No debate parlamentar sobre as propostas de renegociação das rendas da energia, em junho de 2017, as bancadas do CDS e do PSD afirmaram que foi o seu governo a cortar nas rendas excessivas pagas ao setor elétrico. Na verdade, essa era uma das medidas indicadas no memorando da troika, mas o resultado da renegociação ficou mesmo muito aquém das metas apontadas pelo estudo encomendado pelo próprio governo em 2012 e que levaria à queda do então secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes, sob a pressão do setor.
Desde o início deste ano, o Bloco de Esquerda tem apontado uma série de negócios no setor solar que mostram que sob o governo da direita, pelo ministro Moreira da Silva e pelo secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, foram atribuídas ou alargadas remunerações subsidiadas a produtores de energia solar. A serem pagos no futuro, esses pesados subsídios cairão sobre a fatura de todos os consumidores de eletricidade. Ora, o programa do atual governo é muito claro quanto ao modo de fomentar a produção renovável: “sem necessidade de subsidiação, seja para autoconsumo, seja para venda à rede a preços de mercado”. O Bloco tem confrontado o governo com este compromisso de impedir novas rendas num setor maduro em tecnologia e que já não necessita de tarifas subsidiadas para se desenvolver.
Bloco: instalar novas rendas no setor solar “é injustificável”
Sob a vigência do memorando da troika e do governo Passos Coelho, ocorreu a aprovação das candidaturas à atribuição de novos pontos de ligação à rede elétrica para produção de energia solar fotovoltaica de concentração.
Este concurso criado foi criado pelo governo do PS, em 2009, com objetivos de estímulo à inovação e demonstração de novas tecnologias. Essa era a justificação para as muito altas bonificações da tarifa a pagar por esta eletricidade - 380€/Mwh, ao longo de 12 anos. Por isso, o concurso impunha algumas restrições importantes: a mesma empresa estava impedida de concorrer a mais que uma licença e uma mesma solução tecnológica não podia ser aplicada em duas candidaturas diferentes.
Das cinco candidaturas inicialmente aprovadas em 2011, o concurso passou a contemplar onze licenças, após as várias contestações recebidas pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG). O relatório final da DGEG garantia que ambas as restrições tinham sido cumpridas no processo.
Nos anos seguintes, já sob o governo PSD/CDS, estas licenças que atribuíram uma potência de injeção na rede de 1MW acabaram por ser transacionadas, subvertendo as regras iniciais. O resultado foi a acumulação de licenças por parte da mesma empresa e o recurso à mesma solução tecnológica – da empresa Magpower – em 9 dos 11 projetos aprovados.
O Bloco de Esquerda denunciou a situação em fevereiro de 2017, apontando também as responsabilidades da DGEG. Tendo em conta que o custo do investimento inicial caiu com o passar dos anos e o avanço tecnológico, os novos detentores das licenças beneficiariam de pagamentos muito acima do que hoje se pratica no mercado. “Considerando a duração total dos contratos (12 anos), estaremos perante um peso acrescido na fatura dos consumidores de eletricidade entre 30 e 40 milhões de euros”, denunciou o deputado Jorge Costa.
As denúncias do Bloco levaram a DGEG a proceder a uma auditoria aos contratos. No início de julho, o governo anunciou que “para assegurar o rigoroso cumprimento da lei e a defesa do interesse público e dos consumidores”, foi “solicitado um parecer ao conselho consultivo da Procuradoria Geral da República sobre esta matéria”. A PGR vai agora averiguar se há matéria para revogar ou cessar os contratos em causa.
Despacho de última hora transformava mini-barragens em solar subsidiado
Outro dos casos de rendas excessivas criadas pelo governo PSD/CDS ocorreu em 2015 nos últimos dias do curtíssimo mandato do XX Governo, que viria a cair na Assembleia da República.
Em causa estavam as licenças atribuídas em 2010 para as mini-hídricas e que renderam ao Estado 37 milhões de euros. Os contratos de concessão previam que pudessem caducar em caso de parecer negativo ao seu funcionamento por razões ambientais, com o Estado a reembolsar as empresas do valor pago, sem juros.
Por estas e outras razões, nenhuma das mini-hídricas avançou, mas apenas o grupo Mota Engil pediu o reembolso do valor da licença relativa à Hidroenergia de Penacova e Poiares. Todavia, em maio de 2015, o secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, decidiu abrir a possibilidade de alteração destas licenças, para as empresas poderem mudar a fonte primária de energia. Ou seja, em vez de devolver o dinheiro pago pelas licenças, o governo resolveu atribuir-lhes o direito a tarifas bonificadas em centrais solares.
A decisão final veio a 20 de novembro de 2015, com Artur Trindade a assinar um despacho que garante a mudança de fonte primária fundamentada não apenas por razões de inconformidade ambiental, mas também em “qualquer facto que, não sendo imputável ao produtor, altere os fundamentos económicos do projeto ou a expectativa daquele relativamente ao desfecho do procedimento de licenciamento, seja por evolução do mercado, da tecnologia, ou até do regime jurídico aplicável”.
Com esta porta aberta a novas rendas garantidas, seis projetos de mini-hídricas no norte e centro do país foram convertidos em licenças para produção solar no Algarve e Alentejo, com uma tarifa bonificada de 95€/MWh por 15 anos. Esta mudança da fonte primária de energia significa “um sobrecusto para os consumidores na ordem dos 80 milhões de euros ao longo de 15 anos”, denunciou o Bloco de Esquerda em fevereiro de 2017, alegando que “não é aceitável a atribuição de uma tarifa subsidiada de 95€/MWh para solar fotovoltaico em 2017, quando os avanços tecnológicos já viabilizam essa produção sem subsídio e a preços de cerca de 50€/MWh”.
Na resposta, o gabinete do ministro do Ambiente afirmou que emitiu um despacho em fevereiro deste ano no sentido de evitar pagamento de rendas excessivas, vinculando a DGEG na resposta a esses pedidos “a ficar sujeita, nas suas propostas, ao regime remuneratório geral”.
Promessas de rendas para centrais solares em Lagos e Alcains
Outros dois casos de projetos de energia solar a requererem subsídios foram identificados nos últimos meses. Um deles é o da empresa Hyperion, que tem como chairman e CEO, respetivamente, João Talone, ex-presidente da EDP, e Pedro Rezende, que, antes de se juntar a Talone na administração da EDP, foi presidente da Boston Consulting em Portugal até 2003, tendo assessorado o Estado na criação do regime dos CMEC. Rezende é hoje um dos arguidos da investigação judicial a este processo. Segundo o semanário Expresso, a futura central solar da Hyperion em Lagos seria “viabilizada economicamente com tarifas subsidiadas de venda de energia à rede”, alegadamente prometidas pelo governo PSD/CDS em 2014 junto de Bruxelas.
Questionado pelo Bloco de Esquerda, que alertava para “um custo adicional para os consumidores na ordem dos 100 milhões de euros ao longo de 20 anos”, o gabinete do Secretário de Estado da Energia afirmou que os serviços procuraram registos de um eventual compromisso por parte do Estado.
Mas segundo o jornal Público, existe apenas uma carta do anterior Secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, à DGEG, em que refere uma tarifa bonificada de 97,5€/MWh para este projeto. Esta promessa do anterior governo foi incluída na candidatura do projeto a um programa comunitário, mas só poderá ser validada por uma portaria do governo, que nunca existiu.
Outro projeto à espera de subsídio é o da central solar do grupo Generg em Alcains, que obteve as licenças da DGEG mas espera ainda pela assinatura do atual governo para a licença de produção, com as respetivas condições de remuneração a aplicar.
Este projeto também foi aprovado pelo anterior governo, pouco antes das eleições de outubro de 2015, e provocou o mesmo alerta do Bloco que foi dado em casos semelhantes. Tal como no caso de Lagos, também aqui os requerentes de rendas pagas pelos consumidores poderão ver frustrado o seu desejo de receber luz verde do governo à subsidiação do seu projeto.