CMEC: história de uma renda garantida à EDP

Os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual são uma importante parcela das rendas excessivas pagas à EDP. Os CMEC tiraram do bolso dos consumidores de eletricidade mais de 2500 milhões de euros nos últimos dez anos.

07 de julho 2017 - 13:54
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Foto Paulete Matos.

Os CMEC foram estabelecidos a título de compensação pela cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia (CAE) celebrados entre o Estado e a EDP em 1995, na preparação da “liberalização do mercado elétrico” e da privatização da companhia. Os CAE garantiam a compra da eletricidade daquelas centrais a valores fixos, mas as diretivas europeias da liberalização do mercado elétrico impuseram a cessação antecipada destes contratos e a sua substituição pelos CMEC, que vieram garantir um adicional aos preços obtidos pela EDP no mercado grossista de eletricidade.

A natureza excessiva da remuneração assegurada pelos CMEC está bem identificada desde a sua origem. No parecer do regulador (ERSE) ao projeto de decreto-lei 240/2004, já eram apontadas as suas consequências negativas ao nível dos preços, quantificando-se os riscos de um sobrecusto para além dos 7,5% de rentabilidade prevista, em função de futuras decisões discricionárias a tomar durante a futura vigência do decreto-lei. A ERSE assinalava também que o decreto 240/2004 abria caminho a novos diplomas para a transferência de direitos, cujos desequilíbrios também quantificava antecipadamente. Esses diplomas concretizaram-se em 2007, em particular quanto à capitalização dos CMEC, à extensão dos contratos e ao domínio público hídrico.

Privatização total em 2012 levou à manutenção das rendas excessivas

O corte dos CMEC esteve previsto pela troika no memorando assinado em 2011. O então secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes, atreveu-se a encomendar um estudo sobre as rendas excessivas no setor elétrico. Esse estudo, elaborado pela Cambridge Economic Policy Associates, concluiu, quanto aos CMEC, estarem os consumidores a suportar taxas de remuneração efetivas na ordem dos 14% (sem contar com a remuneração da garantia de potência, cujo regime foi alterado em 2016).

Ante a oposição do ministro das Finanças, Vítor Gaspar - que preparava a privatização da EDP a favor da China Three Gorges e não queria desvalorizar a empresa eliminando receitas garantidas à custa dos consumidores -, Henrique Gomes não durou muito tempo no governo. O seu ministro, Álvaro Santos Pereira, fez saber que a demissão foi festejada com champanhe nas sedes das produtoras elétricas. Em entrevista recente ao Diário de Notícias, após as buscas da Judiciária a várias empresas ligadas setor elétrico, Henrique Gomes contou que o relatório de Cambridge – que estimava em 2133 milhões de euros a renda excessiva paga pelos consumidores entre 2007 e 2020 – foi entregue a Passos Coelho numa quinta-feira ao fim da manhã. “À hora de almoço, estava a almoçar com a minha equipa, começámos a receber chamadas da EDP a perguntar que relatório era aquele”, recorda o antigo secretário de Estado sobre o momento que marcou os nove meses em que esteve no cargo.

A receita de 2550 milhões de euros obtida com a privatização da EDP foi inteiramente dedicada por Vítor Gaspar à amortização da dívida pública. Ainda assim, o efeito desta amortização no peso dos juros da dívida foi diminuto, situando-se, segundo o Tribunal de Contas, em 97 milhões de euros anuais (ponto 547 do relatório). O número contrasta com as enormes consequências da perda da posição pública na EDP, sobretudo na capacidade de defender na empresa políticas favoráveis aos consumidores.

2017: Revisibilidade final é oportunidade para cortar CMEC

A revisão destes contratos foi novamente recomendada em 2013 pela Autoridade da Concorrência, que estimava que o seu peso nos resultados da EDP antes de impostos se situasse entre os 15% e os 34%. O ajustamento feito pelo governo à taxa de juro permitiu poupar 13 milhões de euros anuais. No ano passado, a OCDE insistiu na necessidade de renegociação destes contratos para assegurar preços da energia mais competitivos. 

2017 é o ano em que os CMEC terão de ser revistos na sua execução até à data e reajustados para o período 2018-2027. Renova-se a pressão sobre o governo para cortar nas rendas da energia. No âmbito da posição conjunta entre o Bloco e o PS, celebrada após as legislativas, foi criado um grupo de trabalho conjunto sobre custos energéticos, que publicou as suas conclusões em fevereiro deste ano. Algumas das propostas foram inscritas no Orçamento do Estado para este ano. Entre elas, no que toca aos CMEC, o grupo propôs que o trabalho de auditoria à revisão destes contratos fosse retirado à EDP e à REN - que são partes interessadas - e fosse atribuído à entidade reguladora da energia (ERSE). Por proposta do PS e do Bloco, foi aprovada a chamada ao parlamento da presidente da ERSE para informar do andamento desse processo.

Em junho, o parlamento aprovou, com a abstenção do PSD, uma resolução do Bloco a recomendar ao Governo que tome as iniciativas necessárias à eliminação das rendas excessivas no setor elétrico – seja por renegociação direta no âmbito do processo de revisibilidade final dos CMEC, seja mediante tributação específica do produtor - e que esse resultado se reflita na formação das tarifas para o ano 2018 e seguintes. Segundo o Secretário de Estado da Energia, as contas dos CMEC para os próximos dez anos deverão estar fechadas em outubro.

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