Reservas de lítio: o que defende o Bloco?

Ao longo dos últimos anos, o Bloco de Esquerda tem defendido que o país não pode manter a lógica de promoção de uma economia extrativista sob controlo privado.

14 de dezembro 2023 - 11:25
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Também conhecido como o "petróleo branco", o lítio está presente em boa parte dos equipamentos eletrónicos portáteis que utilizamos. Mas o que faz disparar a procura deste metal são as baterias dos carros elétricos, numa altura em que toda a indústria automóvel tem em marcha a transição para o fabrico destes veículos. Por essa razão, o novo modelo extrativista das reservas mundiais de lítio é criticado por muitos ambientalistas e também pelas populações afetadas, que o acusam de ser um instrumento não para salvar o clima, mas sim para salvar a indústria automóvel.  A Comissão Europeia prevê que a procura de lítio venha a aumentar 12 vezes até 2030 e 21 vezes até 2050. Esta procura é alimentada principalmente pela indústria automóvel. Segundo a diretiva das Matérias Críticas, em fase de negociação entre Comissão, Conselho e Parlamento Europeu, 10% deve ser extraído em países da União, 50% garantido através de tratamento e apenas 10% através de reciclagem de materiais.

Uma das primeiras questões que se levantam é o paradigma de mobilidade existente que leva a estes aumentos exponenciais de extração. Para contrariar esse paradigma, é essencial reduzir a aposta nos automóveis elétricos como substituição do modelo fóssil e apostar nos transportes públicos, em especial a ferrovia. Portugal perdeu, segundo um estudo da Greenpeace, a maior percentagem de ferrovia desde os anos 90 (18%) e ganhou a maior percentagem de autoestradas (346%).

Ainda assim, o armazenamento da energia renovável é preciso para um modelo de aproveitamento da produção desta energia e o lítio, apesar de notícias sobre o desenvolvimento de outro tipo de baterias, é uma matéria-prima necessária para o conseguir. Mas o histórico da extração de minério, em Portugal e não só, está carregado de prejuízos para os trabalhadores, o ambiente, a saúde pública, a disponibilidade hídrica e dos solos. 

Nas suas iniciativas parlamentares, o Bloco de Esquerda tem defendido que estas explorações devem seguir regras que evitem a repetição dos erros do passado: estarem proibidas em território classificado ou em vias de classificação; incluírem a antecipação da reposição dos meios naturais enquanto se faz a exploração e também um fundo garantido antecipadamente para o plano de recuperação desenhado para o fim da lavra; estarem acompanhadas de estudos epidemiológicos regulares das populações e dos trabalhadores; incluírem o tratamento das águas e impermeabilização dos solos para conter previsíveis impactos ambientais; não estarem localizadas próximo de populações; e incluírem zonas de servidão administrativa que não permitam licenciamento de atividades e construção nas redondezas destas instalações.

Para o desenvolvimento da fileira do setor do lítio em Portugal, o Bloco defende o controlo público do setor, tanto na extração, como na refinação, como ainda em toda a cadeia industrial da construção das baterias. Além disso, quer impedir a exportação de lítio sob a forma de matéria-prima. 

O Bloco também tem defendido que a atividade mineira deve ser regulada por leis que garantam fiscalização e conformidade dos licenciamentos, acompanhadas do reforço do regime jurídico de avaliação de impacte ambiental. A participação e informação à população deve estar sempre garantida antes das decisões sobre a prospeção e também sobre a exploração. E qualquer proposta de extração deve ser acompanhada de um estudo de impacte ambiental, independentemente do seu alcance.

De 2015 até agora: o que disse o Bloco?

Ainda durante o Governo PSD/CDS em 2015, o Bloco questionava a proposta de Lei de Bases do aproveitamento de recursos geológicos, apresentada pelo então ministro Jorge Moreira da Silva, pelo seu carácter vago que deixava a futuras leis a concretização dessas políticas, mas também por não considerar vinculativos os pareceres das autarquias. O assunto voltou a ganhar peso em 2018, com a luta contra a exploração mineira na serra da Argemela, nos concelhos da Covilhã e Fundão. A área total da exploração, incluindo as instalações e as escombreiras, era de 400 hectares. A área de escavação podia atingir 45 hectares com mais de 600 metros de profundidade, destruindo a vertente norte da Serra da Argemela, a 500 metros da aldeia de Barcos, então com cerca de 600 habitantes.

Acompanhando uma petição da população contra a mina, o Bloco propôs no Parlamento um projeto de resolução para que não fosse celebrado o contrato de concessão mineira. Os vários partidos acabaram por chegar a acordo para que pudesse ser votado um texto por unanimidade, recomendando ao Governo a realização de um processo de avaliação dos impactos de uma eventual exploração mineira, suspendendo a celebração do contrato nesse período, e que o executivo considerasse a possibilidade de retirar a Serra da Argemela da lista de áreas de exploração mineira. O contrato acabou por ser assinado em outubro de 2021, contra os pareceres das duas autarquias.

Ainda em 2018, a população de Covas do Barroso e Dornelas, no concelho de Boticas, alarmava-se com o início dos trabalhos de reconhecimento dos jazigos minerais, depois dos direitos de concessão terem sido ampliados de 120 pra 542 hectares. A concessionária, Savannah Resources, pretendia que o Governo declarasse o projeto de interesse nacional (PIN) para evitar a declaração de impacte ambiental e o Bloco de Esquerda questionava o ministro Matos Fernandes sobre essa intenção.  No ano seguinte, foi a população de Morgade, Carvalhais e Rebordelo, no concelho de Montalegre, a protestar contra a instalação de uma mina a céu aberto por parte da empresa Lusorecursos.

Em julho de 2019, Pedro Filipe Soares alertava que "todos os abutres internacionais querem pousar em Portugal para delapidar o nosso património natural". Nas eleições que se seguiram, o Governo olhava para o lítio como o negócio do futuro, alavancado pela aposta da União Europeia que identificara em Portugal algumas das maiores reservas no espaço europeu. No programa de governo, o PS prometia "assegurar uma exploração sustentável das reservas de lítio existentes no nosso país, desenvolvendo um cluster em torno deste recurso, que permita dar passos relevantes na escala de transformação, ultrapassando a mera extração e investindo em atividades de maior valor acrescentado no âmbito da indústria de baterias". Aumentavam os pedidos de prospeção, apesar de a lei das minas ter ficado adiada desde a aprovação da lei de bases em 2015. O grupo de trabalho constituído pelo Governo identificou oito zonas potenciais para atribuir contratos de prospeção e pesquisa. Mas nalguns casos como Montalegre, Covas do Barroso, Boticas e Argemela os contratos já estavam assinados com privados.

É em outubro de 2019 que as suspeitas em torno das concessões da exploração de lítio sobem de tom, com uma reportagem da RTP a denunciar que a empresa Lusorecursos Portugal Lithium tinha sido constituída três dias antes de receber a concessão de Montalegre, num negócio então avaliado em 350 milhões de euros, uma empresa diferente da que tinha feito o pedido de prospeção e apenas com um sócio em comum: Ricardo Pinheiro, um antigo contabilista da Associação Industrial do Minho com ligações ao PS. A nova empresa tinha entretanto contratado como consultor Jorge Costa Oliveira, o secretário de Estado da Internacionalização demitido após o “Galpgate”. No Parlamento, a deputada Maria Manuel Rola perguntava a Matos Fernandes: "Não lhe parece estranho que isto seja legal?". Nas semanas seguintes, o Bloco questionou o Governo sobre os métodos agressivos dos trabalhos de sondagem já executados e requereu a 78 municípios os pareceres emitidos a pedidos de prospeção, pesquisa e exploração de recursos geológicos.

Sem respostas satisfatórias do governo português, o Bloco pediu explicações à Comissão Europeia sobre a ausência de uma avaliação ambiental estratégica para os projetos e voltou a reclamar a prometida legislação sobre as minas. Entretanto, o Governo aproveitava o período dos confinamentos da pandemia para abrir a consulta pública sobre a exploração do lítio na serra da Argemela.

Lei das minas é "uma via verde sem limite de velocidade para o lítio"

A lei das minas só viria a ver a luz do dia em 2021 e a pressão do Bloco foi determinante para afastar a possibilidade de exploração em territórios classificados, excluindo assim a Serra d'Arga e o Alto Douro Vinhateiro da lista de sítios a explorar. Apesar de também estar classificado como património agrícola mundial pela ONU, as terras do Barroso em Montalegre já tinham uma concessão de prospeção mineira antes de 2015, que o Governo manteve. A nova lei foi a debate no Parlamento por iniciativa do Bloco, com o deputado Nelson Peralta a criticar a assinatura de 14 contratos mineiros no mesmo dia e a considerá-la "uma via verde sem limite de velocidade para o lítio". Matos Fernandes e João Galamba criaram uma legislação ambiental "que funciona em regime de bar aberto em que tudo é permitido", afirmou o deputado, indignando o ministro. No mesmo debate, Maria Manuel Rola sublinhou a falta de transparência que levou várias ONG a apresentarem queixa junto do Comité de Cumprimento da Convenção de Aarhus contra a Agência Portuguesa do Ambiente, por negar o acesso à informação sobre o projeto de exploração mineira do Barroso.

Enquanto em Portugal os contratos de exploração do lítio estão envoltos em suspeitas de corrupção, na União Europeia a "corrida às minas" justificada pela transição energética e a excessiva dependência atual das matérias-primas críticas de países como a Rússia e a China, fizeram acelerar mudanças nas regras. Neste momento estão em fase de debate as propostas da Comissão do Conselho e do Parlamento Europeu sobre um novo regulamento que garanta o aprovisionamento equilibrado. Na votação da proposta no Parlamento Europeu, em que José Gusmão foi relator na comissão de assuntos económicos, o Bloco optou pela abstenção após o grupo da Esquerda ter conseguido incluir propostas como o fortalecimento dos critérios sociais e ambientais no reconhecimento de projetos estratégicos, o princípio do consentimento livre, prévio e informado das populações indígenas ou o aumento das metas de transformação na UE e de reciclagem das matérias-primas. No entanto, a direita, a extrema-direita e os liberais juntaram-se para impedir a moratória à exploração mineira em zonas da rede Natura 2000, incluíram o alumínio na lista e deram aos privados o poder de atestar o cumprimento dos critérios socioambientais exigidos.

Com o fim das negociações em trílogo, a proposta regressou ao Parlamento Europeu para votação final em dezembro. Marisa Matias anunciou o voto contra por parte do Bloco de Esquerda, afirmando que nesta versão final "a União Europeia estabelece como regra que o interesse económico de uns poucos se pode sobrepor ao interesse público de todos" e assim "permite a predação sem limites dos recursos e do planeta e o contínuo desrespeito dos direitos humanos".

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