Rendas da energia: os resultados do inquérito parlamentar

A comissão parlamentar de inquérito às rendas da energia procurou descortinar os meandros de mais de uma década de negociações e legislação produzida na área da energia, que se revelaram ruinosas para o Estado e continuam a pesar na fatura paga pelos consumidores. Dossier organizado por Luís Branco.

14 de abril 2019 - 17:49
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Durante vários meses, os deputados da comissão parlamentar de inquérito ouviram atuais e antigos governantes envolvidos nos processos legislativos na área da energia e nas negociações com a EDP. A abertura do mercado português à liberalização do setor elétrico, as concessões de infraestruturas e do domínio hídrico, as compensações pagas aos produtores de energia, a passagem dos Contratos de Aquisição de Energia para os Contratos de Manutenção do Equilíbrio Contratual, as portas giratórias entre consultores da EDP e gabinetes ministeriais ou o processo judicial em torno de Manuel Pinho foram temas discutidos na sala da comissão.

Cronologia das rendas da energia

Cronologia das rendas da energia (clique aqui para ampliar)


A complexidade técnica de alguns temas em cima da mesa, em especial quanto às formas de cálculo usadas nas compensações pela transição dos regimes regulatórios, tornaram quase impossível aos deputados e aos participantes nas audições chegarem a uma conclusão comum sobre a justeza dos valores em causa na celebração de vários contratos. Mas não impediu que chegassem a uma conclusão comum: os consumidores estão a pagar mais do que deviam aos produtores, e em especial ao gigante que domina o mercado, a EDP, quer quando era uma empresa do Estado, quer após a sua privatização.


Ler relatório preliminar da comissão de inquérito


Aliás, foram muitos os que passaram pela comissão sem problemas em admitir que as compensações pagas em excesso desde o final do século passado se destinaram a capitalizar a empresa então pública, com o objetivo de aguçar o apetite de eventuais interessados na sua privatização. Até com episódios caricatos, como o dos ganhos devidos à extensão sem prazo da concessão da central de Sines, graças a uma omissão legislativa, do qual nem os candidatos a acionistas tiveram conhecimento.

Outra surpresa, menos desagradável e desta vez para os consumidores, foi saber que para além das rendas excessivas ao setor elétrico também entrou na fatura da luz um apoio às grandes empresas industriais e do setor da distribuição, remuneradas desde 2010 com centenas de milhões em troca de um serviço para a segurança da rede elétrica que nunca foi usado e que muitas das empresas beneficiárias nem sequer tinham  condições técnicas de prestar.

Este relatório preliminar redigido pelo deputado bloquista Jorge Costa, que foi o proponente e o relator da comissão de inquérito, mostra também como a aposta portuguesa nas energias renováveis no início do século XXI se transformou, já em 2013, num “jackpot” para as empresas com parques eólicos, premiadas com uma extensão das tarifas garantidas e remuneradas muito acima do preço de mercado em troca de uma “contribuição voluntária” que melhorou as contas aos olhos da troika, mas escondeu perdas futuras avaliadas em centenas de milhões de euros.

A história das relações entre o Estado e a EDP é já um caso de polícia, graças à “operação Ciclone” em torno de Manuel Pinho e António Mexia, mas é também um exemplo de promiscuidade entre funções públicas e privadas, com consultores ao serviço da EDP a transitarem para os gabinetes dos ministros envolvidos nas negociações com a empresa. O desequilíbrio nesta relação assume a forma da chamada “dívida tarifária”, que os sucessivos governos foram empurrando para mais tarde, com a empresa a vendê-la nos mercados financeiros através da sua titularização e assim obtendo lucros ainda maiores.

Em quase todos estes casos de rendas excessivas, houve avisos por parte do regulador, que os sucessivos governos escolheram ignorar ou contrariar. As recomendações do relatório vão no sentido contrário e apontam um caminho claro: o Estado deve recuperar o valor das rendas excessivas para o sistema energético nacional, aliviando a carga da dívida tarifária e a fatura paga pelos consumidores nos próximos anos.

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