel dos Santos no EuroBic suicidou-se. O desfalque foi julgado pela Justiça neerlandesa, que condenou a acusada.

Foi também com Amorim que Isabel dos Santos dominou a maior cimenteira angolana, a Cimangola, em 2007. O esquema da aquisição foi explicado pelo Expresso (24.02.2007): o Estado angolano comprou os 49% detidos pela Cimpor por 56 milhões de euros com um empréstimo contraído junto do BIC - o banco de Isabel dos Santos e Américo Amorim - vindo depois a entregar aquela participação à Ciminvest, dos mesmos donos do banco. Em 2010, Amorim vendeu a sua parte da Ciminvest ao falecido marido de Isabel dos Santos, Sindika Dokolo.

BIC, banco para todo o serviço

Desde a fundação em 2008, o BIC esteve sempre no centro dos investimentos de Isabel dos Santos em Portugal. Ao lado de Amorim, a filha do presidente angolano começou com um quarto do capital, através da mesma holding com que controlava 20% do BPI. Em 2012, o BIC era dirigido por um ex-ministro de Cavaco Silva, Mira Amaral, quando recebeu do Estado o Banco Português de Negócios (BPN), depois de uma nacionalização ruinosa cujo impacto nas contas públicas nunca foi inteiramente conhecido. A venda do BPN ao banco luso-angolano foi feita pelo governo Passos Coelho pelo valor simbólico de 40 milhões de euros. Ainda assim, a venda foi feita a crédito e esse crédito foi depois “anulado” com uma diminuição de capital do banco, posto que o Estado tinha capitalizado o BPN com 600 milhões de euros, acima do estritamente necessário. Depois da oferta da Cimangola pelo Estado angolano, foi a vez do Estado português oferecer o BPN à sociedade Amorim-dos Santos. Esta prenda de Passos Coelho foi, segundo Mira Amaral, o que “permitiu ao BIC dar o salto”. Em 2014, Amorim vendeu os seus 25% do BIC à sócia angolana. 

Do resgate do BPN, Teixeira dos Santos “deu o salto” para o BIC

A venda do BPN falido foi preparada pelo ministro das Finanças do governo de José Sócrates entre 2008 e 2011. Foi Teixeira dos Santos quem nomeou Francisco Bandeira e Norberto Rosa para dirigir o BPN nacionalizado (a gestão motivou mais tarde uma queixa-crime do Estado por gestão danosa). Foi também Teixeira dos Santos quem financiou a liquidez do BPN em mais de 5 mil milhões de euros, através da CGD, antes da reprivatização. E foi Teixeira dos Santos quem redigiu com a troika a cláusula do Memorando que, em 2011, previa a venda do BPN no prazo de dois meses, sem definir um preço mínimo e portanto contra o interesse do Estado.

Apenas um mês depois de tomar posse, Passos Coelho já tinha eliminado todos os outros candidatos à compra do BPN, incluindo o Montepio. Em agosto de 2012, o então primeiro-ministro explicava assim as suas diligências com Luanda: “A minha intervenção foi justificada por se tratar de um compromisso firmado no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira. O contacto com o senhor ministro [de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República de Angola] Carlos Feijó ocorreu no quadro das boas relações existentes entre os dois governos e pretendeu, face à delicadeza e urgência da matéria de Estado, recorrer aos bons ofícios do executivo angolano para apurar, tão rapidamente quanto possível, a eventual disponibilidade do investidor angolano para concretizar a negociação”.

O BPN tinha sido fundado por Oliveira Costa, antigo secretário de Estado cavaquista. Falido, resgatado e reprivatizado, o BPN acabaria nas mãos de Mira Amaral, presidente do BIC e antigo colega no governo de Cavaco. Quatro anos depois, em 2016, é Teixeira dos Santos que substitui Mira Amaral à frente do BIC, para só sair quatro anos depois, já depois do Luanda Leaks.

Da apropriação da Cimangola à absorção do BPN, da retenção a seu favor de capitais da Sonangol até à pilhagem da petrolífera na sua 25ª hora, Isabel dos Santos fez do EuroBic uma plataforma tanto mais estratégica quanto mais se lhe fecharam as portas na banca internacional. O Citigroup, o Barclays, o Santander ou o Deutsche Bank passaram a recusar acolher contas da filha do presidente de Angola: “estes tipos [Banco Santander] ouvem falar da Isabel e fogem dela como o diabo da cruz”, escreveu um gestor de negócios de Isabel dos Santos em 2014, num e-mail para um colega, conhecido com os Luanda Leaks. Já em Portugal, governos e reguladores foram sempre portas amigas para os fundos roubados ao povo de Angola.

Angola não consegue recuperar bens arrestados

Ao longo dos últimos anos, o Serviço Nacional de Recuperação de Ativos, no âmbito da PGR de Angola, tem-se queixado da dificuldade em recuperar participações empresariais e contas bancárias de Isabel dos Santos arrestadas pela Justiça portuguesa desde 2020. No caso do Eurobic, agora vendido ao espanhol Abanca, o valor da participação arrestada é de 127,5 milhões de euros. Quanto à NOS, os dividendos correspondentes aos 26% do capital arrestados estão à guarda do tribunal. Em 2020, a participação na NOS detida pela filha do ex-presidente de Angola estava avaliada em cerca de 600 milhões de euros. De acordo com o Negócios, neste e noutros casos, a demora na entrega à justiça angolana dos valores arrestados relaciona-se com o registo da sua propriedade ter sido feito em jurisdições noutros países, sobretudo os Países Baixos, onde Isabel dos Santos sediou muitas das suas empresas.

Capital espanhol recebe um terço dos lucros da banca em Portugal

O BIC é o segundo caso de uma participação bancária de Isabel dos Santos em Portugal que termina em mãos espanholas. Mais relevante foi o caso da posição de Isabel dos Santos no BPI que terminou também com um reforço do capital espanhol na banca portuguesa.

Em 2016, ao tentar dirimir o conflito entre Isabel dos Santos e os catalães do La Caixa pelo controlo do BPI, o então primeiro-ministro António Costa recebeu a filha do presidente de Angola na residência oficial, numa reunião privada em que terá dado luz verde à entrada de Isabel dos Santos no capital do BCP em troca da sua saída do BPI. Num processo em que o governo foi assessorado pelo advogado Lacerda Machado, muito ligado a negócios em Angola, Isabel dos Santos acabou por aceitar vender a sua participação no BPI aos catalães do La Caixa em troca do controlo da então filial angolana do BPI - o Banco de Fomento de Angola. Veio a abdicar de entrar no BCP quando a Sonangol deixou de ser o principal acionista, após a entrada da chinesa Fosun nesse mesmo ano.

Segundo o Abanca, a aquisição do EuroBic transforma-o no oitavo maior banco do país, triplicando o volume de negócios e os pontos de venda em Portugal, com cerca de 18 mil milhões de euros de faturação, 249 pontos de venda e mais de 300 mil clientes.

Entre os cinco maiores bancos que operam em Portugal contam-se o BPI e o Santander, de capital espanhol. Em 2023, somaram mais de 1400 milhões de euros de lucros, um terço do total registado por esse grupo de bancos.

Jorge Costa
Sobre o/a autor(a)

Jorge Costa

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.