Diogo Lacerda Machado, o “melhor amigo” de tantos negócios

Por indicação de António Costa no fim dos anos 1980, conheceu os gabinetes do governo em Macau e no regresso fez carreira a administrar os negócios do grupo de Stanley Ho em África. Serviu de mediador do primeiro-ministro em vários dossiers e está ligado ao grupo turístico de Mário Ferreira. É suspeito de trabalhar como lobista para os donos do centro de dados de Sines.

14 de dezembro 2023 - 11:26
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Diogo Lacerda Machado

Colega de faculdade e padrinho de casamento de António Costa, foi por este apresentado ao país em 2016 como "o meu melhor amigo há muitos anos"; só não terá entrado no Governo em 2015 "por razões pessoais" não especificadas. A única experiência governativa é do segundo executivo de António Guterres, entre 1999 e 2001, como secretário de Estado da Justiça no Ministério dirigido por António Costa. Na altura, criou os Julgados de Paz e mediou o processo dos familiares das vítimas da queda da ponte de Entre-os-Rios.

"É uma pessoa que tem um jeito inato para procurar sentar as pessoas à mesa, para procurar encontrar soluções, para servir de mediador, para servir de conciliador e tem sido, aliás, bastante apreciado não só pelo Estado mas também pelos diferentes intervenientes", dizia António Costa em defesa de Lacerda Machado, logo depois de celebrar com ele um contrato de assessoria. Fê-lo a contragosto, para calar as críticas sobre a informalidade do vínculo de Lacerda Machado para tratar de assuntos como os lesados do BES, a reversão parcial da privatização da TAP ou o diferendo entre os acionistas no BPI (Isabel dos Santos e o banco La Caixa). Na altura, além de criticar a existência de "ministros sombra" no executivo, o Bloco apresentou uma iniciativa legislativa para obrigar consultores ou representantes do Estado em negócios a declarar rendimentos e património. Após três anos de debates na Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, a proposta viria a ser integrada na lei que aprovou o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.

Hoje com 62 anos, Lacerda Machado tem três filhos. A mais velha, Joana, é casada com um ex-deputado e atual vereador do CDS em Lisboa, João Gonçalves Pereira, e foi assessora do ex-secretário de Estado da Administração Interna, Filipe Lobo d’Ávila, quando o CDS integrou o Governo de Passos Coelho. O filho do meio, Francisco, formado em Ciência Política, foi contratado em 2015 para o gabinete do ex-secretário de Estado da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira - que trabalhara com o pai em Macau e é também suspeito na operação Influencer. Cinco anos depois foi nomeado adido económico na embaixada de Portugal nos EUA. O mais novo, João Maria, formado em Jornalismo e ligado às Relações Públicas, trabalhou na embaixada dos EUA em Lisboa até ser contratado em 2017 pela IdD, a empresa que gere as participações sociais do Estado Português em empresas na área da Defesa.

No final da década de 1980, jovem advogado, Lacerda Machado foi indicado por António Costa a Manuel Magalhães e Silva, hoje advogado de ambos, quando este lhe pediu "gente nova e sem vícios" para o acompanhar enquanto secretário adjunto para a Administração e Justiça de Macau. Trinta anos mais tarde, os outros dois nomes que Costa então indicou, Pedro Siza Vieira e Eduardo Cabrita, fariam também parte dos governos de Costa.

De Macau a África

Regressado a Lisboa em 1990 e apostado em promover parcerias entre empresas portuguesas e a China, não tardou a entrar no grupo do magnata dos casinos Stanley Ho. Torna-se administrador da Interfina, hoje Geocapital, com cargos nos bancos do grupo em África e em outras empresas, num percurso interrompido pela passagem pelo Governo. Antes disso esteve no Conselho Superior da Magistratura entre 1997 e 1999, indicado pelo PS. De regresso ao grupo de Stanley Ho, está no negócio em parceria com a TAP da compra da VEM, a empresa de manutenção e engenharia da Varig, em 2005, da qual será administrador não-executivo. Dois anos depois o grupo vende a sua parte à TAP com um prémio de 4,2 milhões, num negócio investigado pela justiça, e deixa a transportadora a acumular prejuízos com a operação no Brasil que ascenderam a mais de 500 milhões de euros.

Os investimentos da Geocapital nos PALOP sucedem-se, em parceria com a Sonangol angolana, da qual Lacerda Machado foi administrador não-executivo entre 2009 e 2013, ou com a Moçambique Capitais do ex-presidente do Banco Central do país, Prakash Ratilal, na criação do Moza Banco, onde foi diretor entre 2007 e 2013, até à venda da participação da Geocapital ao BES. No ano seguinte junta-se ao fundo tunisino Africinvest, assumindo o cargo de vice-presidente não executivo do Banco Mais, até dezembro de 2019 (um ano depois do grupo chinês Bison, que comprou o Banif, assumir a maioria do capital). Nesse mês deixou o mesmo cargo que ocupou durante mais de onze anos na Caixa Económica De Cabo Verde, após a venda da participação da Geocapital ao Estado cabo-verdiano. Manteve-se presidente do Banco da África Ocidental, na Guiné-Bissau, cuja participação a Geocapital tinha adquirido ao Montepio Geral em 2007, à semelhança do que fez em 2009 com o banco cabo-verdiano. 

Enquanto António Costa foi ministro da Administração Interna, entre 2005 e 2007, Lacerda Machado é chamado para júri da compra dos helicópteros Kamov, também investigados pela justiça. Na mesma altura, representa a Motorola no fornecimento de equipamentos ao SIRESP. Entre 2005 e 2012, é indicado pelo Parlamento para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, onde foi relator de pareceres que permitiram a jornalistas aceder a documentação que a administração pública preferia resguardar do olhar dos leitores, havendo quem o chamasse "um dos melhores amigos dos jornalistas" nesse período.

Entre os aviões e os barcos de Mário Ferreira

Após a polémica do seu trabalho pro bono em dossiers bicudos, a ligação de Lacerda Machado com o Governo acabou por ser formalizada com uma avença de dois mil euros brutos mensais até ao fim de 2016. No ano seguinte, o seu nome é apontado como possível sucessor de Eduardo Catroga como chairman da EDP ou de António Mexia no cargo de CEO da empresa, onde já estivera nos anos do governo Sócrates, integrando o Conselho de Supervisão. 

Em 2017 é indicado pelo Estado para administrador da TAP, já depois de o Estado recuperar 50% do capital. Sai da empresa em 2021, ainda antes da Comissão Europeia aprovar o plano de restruturação, em rota de colisão com Pedro Nuno Santos, que já no ano anterior o consideraria "um homem do [acionista privado David] Neeleman" nos conflitos entre Estado e privados na administração. Na comissão de inquérito à TAP, Lacerda Machado afirmou ter recusado a indicação do governo para votar contra o orçamento da empresa para 2020. Em 2022 regressa ao mundo da aeronáutica como administrador da Euroatlantic Airways, especializada em voos charters e de carga, mas renuncia ao cargo em maio deste ano. Pouco depois, foi notícia que Lacerda Machado estaria a dinamizar um consórcio para concorrer à reprivatização da TAP, depois de na comissão de inquérito já ter admitido que fora sondado por vários interessados na compra, agora congelada pela demissão de António Costa.

Quem também terá sido abordado para se juntar à corrida pela TAP é o dono da TVI, o empresário Mário Ferreira. Diogo Lacerda Machado é administrador não executivo da sua holding para o turismo - a MysticInvest. A empresa foi alvo de buscas no ano passado, relacionadas com a aquisição do navio Atlântida aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e posterior venda a uma sociedade apanhada nos "Malta Files". Na mesma altura, a antiga eurodeputada Ana Gomes escreveu à Comissão Europeia e ao BCE a questionar a atribuição de 40 milhões de euros a uma empresa de Mário Ferreira. Ana Gomes aponta ainda Diogo Lacerda Machado como "intermediário" na compra de ações da Media Capital (TVI), a par de Vítor Escária, então chefe de gabinete do primeiro-ministro e ex-administrador da Martifer, onde Mário Ferreira é acionista. 

Também Mariana Mortágua tinha denunciado que “tudo isto é polvilhado por relações de proximidade com o Governo, em que a presença de Lacerda Machado tem algum significado", mas também a do CEO da TVI, Manuel Alves Monteiro, que terá “imensas ligações a Manuel Vicente, presidente da Sonangol, vice-presidente de Angola”. António Costa considerou "insultuosa" a pergunta Catarina Martins sobre o seu eventual envolvimento nos apoios concedidos. Após estas denúncias, Mário Ferreira acabou por desistir do financiamento do Banco de Fomento que o tornavam no maior beneficiário dos apoios do PRR à recapitalização de empresas, com 52% do total das verbas então disponibilizadas. O empresário acusou Ana Gomes e Catarina Martins de "vergonhosas ações". Nas redes sociais, a então coordenadora bloquista respondeu que "a defesa do interesse público não me envergonha, bem pelo contrário. Fico orgulhosa se serviu para poupar 40 milhões de euros ao Estado".

Lóbi pelo centro de dados de Sines

Entre a administração de negócios náuticos e aeronáuticos, Lacerda Machado ocupa ainda desde 2017 a presidência da Assembleia Geral da Pharol, a antiga PT SGPS que detém a participação da antiga PT na brasileira Oi e a dívida de 900 milhões do investimento no Grupo Espírito Santo. Em setembro de 2020, quando ainda era administrador da TAP, assinou um contrato de consultoria com a Pioneer Point Partners, a empresa britânica parceira do fundo norte-americano Davidson Kempner, que este ano se tornou o segundo maior acionista da Pharol. O contrato previa o pagamento de 3.500 euros em troca de seis horas semanais de trabalho a “apresentar e representar o investidor e os projetos junto das partes portuguesas relevantes, incluindo empresas, reguladores e outros funcionários públicos relevantes”, e “avaliar os riscos regulatórios e políticos em Portugal”. O projeto era o centro de dados previsto para Sines que esteve no centro da operação que levou Lacerda Machado a ser detido para interrogatório e constituído arguido na Operação Influencer. De acordo com o Ministério Público, em 2022 a retribuição aumentou para 6.533 euros mensais líquidos e o objetivo era o de influenciar os decisores políticos no sentido do interesse dos promotores do projeto, a empresa Start Campus, agindo como facilitador deste negócio.

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