Corrida às minas na UE cada vez mais contestada pelas populações

13 de novembro 2023 - 20:27

Não é só em Portugal que os projetos mineiros sob a capa de "transição verde" são contestados. Há financiamentos europeus de milhões atribuídos a empresas com cadastro de destruição ambiental.

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Protesto cotra as minas no Barroso
Foto Unidos Em Defesa de Covas do Barroso/Facebook

Uma série de reportagens do consórcio de jornalistas Investigate Europe foi tentar perceber as consequências da aprovação em breve do Regulamento sobre matéria-prima crítica (CRMA, do nome em inglês) que está em fase de negociação entre a Comissão Europeia, o Conselho e o Parlamento Europeu.

O Regulamento reflete a vontade europeia de reduzir a sua dependência da China, que fornece e transforma a maior parte das matérias-primas críticas, mas também da Rússia, que ficou isenta de sanções da UE nestas importações. Mas a maior parte da riqueza obtida com o o lítio é realizada na fase de produção de baterias e não na sua extração, afirmou ao Investigate Europe Artur Patuleia, investigador em energia e clima do think tank E3G. No caso das minas previstas para as Terras do Barroso, a instalação do conjunto da cadeia de valor na região, incluindo a produção das baterias, daria para fornecer o triplo do volume anual de procura da Autoeuropa. Mas se o projeto passar apenas pela mineração e refinação do lítio extraído, a riqueza criada seria de um oitavo desse valor e os empregos criados também muito reduzidos. A contrapartida seria sempre a destruição de uma das oito regiões com patrimónios agrícolas de reconhecida importância por parte das Nações Unidas na Europa.

Como Portugal não tem capacidade de investimento para criar a cadeia de valor completa, Patuleia conclui que a nova corrida às minas por parte da União Europeia servirá para beneficiar sobretudo os países mais ricos. E apesar das promessas da comissária Vestager de que a UE está interessada em desenvolver localmente as cadeias de valor das matérias-primas críticas, não há nada na proposta de Regulamento que confirme essas intenções.

Assim, as comunidades locais "veem os potenciais prejuízos, mas não veem os benefícios" da instalação das minas às suas portas. Além disso, as populações questionam os objetivos do próprio modelo de transição que está a ser seguido. Para a ativista Carla Gomes, do movimento contra a mina do Barroso, "as minas já não resolvem o problema. Até agora tem sido a exploração desenfreada dos combustíveis fósseis, até se esgotarem, e agora seria a exploração de todo o lítio que existe até se esgotar. O que é que vamos extrair a seguir?", pergunta.

As mesmas dúvidas são levantadas 4.500 quilómetros a nordeste do Barroso pelo povo sami, na Lapónia, outra região rica em minerais raros e na mira da futura exploração desenfreada feita em nome da transição verde. "Estamos a planear minas para salvar a indústria automóvel, claro, mas também para manter as coisas como estão. Não haverá transição", diz Håkan Jonsson, o presidente do parlamento sami na Suécia, preocupado ao ver Bruxelas olhar para o norte da Suécia, Finlândia e Noruega como áreas inexploradas a serem "colonizadas, industrializadas e com enorme potencial para todo o tipo de exploração em nome desta transição verde", que apelida de "transição negra". Kiruna, no norte da Suécia, é apontada como o maior depósito de terras raras na Europa, enquanto nas montanhas do Barroso estão as maiores reservas de lítio conhecidas no continente.

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Empresas condenadas por crimes ambientais ganharam fundos europeus da "transição verde"

O consórcio de jornalistas Investigate Europe passou também em revista os principais beneficiários dos 95 projetos financiados desde 2014 pelo programa europeu Horizon, destinados a apoiar a transição verde com a exploração das matérias-primas críticas. E descobriu vários casos de empresas com cadastro de crimes ambientais a verem os seus projetos financiados.

É o caso da companhia espanhola Cobre Las Cruces, que viu três administradores condenados em 2016 por um tribunal de Sevilha após confessarem que a empresa contaminou com arsénico um aquífero nas imediações das suas minas de cobre, além de terem extraído mais água do que era legalmente permitido. Seis meses antes da sentença, a empresa começou a coordenar o projeto Intmet, financiado com 7,8 milhões pela Comissão Europeia, dos quais 2,8 milhões tiveram como destino a empresa Cobre Las Cruces, detida pelos canadianos da First Quantum Minerals.

Outro caso diz respeito à multinacional sueca Boliden, cuja subsidiária espanhola foi responsável pelo maior desastre ambiental em minas europeias no último meio século. Foi em 1998, a poucos quilómetros do crime ambiental pelo qual viria a ser condenada a Cobre Las Cruces, que a rotura da barragem da mina de pirite de Aznalcóllar descarregou seis milhões de metros cúbicos de lamas tóxicas num rio próximo, matou milhares de peixes e danificou 4.634 hectares, com a contaminação a inutilizar para sempre alguns terrenos agrícolas. A  Boliden pagou 40 milhões de indemnização, mas a subsidiária espanhola entrou em insolvência, deixando mais de 130 milhões de euros por pagar ao Estado espanhol e às autoridades locais em despesas com a limpeza e reabilitação daquele território. Agora, a Boliden é financiada por oito projetos do programa Horizon, alguns dos quais com o objetivo de "minimizar o impacto ambiental das operações mineiras", sendo para tal recompensada com 2,7 milhões de euros dos contribuintes europeus.

No caso de outras empresas, os crimes ambientais de que são acusadas tiveram lugar fora da Europa. A francesa Eramet, que conseguiu 1,9 milhões de euros do Programa Horizon, é acusada de destruir florestas e terrenos de comunidades indígenas na Indonésia para o projeto da maior mina de níquel do mundo, e uma das suas subsidiárias está a ser investigada por crimes ambientais na Nova Caledónia. A britânica Anglo American, financiada com pouco mais de 200 mil euros, é acusada de envenenamento em massa de crianças com chumbo na Zâmbia. Ao todo, há mais de uma dúzia de empresas beneficiárias destes fundos europeus com acusações de crimes ambientais por todo o planeta, refere o Investigate Europe.

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