Rendas da energia: um assalto aos consumidores

A fatura da luz em Portugal é das mais caras da Europa. São os consumidores que pagam as rendas excessivas que os governos garantiram à EDP para a privatizarem. Este dossier detalha a história de algumas destas rendas e também das propostas do Bloco de Esquerda para as cortar, que já produziram resultados no último ano.

07 de julho 2017 - 11:37
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A maior parcela das rendas excessivas ao setor energético tem a ver com uma sigla que se tornou conhecida nos últimos meses, motivando inclusive uma investigação policial à sua origem. São os CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual), criados em 2004 na sequência da liberalização do mercado elétrico e concretizados em 2007. Calcula-se que nos últimos dez anos, os CMEC tenham custado mais de 2500 milhões de euros aos consumidores de eletricidade em Portugal, que assim pagam uma fatura ao fim do mês que é a segunda mais cara da Europa, tendo em conta o salário médio praticado em cada país.

As rendas da energia favorecem sobretudo o operador dominante – a EDP, presidida por António Mexia –, que coleciona subsídios e rendas garantidas em várias áreas, mas também administradores com passagem por vários governos. Nas energias renováveis, a forte subsidiação assegura à EDP Renováveis lucros que estão, em Portugal, muito acima do que consegue noutros países onde opera. Mas não é a única: no setor da energia solar, que teve no seu arranque uma atividade fortemente apoiada pelo Estado, foram criados projetos com tarifas subsidiadas pelo anterior governo mesmo quando os custos de instalação já podiam ser suportados sem qualquer apoio público.

Outras rendas escondidas na fatura de eletricidade são a garantia de potência, paga às centrais pela prontidão para abastecer a rede em caso de necessidade, e que só este ano foi cortada no âmbito ds negociações entre Bloco de Esquerda e governo. Ou o subsídio da interruptibilidade, que financia cerca de 50 grupos industriais pela mera disponibilidade para cortar o consumo em caso de sobrecarga da rede, mesmo que isso nunca tenha sido necessário. Nestes dois casos, as propostas negociadas entre o Bloco e o Governo já permitiram mudar as regras para diminuir o peso na fatura.

Para além deste sobrecusto pago pelos consumidores, há outros casos em que o poder da EDP se sobrepõe ao interesse público, por exemplo no incumprimento das suas obrigações com as autarquias. Foi assim nos contratos de concessão para a iluminação pública, em que não fez o investimento na rede a que se tinha comprometido. Ou nas contrapartidas aos municípios afetados pela barragem do Baixo Sabor, em que as autarquias e o fundo para valorização ambiental da região não recebem os pagamentos fixados à EDP. Ou ainda na licença perpétua dada à central termoelétrica de Sines em 2007 sem quaisquer contrapartidas.

Também no caso do gás, há uma distorção de mercado que faz o preço da botija de gás usada por 75% da população portuguesa valer o dobro da mesma botija vendida em Espanha. No gás natural, um contrato feito antes da privatização da GALP para aquisição de gás à Nigéria e Argélia permitiu à empresa lucrar com a revenda dos excedentes armazenados, sem repercutir o lucro na fatura dos consumidores.

Uma das exigências colocadas pelo Bloco de Esquerda, a par do alargamento da tarifa social da energia, no acordo assinado com o PS após as legislativas de 2015, foi o corte das rendas excessivas para diminuir os custos energéticos das famílias. Foi criado um grupo de trabalho entre o Bloco e o governo, que apresentou conclusões no início deste ano e viu algumas propostas já aprovadas e executadas. Este dossier mostra ainda o caso de outra experiência de taxação dos lucros excessivos de empresas privatizadas, a Windfall Tax aplicada pelo governo britânico na década de 1990.

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