Vítor Escária, de assessor de Sócrates a chefe de gabinete de Costa

O percurso deste economista nos corredores da residência oficial de São Bento terminou quando as buscas encontraram mais de 75 mil euros em notas guardadas nas prateleiras do seu gabinete. Para trás ficaram as ligações aos negócios com a Venezuela e a Martifer.

14 de dezembro 2023 - 11:26
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Vítor Escária

Considerado um dos melhores alunos do ISEG, onde veio a lecionar, Vítor Escária chega aos gabinetes governamentais aos 33 anos, pela mão de José Sócrates, quando este vence as eleições de 2005 e o nomeia para seu assessor económico. Foi o homem forte das ações da "diplomacia económica" com a Venezuela e mais tarde um dos raros assessores a participarem nas negociações com a troika, um nome que achou apropriado para dar à sua cadela nascida em abril de 2011. Dois meses mais tarde, a derrota eleitoral de Sócrates leva-o de volta às salas de aula do ISEG. No ano seguinte, na sequência do relatório do secretário de Estado Henrique Gomes sobre as rendas excessivas pagas à EDP, esta empresa encomenda-lhe um estudo em que Escária refuta a existência de rendas excessivas. O Governo de Passos Coelho recua e Henrique Gomes demite-se.

Os contactos obtidos por Vítor Escária na Venezuela são postos ao serviço da empresa do setor alimentar Iguarivarius, que faturou 200 milhões em contratos públicos de exportação de carne para aquele país. A relação ficou conhecida do grande público com grande estrondo por altura do Natal de 2017, quando Nicolás Maduro acusou Portugal de sabotagem pela falha de fornecimento do tradicional pernil natalício distribuído a preços acessíveis à população. Afinal, a origem da ausência do pernil não era a sabotagem, com as empresas exportadoras a queixarem-se que a Venezuela ainda não tinha pago o pernil do Natal do ano anterior. A Iguarivarius chegou a ter como chairman o ex-ministro Mário Lino e foi investigada por suspeitas de fraude fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção nos negócios de exportação de carne para a Venezuela.

O próprio Vítor Escária chegou a ser investigado no âmbito da operação Marquês, com o Ministério Público a concluir que Sócrates, já depois de sair da vida política, recorria ao ex-assessor para conseguir contratos públicos para o Grupo Lena na Venezuela. Entre 2013 e 2014, Escária assinou um contrato com a Proengel, de Carlos Santos Silva, e foi remunerado com 25.725 euros.

O regresso pela mão de António Costa

Por essa altura, António Costa, ainda presidente da Câmara de Lisboa, convida-o para colaborar na missão Lisboa 2020, com o objetivo de preparar a cidade para o novo quadro comunitário. Já em 2015, é uma das doze personalidades escolhidas para ajudar a preparar o programa económico do PS para as legislativas desse ano. Empossado o governo do PS, Escária regressa a São Bento para as mesmas funções que exercera com Sócrates, mas acaba por sair em julho de 2017, na sequência do escândalo do "Galpgate", sobre as viagens e bilhetes para o Europeu de futebol de 2016 oferecidos pela petrolífera a diversos governantes e membros dos seus gabinetes. 

Vítor Escária é um dos acusados, bem como a mulher, Susana Escária, que chefiava o gabinete do secretário de Estado da Internacionalização, também ele acusado no “Galpgate”, Jorge Costa Oliveira. Este ex-governante tornou-se entretanto consultor da Lusorecursos, a empresa que obteve a concessão da exploração do lítio em Montalegre. Na sua passagem pelo Governo, Costa Oliveira contratou para o seu gabinete de Francisco Lacerda Machado, um dos três filhos de Diogo Lacerda Machado, entretanto contratado informalmente pelo primeiro-ministro para negociar os dossiers da TAP e dos lesados do BES.

Mas a saída de Escária do gabinete do primeiro-ministro era mais aparente do que real. Menos de um ano após a demissão, era visto a acompanhar Costa à entrada do seu gabinete. A imprensa dava nota de que o antigo assessor colaborava agora na negociação de fundos europeus, coordenando uma equipa do ISEG no âmbito de um contrato celebrado com a Agência de Desenvolvimento e Coesão, sob tutela do Ministério do Planeamento e Infraestruturas. 

No breve interregno de funções oficiais no Governo, Vítor Escária foi ainda sócio da Augusto Mateus & Associados, empresa de referência na consultadoria a empresas e entidades públicas no planeamento e acesso a fundos europeus, além das duas empresas de consultadoria que detém, a Now Strategy Global Consulting e a United Pride Holding SGPS. E tornou-se ainda administrador não-executivo da Martifer, uma grande empresa da área da energia e construção. O facto de ter ligações a estas empresas e ao mesmo tempo assumir funções de consultor informal do Governo levou a Transparência e Integridade a considerar muito grave esta situação de "incompatibilidade óbvia", pois não o poderia fazer caso mantivesse o vínculo ao gabinete do primeiro-ministro.

Não tardou a regressar ao lugar do qual nunca saiu totalmente. Foi em meados de 2020, quando a justiça permitiu a suspensão do processo do “Galpgate” em troca do pagamento de injunções para evitar o julgamento. Vítor Escária pagou os 1.200 euros ao tribunal e um mês depois tornava-se o chefe de gabinete de António Costa, com direito a escritório na residência oficial do primeiro-ministro em São Bento, em cujas prateleiras a polícia viria a encontrar 75.800 euros em notas.

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