Uma investigação do consórcio de jornalistas Investigate Europe, publicada no portal francês Disclose, mostra como os gigantes da aeronáutica europeia contribuem para financiar o esforço de guerra da Rússia contra a Ucrânia e enriquecer os oligarcas sujeitos a sanções financeiras. Ao todo, calculam os jornalistas com base nos números do Eurostat, a União Europeia importou pelo menos 13,7 mil milhões de euros de metais russos, sobretudo alumínio, níquel, cobre e titânio desde o início da guerra. No caso francês, a fatura ascende aos 276 milhões só no ano de 2022. No momento em que a UE prepara o seu décimo segundo pacote de sanções à Rússia, não se prevê que estas matérias-primas façam parte da lista, ao contrário do que já fizeram Estados Unidos e Reino Unido.
Para o fabrico dos seus aviões e helicópteros, empresas como a Airbus e a Safran precisam de minerais e metais considerados "matérias-primas críticas", cujo principal fornecedor é a Rússia. A situação não se alterou com a invasão de Ucrânia, bem pelo contrário. A investigação concluiu que entre 24 de fevereiro de 2022, o início da invasão, até 14 de março deste ano, a Airbus comprou titânio à Rússia no valor de 22,8 milhões de dólares, quatro vezes mais do que tinha comprado nos treze meses anteriores à invasão.
O fornecedor da Airbus é o líder mundial da produção de titânio, a Vsmpo-Avisma, detida em 25% pela Rostec, a empresa que produz mísseis, armas de precisão e material para a aviação militar russa. As duas empresas são presididas por Serguei Tchemezov, próximo de Putin desde os tempos do KGB e que consta da lista de sanções europeias desde 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia, tendo perdido no ano passado o seu iate de luxo "Valérie", apreendido pelas autoridades espanholas. Também a Rostec está na lista de sanções europeias desde março de 2022 e desde então viu a sua produção aumentar dez vezes graças à guerra.
Embora a Airbus tenha prometido libertar-se do titânio russo "em poucos meses", um porta-voz justifica o aumento das compras com o aumento da produção de aviões comerciais. E, claro, lembra que as "matérias-primas críticas" não entraram na lista de sanções da UE, ao contrário do petróleo, cimento, bebidas alcoólicas e outros produtos.
Mas a empresa tem outro argumento, mais surpreendente, a favor da continuidade dos negócios com a empresa russa: "A paragem da utilização por parte do Ocidente do titânio russo para a aviação civil seria um incentivo para a indústria russa se concentrar nas suas necessidades em matéria de defesa", diz o responsável da Airbus. Um raciocínio que não é partilhado do outro lado do Atlântico, onde desde março de 2022 a Boeing anunciou o fim das encomendas à Vsmpo-Avisma. No caso do grupo Safran, que produz motores para aviões e tem o Estado francês como acionista, as encomendas não pararam e terão mesmo encomendado titânio suficiente para os próximos dois anos de produção, temendo um possível futuro embargo a estes materiais.
Em 2021, a União Europeia era o principal destino das exportações russas de titânio, absorvendo 47,7% dessas exportações. No caso do alumínio, a fatia das exportações para a UE é de 28%.
Para Roland Papp, especialista em fluxos financeiros ilícitos na ONG Transparência Internacional, as empresas francesas tiveram tempo mais que suficiente para se prepararem. "A anexação da Crimeia foi em 2014, a invasão da Geórgia foi em 2008, já lá vão 15 anos. E o que é que fizemos? Aumentámos a nossa dependência em relação à Rússia. Foi um erro grave", diz Papp.
Outro dos principais beneficiários com estas vendas é o segundo homem mais rico da Rússia e antigo vice-primeiro-ministro Vladimir Potanine, também alvo de sanções que lhe congelaram dinheiro, propriedades e bens como um iate avaliado em cerca de 300 milhões de dólares. Apesar disso, continua a lucrar enquanto principal acionista da Nornickel, uma das principais empresas mundiais do setor mineiro. Desde o início da guerra, a sua empresa já vendeu 7,5 mil milhões de dólares em cobre e níquel à União Europeia, além de outros três mil milhões de dólares em paládio, platina e ródio que entraram na Europa através do aeroporto de Zurique.
A Nornickel coloca a sua filial suíça como importadora dos materiais, de forma a dissimular a identidade dos verdadeiros compradores nas declarações alfandegárias. Um esquema também usado pela Rusal, o gigante russo do alumínio, que através de sociedades registadas na Suíça e em Jersey conseguiu exportar 2,6 mil milhões de dólares para a UE nos 16 meses que se seguiram à invasão da Ucrânia. Também neste caso o principal acionista, Oleg Deripask, é alvo de sanções, embora a sua empresa detenha uma fundição na Suécia e a maior refinaria europeia de alumínio na Irlanda, com as exportações para a UE a constituírem um terço das receitas do grupo.