Facilitadores e portas giratórias

A investigação judicial que precipitou a queda da maioria absoluta volta a pôr em evidência um regime em que os protagonistas dos negócios se misturam com os decisores políticos, sempre em prejuízo do interesse público. Dossier organizado por Luís Branco.

14 de dezembro 2023 - 11:27
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Facilitadores e portas giratórias

A "Operação Influencer" investigou as ligações entre empresas, decisores políticos e figuras que circulam entre os dois meios, facilitando os negócios dos primeiros e pressionando decisões governamentais ou alterações legislativas. Já depois de ter apresentado a demissão, o primeiro-ministro veio tentar justificar essa relação, afirmando que a obrigação de qualquer governo é a de atrair investimento, um objetivo máximo e que obriga a conciliar interesses privados e o interesse público. Em muitos casos conhecidos, o resultado dessa "conciliação" é evidente, com o interesse privado a prevalecer sobre a legislação ambiental.

Para abrir via verde a estes negócios, o governo de José Sócrates criou a figura do Projeto de Interesse Nacional, que prevê dispensa de muitas formalidades e obrigações, incluindo em matéria ambiental, sempre em nome da "atração de investimento". Hoje em dia, boa parte desses projetos são de imobiliário de luxo, implantados em zonas protegidas graças ao "selo PIN" que ostentam.

Publicamos neste dossier a apresentação feita no Porto por Mariana Mortágua sobre "a teia de interesses" em torno do negócio das barragens e da capacidade de produção hídrica em Portugal. Um dos vários negócios em que a EDP ficou a ganhar e o interesse público a perder. No universo desse negócio cruzam-se algumas das figuras hoje arguidas na investigação aos negócios do centro de dados de Sines.

Nesta apresentação vemos como desde os governos de José Sócrates, passando pelo de Passos Coelho e prosseguindo com António Costa, o gigante da eletricidade agora em mãos chinesas conseguiu sempre evitar que o seu privilégio fosse posto em causa, ou mesmo que o reconhecimento das suas rendas excessivas se traduzisse numa devolução de dinheiro na forma de uma taxa, mesmo após serem conhecidas as conclusões da comissão de inquérito requerida pelo Bloco de Esquerda.

"Menos Estado na economia? O que nós queremos é menos interesses económicos no Estado, um Estado livre de facilitadores, um Estado em que as decisões económicas são tomadas em benefício do país, porque há recursos que não podem ser entregues a uma elite económica - seja hoje portuguesa, amanhã dos EUA ou do Qatar - ou a qualquer fundo abutre", defendeu a coordenadora do Bloco na conclusão desta apresentação. 

Neste dossier traçamos os perfis de três figuras da "operação Influencer". Uma delas foi chefe de gabinete do primeiro-ministro até se descobrir que guardava no seu gabinete mais de 75 mil euros em notas de rendimentos não declarados. Vítor Escária, entretanto exonerado, fora já o assessor económico principal de José Sócrates e operacional da diplomacia económica com a Venezuela, contactos que continuou a cultivar após sair do Governo ao serviço de um exportador de alimentos. Na sequência da contestação às decisões de Manuel Pinho a favor da EDP na concessão das barragens, produziu por encomenda da EDP um estudo refutando a existência de rendas excessivas.

Outro perfil é o de Diogo Lacerda Machado, que o país conhece como "o melhor amigo" de António Costa, advogado que passou pelos gabinetes do governo português em Macau e depois administrou os interesses do milionário Stanley Ho em bancos dos PALOP. Integrou o Conselho Superior da EDP e foi chamado por António Costa para mediar dossiers como o dos lesados do BES ou o da TAP, acabando por ser contratado como consultor após críticas à informalidade com que representava os interesses do Estado português.

O terceiro perfil é o de Nuno Lacasta, quadro do Ministério do Ambiente que está à frente da Agência Portuguesa do Ambiente desde a sua criação pela ministra do CDS, Assunção Cristas. Os onze anos no cargo têm-lhe valido algumas polémicas e até pedidos da sua demissão, como o que o Bloco de Esquerda apresentou em 2018, quando Lacasta autorizou a Celtejo (grupo Navigator) a triplicar as suas descargas no rio Tejo, apesar de serem bem conhecidas as suas práticas poluidoras. Na sua passagem pelo cargo, destacam-se a dispensa de estudo de impacto ambiental ao furo da Galp e da Eni ao largo de Aljezur, projeto caído sob a contestação popular, o seu contributo para que o Estado nunca avaliasse a vertente económica do negócio da venda de seis barragens da EDP a um grupo francês, levando o Estado a abdicar de eventuais receitas, a par da autorização da exploração do lítio em Montalegre e no Barroso, numa zona classificada pela ONU como Património Agrícola Mundial.

Os negócios do lítio, um metal precioso em tempo de transição energética e que tem em Portugal a maior reserva da Europa, também está sob investigação e tudo indica que será mais um caso de secundarização do interesse público face ao imperativo da atração de investimentos. Neste dossier olhamos também para a evolução deste tema na última década e para a intervenção do Bloco de Esquerda, que tem defendido o controlo público do setor, tanto na extração, como na refinação, como ainda em toda a cadeia industrial da construção das baterias, impedindo assim a exportação de lítio sob a forma de matéria-prima. O Bloco também defende que a atividade mineira deve ser regulada por leis que garantam fiscalização e conformidade dos licenciamentos, acompanhadas do reforço do regime jurídico de avaliação de impacte ambiental e com garantias de participação e informação à população, acompanhando qualquer proposta de um estudo de impacte ambiental.

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