No novelo das rendas da energia e das atuais investigações judiciais, o caso da central de Sines é paradigmático. Quando o governo de Santana Lopes, com António Mexia ministro das Obras Públicas, aprovou a mudança do regime de compensação às empresas produtoras de energia – os famosos custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC) –, estes “herdaram” o prazo de vigência dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE) em vigor até então.
Porém, no caso das centrais termoelétricas, as licenças deixaram de ter prazo de duração. Na altura, o regulador da energia (ERSE) emitiu um parecer sobre o diploma, referindo-se em concreto a este caso, considerando ser “ilegítima” a vantagem dada à EDP. Mas, em 2007, a licença sem prazo nem contrapartidas foi mesmo assinada pelo governo Sócrates.
O autor desta extensão da licença foi o então diretor-geral de Energia e Geologia (DGEG), Miguel Barreto, nomeado para o cargo em 2004 pelo governo de Durão Barroso, vindo da Boston Consulting, onde tinha prestado serviços à EDP no processo de reestruturação do setor. Em 2008, Miguel Barreto saiu do cargo para, em sociedade com a Martifer, se tornar acionista (40%) da Home Energy, empresa do setor tutelado pela DGEG e que aumentou bastante o seu volume de negócios nesses anos. Em 2011, a EDP compra a Home Energy a Miguel Barreto e à Martifer.
Licença ambiental termina em 2019, Estado deve renegociar
O valor da concessão de Sines por dez anos num concurso internacional poderá rondar os 400 milhões de euros. É isso essa a dimensão do benefício à EDP se esta licença não for revogada, denunciou o Bloco de Esquerda no ano passado, lembrando ainda que “os ganhos que o produtor poderá realizar nesse período suplementar de exploração da central de Sines não foram deduzidos à compensação que os consumidores têm pago à EDP [a título de CMEC]”.
“Pelo contrário, a amortização dos investimentos realizados ao longo da ‘vida operacional’ da central de Sines, incluindo a dos mais recentes e avultados, realizados por imposição ambiental, tem sido totalmente suportada pelos consumidores e estará completa no final de 2017”, afirmava o deputado bloquista Jorge Costa no requerimento enviado em junho do ano passado ao ministro da Economia.
Na resposta, o ministro Manuel Caldeira Cabral abre a porta à renegociação da polémica licença, afirmando que o governo iria preparar “uma análise ampla e detalhada” no âmbito da renegociação dos CMEC, em que se incluiria a situação desta central termoelétrica. E revelou ainda que a atual equipa do Ministério da Economia não encontrou “qualquer estudo realizado anteriormente sobre este assunto”. Ainda em 2016,, o então presidente da ERSE reafirmou aos deputados da comissão parlamentar de Economia a posição assumida em 2004 pelo regulador quanto à ilegitimidade desta “licença perpétua”.
A licença ambiental da Central de Sines termina no final de abril de 2019. Para Jorge Costa, “enquanto se criam as condições para, a prazo, encerrar esta central a carvão - com forte impacto em termos de emissões de CO2 -, o final da licença ambiental em 2019 deve ser preparado pelo governo, para que seja paga pela EDP ao sistema elétrico (e portanto pelos consumidores, na fatura) a justa compensação pela continuidade da exploração de Sines para além do prazo original”.