Está aqui

Boston Consulting: os homens da EDP nos governos

O papel dos consultores da Boston Consulting Group na liberalização do mercado elétrico em Portugal é destacado no relatório final da comissão de inquérito às rendas da energia. Um dos consultores continuou nos quadros da consultora durante mais de um ano em que esteve no gabinete de Manuel Pinho.

Ricardo Ferreira, João Conceição, Miguel Barreto. Estes três nomes fazem parte de “uma equipa de quadros altamente qualificados e com experiência partilhada numa consultora que apoiava em permanência a EDP e migrou em 2002-2004 para posições de importância crítica no momento da elaboração do novo quadro legal do setor elétrico”.

Ricardo Ferreira e João Conceição assessoraram o ministro da Economia Carlos Tavares e o seu sucessor na pasta, Álvaro Barreto, e o secretário de Estado Franquelim Alves, respetivamente. Miguel Barreto foi nomeado aos 28 anos diretor-geral da Energia, cargo que manteve até 2009.

Outro quadro da Boston com ligações à EDP era Pedro Rezende, na empresa desde 1990, onde chegou a ser vice-presidente da filial portuguesa. Rezende transitou em 2003 para o conselho de administração da EDP quando a elétrica era presidida por João Talone.

Segundo o relatório final da comissão de inquérito às rendas de energia, coube a Ricardo Ferreira assessorar o processo legislativo dos CMEC no gabinete de Carlos Tavares, tendo acompanhado o ministro a reuniões em Bruxelas, inclusive com o comissário da concorrência, Mario Monti. Terá sido ele a recomendar a contratação de João Conceição para o gabinete de Franquelim Alves. João Conceição co-liderou a equipa do governo nas negociações com Espanha para a definição do novo Mercado Eléctrico Ibérico (MIBEL) e superintendeu a equipa responsável pela gestão do processo legislativo da liberalização do mercado elétrico português. Enquanto preparavam a legislação do setor em nome do Estado, a sua consultora de origem apoiava a EDP na preparação para a entrada em funcionamento do MIBEL.

Quando o governo de Santana Lopes foi demitido, Ricardo Ferreira transitou diretamente para o cargo de diretor-geral do Departamento de Regulação e Concorrência da EDP, onde permanece até hoje. A comissão de inquérito aponta-o como um exemplo “da ‘porta giratória’ entre lugares de grande influência/decisão política sobre determinado setor e cargos de responsabilidade em grandes empresas desse mesmo setor”, a par de Rui Cartaxo, que foi assessor de Manuel Pinho e seguiu para a administração da REN.

João Conceição não chegou a transitar do governo de Durão Barroso para o de Santana, tendo regressado aos quadros da Boston Consulting Group. Em 2006, quando o governo de José Sócrates decide a substituição dos CAE pelos CMEC, Conceição vai liderar a equipa da consultora ao serviço da EDP na preparação de propostas para a nova legislação do MIBEL.

Um ano depois, em abril de 2007, João Conceição torna-se assessor do ministro Manuel Pinho, embora continue remunerado pela Boston Consulting até agosto de 2008. Sem contrato com o ministério, continua no gabinete do governo até abril de 2009, agora enquanto quadro remunerado pelo BCP, banco acionista da EDP. Quando sai do ministério, Conceição torna-se administrador da REN em regime de substituição, convidado pelos acionistas privados.
 
“Tanto no caso de Rui Cartaxo como no caso de João Conceição, estão identificadas, no âmbito do processo judicial que corre termos, comunicações com responsáveis da EDP que demonstram que, na relação entre quadros do Ministério e responsáveis da empresa, além do fluxo permanente de informação, ocorreu uma deslocação da condução do processo legislativo, do seu ritmo e do seu conteúdo, para o incumbente privado”, concluiu o relatório preliminar da comissão de inquérito.

(...)

Neste dossier:

Rendas da energia: os resultados do inquérito parlamentar

A comissão parlamentar de inquérito às rendas da energia procurou descortinar os meandros de mais de uma década de negociações e legislação produzida na área da energia, que se revelaram ruinosas para o Estado e continuam a pesar na fatura paga pelos consumidores. Dossier organizado por Luís Branco.

Conclusões finais e recomendações do relatório preliminar da comissão de inquérito

No fim das mais de 200 páginas do relatório apresentado pelo deputado bloquista Jorge Costa à comissão de inquérito às rendas da energia são apresentadas 18 conclusões que enumeram as perdas que foi possível apurar para o sistema energético nacional em resultado das decisões políticas e das negociações feitas nesta área.

“O mercado resolve”: a omissão na lei que pode ter valido 285 milhões à EDP

Ao contrário do que acontecia antes dos CMEC, a lei deixou de prever inspeções da REN às centrais abrangidas para verificar se cumpriam a disponibilidade de potência que anunciavam.

Dos CAE aos CMEC: governo escolheu não negociar desconto nas rendas

Na substituição dos contratos de aquisição de energia criados nos anos 90 por outros contratos adaptados à liberalização europeia do mercado elétrico, o governo Barroso/Portas decidiu manter os níveis de rentabilidade iniciais. Mas a lei abriu portas para novas vantagens à EDP. Entre elas, várias que levaram a pagamentos em excesso na ordem dos 510 milhões de euros, calcula a ERSE.

O “jackpot” eólico de 2013: tarifas garantidas às energias renováveis

O forte investimento nas energias renováveis contribuiu para que o país pudesse atingir as metas ambientais. Mas a descida dos preços de mercado tornou essas rendas num fator de distorção da concorrência.

Boston Consulting: os homens da EDP nos governos

O papel dos consultores da Boston Consulting Group na liberalização do mercado elétrico em Portugal é destacado no relatório final da comissão de inquérito às rendas da energia. Um dos consultores continuou nos quadros da consultora durante mais de um ano em que esteve no gabinete de Manuel Pinho.

O retiro universitário de Pinho patrocinado pela EDP

O protocolo de apoio assinado entre a EDP e a Universidade de Columbia, que levou Manuel Pinho a dar aulas nos EUA após sair do governo, terá sido combinado com António Mexia quando Pinho ainda era ministro. Esta conclusão do relatório pode ser relevante para a investigação do Ministério Público.

Interruptibilidade: consumidores pagaram 727 milhões por um serviço nunca usado

Algumas unidades industriais e de comércio foram remuneradas durante anos pela sua disponibilidade para reduzir o consumo por ordem do operador do transporte de energia. Uma decisão do governo em 2010 fez aumentar as adesões e os custos deste serviço, que nunca foi necessário ativar.

Titularização da dívida tarifária: como a EDP ganhou centenas de milhões sem produzir

Em 2006, Manuel Pinho optou por manter as rendas elétricas e, para limitar o aumento do preço da eletricidade, criou o famoso défice tarifário. Esse défice - a parte dos custos não cobrada - foi preenchido com dinheiro da EDP, que passou a receber juros definidos pelo governo e pagos pelos consumidores na fatura. Partes dessa dívida foram vendidas no mercado financeiro com ganhos para a EDP. Como a lei não obrigava a devolver a diferença, esta dívida passou a ser um negócio milionário para a EDP.

Central de Sines: Estado prorrogou licença à EDP sem prazo nem contrapartidas

A passagem dos contratos CAE para os CMEC, abriu a porta à extensão da licença de produção na central de Sines para além de 2017, sem qualquer compensação para o Sistema Elétrico Nacional. A Comissão de Inquérito ouviu os protagonistas da decisão.