Mariana Mortágua apresenta "a teia de interesses" que lesou o país

Numa sessão pública no Porto, Mariana Mortágua apresentou "uma história de privilégio, de facilitadores, de interesse público que é posto em causa em nome de outros interesses": o negócio das barragens e da capacidade de produção hídrica em Portugal.

14 de dezembro 2023 - 11:27
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Mariana Mortágua

A apresentação começa com o Governo de José Sócrates, com Manuel Pinho como ministro da Economia e Vítor Escária como assessor económico, enquanto na EDP António Mexia era o líder e Diogo Lacerda Machado membro do Conselho Superior. Aproximava-se o final do prazo da concessão das barragens e a EDP não queria ir a concurso. A solução encontrada foi alterar a lei, nunca houve concurso e a concessão foi prolongada por 25 anos. "Foi a própria EDP que disse ao Estado quanto ia pagar pelas barragens", sublinhou Mariana Mortágua.


Veja aqui o vídeo da apresentação (também disponível no podcast Mais Esquerda:

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Com a entrada do Governo de Passos Coelho em 2011, o secretário de Estado Henrique Gomes faz um relatório "em que denuncia a negociata da EDP". Henrique Gomes foi demitido e a EDP "contrata um contra-relatório" a Vítor Escária, enquanto economista do ISEG, para apresentar ao Governo PSD/CDS, argumentando que a empresa não foi beneficiada no negócio.

A privatização da REN é outro dos negócios destacados, com o banqueiro José Maria Ricciardi a servir de "facilitador para o comprador chinês que acabou por ficar com a REN", num caso que chegou a ser investigado pela Justiça.

Em 2016, já com António Costa no Governo, Vítor Escária regressa como assessor económico do primeiro-ministro e Lacerda Machado "aparece informalmente para ajudar no caso TAP e dos lesados do BES", sendo depois contratado como consultor.

Nessa altura, a GALP e a ENI tinham a concessão para fazer prospeção de petróleo na costa de Aljezur e foram dispensados de um estudo de impacto ambiental pelo presidente da APA, Nuno Lacasta. A GALP foi depois protagonista na polémica do "Galpgate", ao convidar quase duas dezenas de governantes e assessores para viajarem e assistirem a jogos de futebol no Europeu em França. Demitem-se nesse escândalo Vítor Escária, que depois aparece na administração da Martifer, onde é acionista o empresário Mário Ferreira, e Jorge Costa Oliveira, depois contratado como consultor da Lusorecursos, que detém a licença de exploração do lítio em Montalegre. Entre outros negócios, Mário Ferreira é o dono dos cruzeiros turísticos do Douro, numa empresa onde Lacerda Machado surge como administrador.

A apresentação avança até 2017, quando o Bloco negociou a taxação das rendas da energia com o secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, na sequência da comissão de inquérito às rendas excessivas proposta pelos bloquistas no Parlamento. A taxa foi aprovada, mas no dia seguinte António Costa manda a bancada do PS recuar e votar contra a taxa. Seguro Sanches sai do Governo e "a pasta da Energia muda de mãos: sai do Ministério da Economia e entra no Ministério do Ambiente, onde fica nas mãos de Matos Fernandes e em 2018 de João Galamba".

A coordenadora bloquista prossegue com o caso da barragem do Fridão, que "a EDP não queria construir mas queria que fosse o Estado a dizer que não queria a construção, para poder ficar com a indemnização por não haver construção". A troca de cartas entre o Estado e a EDP acaba em Tribunal Arbitral, que decide indemnizar a EDP em 218 milhões de euros. E o caso da venda das barragens à Engie, subavaliadas em 2007, no tempo de Manuel Pinho, num caso sob investigação. Uma diretora da APA defendeu a reavaliação do valor, mas Nuno Lacasta "chega à conclusão que a APA não tem condições" para fazer a reavaliação. A EDP ficou com o lucro sem pagar imposto de selo nem IMT. Mas também não pagaram IMI porque "a APA disse à Autoridade Tributária que aquelas barragens não deviam pagar IMI por serem domínio público, coisa que não são".

"O Governo não caiu só por isto, mas também caiu por isto"

Mariana Mortágua diz que "esta é uma história de más decisões políticas que condicionaram o interesse do país" e prejudicaram o Estado ao longo destes anos. E "encontramos tantas vezes os mesmos nomes repetidos que circulam, que tanto trabalham para o Estado como para o interesse privado ou da EDP".

A coordenadora bloquista convida em seguida a plateia a calcular quanto dinheiro o Estado perdeu só nestes negócios da concessão das barragens, da venda da REN, da indemnização do Fridão, da venda das barragens sem reavaliação e quando permitiu que as barragens não pagassem impostos.

"O Governo não caiu só por isto, mas também caiu por isto. Este é o regime dos interesses, das portas giratórias, dos favores, dos facilitadores, que destrói a nossa economia, que fragiliza o Estado e o interesse público", concluiu Mariana Mortágua, sublinhando que "a denúncia destes casos e desta economia é uma das razões da existência do Bloco de Esquerda".

"Denunciámos todos os protagonistas, não importa qual era o Governo, quais eram os protagonistas e se havia ou não havia um acordo parlamentar", prosseguiu a coordenadora do Bloco, lembrando que há outros setores onde esta rede exibe o seu poder, nomeadamente "no triângulo banca - interesses imobiliários - construtores". E é por causa deste funcionamento da economia que ela está presa a baixos salários, a uma economia de rentismo, monopólios naturais privatizados para oferecer negócio aos privados que depois os destruíram, como nos casos do PT, da Cimpor, ou o dos CTT e a ANA que agora tenta condicionar a escolha do novo aeroporto de Lisboa. "Isto é a história de um país que não sai dos mesmos setores que nos vão arrastando no empobrecimento", prosseguiu.

"Menos Estado na economia? Nós queremos é menos interesses económicos no Estado, um Estado livre de facilitadores, um Estado em que as decisões económicas são tomadas em benefício do país, porque há recursos que não podem nunca pertencer a uma elite económica que hoje é portuguesa, amanhã é dos EUA ou do Qatar ou de um qualquer fundo abutre", defendeu a coordenadora do Bloco, propondo "quebrar este ciclo e oferecer a este país uma economia justa".

Em conclusão, Mariana Mortágua afirmou que "ao denunciarmos estes negócios estamos a defender uma economia mais justa, com melhores salários e que Portugal tenha um setor industrial que nos faça crescer e enfrentar o maior desafio de todos que é o das alterações climáticas".

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