Mário Ferreira investigado por fuga a impostos em offshores e criticado por ligações políticas

08 de julho 2022 - 16:56

Depois da investigação da Procuradoria Europeia sobre a atribuição de fundos europeus, o acionista da Media Capital é acusado de fraude fiscal na venda de um barco com recurso a offshores. Ana Gomes e Mariana Mortágua põem em causa as ligações ao primeiro-ministro e ao vice-presidente de Angola.

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Mário Ferreira, António Costa e Rani Raad, presidente da CNN Comercial mundial, na inauguração da CNN Portugal. Foto de António Pedro Santos/Lusa.
Mário Ferreira, António Costa e Rani Raad, presidente da CNN Comercial mundial, na inauguração da CNN Portugal. Foto de António Pedro Santos/Lusa.

Mário Ferreira passou esta semana a ser investigado por dois casos. A Procuradoria Europeia investiga suspeitas sobre a atribuição de fundos europeus ao empresário, enquanto o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) investiga os eventuais crimes de branqueamento de capitais e fraude fiscal no negócio do navio “Atlântida”.

Na passada quarta-feira, o DCIAP fez buscas a vários escritórios no Porto, Funchal e Malta devido a esta venda. O processo terá surgido a partir da revelação dos Malta Files sobre offshores. Através daqueles documentos ficou-se a saber que o agora acionista e presidente do conselho de administração da Media Capital terá criado duas “empresas” em Malta a 19 de novembro de 2014, a International Trade Winds Holding, Ltd e uma subsidiária detida a 100% por esta, chamada International Trade Winds, Ltd. Segundo o Ministério Público, farão parte de um esquema de retenção de lucros para não pagar impostos.

A Mystic Cruises, empresa de Mário Ferreira registada no offshore da Madeira, tinha comprado o Atlântida em setembro de 2014 aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo por 8,75 milhões de euros. Em março do ano seguinte, vendeu o barco à ITW por 11,5 milhões, ou seja o empresário transacionou o barco consigo próprio. Pouco depois, acontece a venda à Hurtigruten, empresa norueguesa de cruzeiros, por 17 milhões, valor a que somam 320 mil euros registados como serviços.

Com este esquema, o empresário terá declarado em Portugal menos lucros do que aqueles que acabou por obter, pagando desta forma menos impostos. A Autoridade Tributária, em nota emitida na quinta-feira, esclarece que “os factos sob investigação, que motivaram a instauração do processo em causa, reportam-se aos anos de 2014 a 2016 e consubstanciam-se numa transação efetuada com recurso a outra jurisdição, de modo a diminuir os lucros tributáveis em Portugal”. Ou seja, o esquema “terá visado, essencialmente, reduzir os montantes a pagar, em sede de IRC, bem como camuflar uma eventual distribuição dos lucros obtidos”.

A criação de duas offshores é necessária para que o IRC pago em Malta seja efetivamente reduzido a 5% e não seja pago imposto sobre isso em Portugal, como explica o Expresso. O fisco daquele país cobrou 1,4 milhões de impostos à ITW mas devolveu 1,2 milhões à empresa-mãe, a ITWH. Uma foi fechada em agosto de 2019, a outra em janeiro de 2020.

Ligações políticas?

O empresário antecipou-se ao Ministério Público e pediu para ser constituído arguido, queixando-se de atentado à sua honra e de “tentativa de linchamento público”.

Ao mesmo tempo, está a ser visado pela proximidade política com o chefe do governo. Segundo o Correio da Manhã, Ana Gomes escreveu uma carta ao Banco Central Europeu e à Comissão Europeia onde denuncia as ligações de Mário Ferreira a pessoas com “capacidade de influência ao mais alto nível político”.

A ex-eurodeputada e candidata presidencial nomeia Diogo Lacerda Machado, que é amigo de António Costa, foi “intermediário” na compra de ações da Media Capital e é administrador de empresas do grupo de Mário Ferreira; o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, que foi administrador da Martifer, de que aquele também é acionista; e Manuel Alves Monteiro, também administrador de empresas de Mário Ferreira.

Ana Gomes pede investigações porque “não pode, assim, excluir-se que seja por movimentação de influências que o empresário Mário Ferreira logra obter mais substanciais financiamentos europeus para a sua Pluris Investments Holdings, como os agora aprovados pelo BPF.”

Também Mariana Mortágua tinha levantado já a questão da forma como o dinheiro público é gasto. Ao Expresso, declara sobre o facto de Mário Ferreira ser o maior beneficiário dos apoios do Banco de Fomento conhecidos esta semana: “Tudo isto é polvilhado por relações de proximidade com o Governo, em que a presença de Lacerda Machado tem algum significado. Falamos de pessoas com poder económico e com acesso a redes de conhecimentos importantes. Só por si, nenhuma destas informações seria importante, todas juntas tornam-se muito preocupantes”.

A deputada considerou também que “se se verificar que aquilo que está à vista é tudo o que existe, é pouco para justificar a manutenção do apoio” e questiona porque é que o dinheiro é atribuído à “holding de topo” quando supostamente será atribuído “à holding turística” do grupo.

Na SIC Notícias, já tinha antes recordado como, depois de controlar a Media Capital, Mário Ferreira tinha nomeado para CEO da TVI Manuel Alves Monteiro, que terá “imensas ligações a Manuel Vicente, presidente da Sonangol, vice-presidente de Angola”.

Nessa ocasião tinha também falado das empresas offshores, afirmando que “deveria ser uma incompatibilidade à partida” uma empresa que acede a fundos públicos escapar assim ao pagamento de impostos.