Jeffrey Epstein, agente dos interesses israelitas: o que revelam os documentos divulgados

19 de novembro 2025 - 15:37

Milhares de emails, documentos financeiros e comunicações exibidas nas investigações do Congresso dos EUA revelam a parceria estreita do falecido criminoso sexual com o ex-primeiro-ministro israelita Ehud Barak. Ligações entre ambos estendem-se dos negócios à diplomacia paralela.

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Jeffrey Epstein e Ehud Barak
Jeffrey Epstein e Ehud Barak. Em fundo, o prédio em Manhattan onde Barak e Yoni Cohen usavam apartamentos de Epstein.

Documentos divulgados ao longo dos últimos meses, incluindo milhares de emails atribuídos ao antigo primeiro-ministro e ministro da Defesa israelita Ehud Barak, bem como documentos financeiros e comunicações reveladas em investigações do Congresso dos EUA, revelam que Jeffrey Epstein operou durante anos como intermediário privilegiado entre figuras-chave da elite israelita, bancos ocidentais e governos estrangeiros. As ligações, negadas por vários dos envolvidos, mostram um padrão consistente de interesses em tecnologias de vigilância, fundos de investimento e canais diplomáticos paralelos. Novos documentos, incluindo milhares de emails atribuídos a Ehud Barak e documentos que resultam da investigação de órgãos de comunicação social independentes e do Congresso dos EUA, mostram uma realidade mais complexa do que a imagem publicamente conhecida de Jeffrey Epstein. 

Uma rede de acessos improváveis

Para além dos seus crimes sexuais, o multimilionário posicionou-se durante anos como ponte entre figuras centrais da elite israelita, executivos financeiros internacionais e decisores políticos estrangeiros. As ligações agora reveladas apontam para a existência de uma teia de interesses centrada em tecnologias de vigilância, fundos de investimento obscuros e canais de diplomacia paralela.

EUA

Os e-mails de Epstein podem vir a afundar Donald Trump

por

Chris Lehmann

13 de novembro 2025

Epstein foi frequentemente apresentado como consultor financeiro de elite, mas os documentos hoje disponíveis revelam um papel distinto: atuava como facilitador estratégico com a capacidade de aproximar banqueiros, empresários do setor da defesa, membros de serviços de informação e governantes. A revelação de milhares de emails de Ehud Barak, antigo primeiro-ministro e ministro da Defesa de Israel, tornou visível a amplitude das suas intermediações. Cruzando essa correspondência com registos de voos, atividades logísticas e agendas, emerge uma narrativa consistente: Epstein apresentava-se como operador ao serviço de interesses israelitas e de vários dos seus aliados.

O prédio de Manhattan como centro discreto de operações israelitas

Um dos aspetos mais significativos revelados pela investigação da Drop Site News é a presença prolongada de Yoni Koren num dos apartamentos do prédio de Epstein em Manhattan. Koren, veterano da Mossad e antigo assessor estratégico de Ehud Barak, terá passado ali várias semanas entre 2013 e 2015, com entradas e saídas quase diárias documentadas pelo sistema de segurança do edifício. Estes períodos coincidem com as fases em que Barak discutia com Epstein projetos ligados a vigilância digital e operações de cibersegurança. E o próprio Barak ali se deslocou várias vezes, contaram vizinhos ao Business Insider.

Relatórios internos do condomínio do 301 East 66th Street - prédio adquirido por Mark Epstein ao bilionário Leslie Wexner, o único cliente conhecido do seu irmão Jeffrey, e onde viveram modelos menores de idade, várias namoradas, advogados e figuras do círculo social de Epstein - registam entregas frequentes de encomendas, incluindo caixas descritas como equipamento eletrónico sensível, chegadas de viaturas ligadas às empresas de Epstein e visitas de indivíduos não identificados. A movimentação sugere uma atividade organizada e contínua, longe da ideia de simples visitas sociais. Em comunicações escritas agora públicas, Epstein informa Barak de que o apartamento se encontra preparado para receber o seu homem, uma expressão interpretada pelos investigadores como uma referência explícita a Koren.

Yoni Koren desempenhou durante anos funções de ligação entre o Ministério da Defesa israelita e unidades tecnológicas das Forças Armadas, sendo descrito como alguém habituado a trabalhar com informação altamente sensível. Especialistas citados pela imprensa sublinham que é invulgar que um ex-operacional deste perfil utilize de forma reiterada um imóvel pertencente a uma figura envolvida em escândalos e sujeita a escrutínio intenso. A utilização sistemática daquele espaço aproxima-se mais do funcionamento de uma base temporária de operações do que de um ponto de encontro ocasional.

A análise global dos documentos revela que o apartamento de Epstein funcionou como um ponto de apoio logístico para projetos envolvendo Barak, empresas tecnológicas israelitas e consultores externos. A frequência das estadias de Koren, a coordenação com o staff doméstico e a presença de “tecnólogos israelitas” durante algumas visitas reforçam a interpretação de que aquele espaço desempenhou um papel estratégico na engrenagem operacional que ligava Epstein à elite de segurança de Israel.

O triângulo Epstein, Barak e Ariane de Rothschild

Outra seção crucial dos emails divulgados diz respeito às trocas de mensagens entre Ariane de Rothschild, Ehud Barak e Jeffrey Epstein. A então responsável do Edmond de Rothschild Group aparece nos documentos como peça de ligação entre o capital financeiro europeu e projetos tecnológicos israelitas de fronteira. Entre 2013 e 2015, os três discutiram a criação de um fundo de investimento destinado a áreas sensíveis como biotecnologia avançada, telecomunicações estratégicas e, em particular, capacidades de ciber-ofensiva.

A correspondência revela um grau significativo de informalidade e proximidade operacional. Num email, Ariane escreve a Epstein que se Barak quisesse ganhar dinheiro a sério teria de construir uma relação direta com ela. Esta frase evidencia o papel central de Epstein como mediador, atribuindo-lhe a função de garantir confiança mútua entre os intervenientes. Barak surge, posteriormente, a pedir conselhos ao multimilionário sobre como estruturar a relação, que passos dar e que tipo de apresentação preparar.

Os documentos fazem referências repetidas a ex-membros da Unidade 81, o núcleo tecnológico das Forças Armadas israelitas responsável pelo desenvolvimento de dispositivos de espionagem, meios de intrusão e sistemas de vigilância remota. Em várias mensagens, Epstein sugere nomes de empresas emergentes, encaminha apresentações e propõe modelos de investimento destinados a atrair capital europeu e do Médio Oriente. Surgem igualmente descritas tentativas de organizar reuniões discretas em Nova Iorque e Genebra, em alguns casos envolvendo executivos ligados ao Edmond de Rothschild Group.

Apesar de as instituições envolvidas negarem ter concretizado o fundo, o volume de planeamento registado demonstra que Epstein atuou como mediador decisivo entre o capital financeiro e o ecossistema tecnológico militar israelita, abrindo portas e gerindo sensibilidades de forma ativa. A ausência de confirmação oficial contrasta com a densidade das comunicações e com a intenção clara de criar um instrumento financeiro capaz de sustentar empresas dedicadas ao desenvolvimento de capacidades digitais ofensivas.

Jeffrey Epstein (à esquerda) vestindo uma sweatshirt das forças de defesa israelitas, com o seu então mordomo, Valdson Vieira Cotrin (à direita) (Crédito: The Telegraph)
Jeffrey Epstein (à esquerda) vestindo uma sweatshirt das forças de defesa israelitas, com o seu então mordomo, Valdson Vieira Cotrin (à direita) (Crédito: The Telegraph)

A Costa do Marfim e a exportação de vigilância estatal

Entre os projetos mais extensos discutidos nos emails está a proposta de criar um sistema integrado de vigilância na Costa do Marfim. O plano, detalhado em trocas frequentes entre Epstein, Barak e consultores israelitas, assentava na instalação de capacidades SIGINT capazes de monitorizar comunicações telefónicas, tráfego de internet e redes governamentais. O projeto incluiria formação de equipas locais, consultoria operacional e a criação de um centro de comando interoperável com tecnologias de origem israelita.

A investigação descreve Epstein como responsável pela construção de canais informais com figuras políticas costamarfinenses. Surgem mensagens em que organiza reuniões, prepara memorandos estratégicos e envia documentos a decisores africanos explicando a utilidade geopolítica de um sistema nacional de vigilância. Barak desempenha um papel duplo: promotor tecnológico e figura política de credibilização, articulando contactos com antigos responsáveis militares e executivos de empresas especializadas em interceção e monitorização.

O plano fazia-se acompanhar de uma narrativa pública especializada em segurança nacional e combate ao terrorismo, mas fontes citadas alertam que, em contextos de fragilidade institucional, tais sistemas tendem a ser utilizados para fins políticos internos. A possibilidade de vigilância de opositores, jornalistas e ativistas surge como risco recorrente apontado pelos analistas.

Os emails descrevem ainda viagens de Barak a Abidjan para apresentar projetos de saúde pública e iniciativas hospitalares. Estes programas, segundo o Drop Site News, serviriam para instalar confiança política e facilitar conversas sobre o pacote de segurança. Em paralelo, Epstein mantinha contacto com assessores da presidência costamarfinense, promovendo Israel como parceiro tecnológico regional.

Apesar da ausência de confirmação de implementação total, o dossier traz luz para o tipo de operações que Epstein e Barak procuravam intermediar: soluções completas de vigilância estatal negociadas fora dos canais diplomáticos tradicionais, envolvendo actores privados, ex-membros de serviços secretos e empresas militares.

Moscovo, Síria e um canal irregular de diplomacia

Outro conjunto de emails revela contactos entre Barak, Epstein e figuras ligadas ao Kremlin. As conversas provam que Epstein encorajava Barak a informar o círculo próximo de Vladimir Putin das suas visitas a Moscovo e a explorar encontros privados durante essas deslocações. O objetivo central seria discutir cenários para o conflito sírio, incluindo a possibilidade de uma saída negociada de Bashar al-Assad.

Num email enviado em fevereiro de 2014, Epstein comenta a instabilidade internacional e pergunta se aquele contexto não seria particularmente propício para Barak. A resposta do ex-primeiro-ministro mostra a interseção entre preocupações políticas e interesses privados, admitindo que a situação criava oportunidades, mas não era simples convertê-las em resultados financeiros. Esta troca sugere que o projeto político e os interesses económicos se encontravam interligados.

O plano que ambos preparavam incluía a elaboração de propostas destinadas a interlocutores russos. Numa série de rascunhos orientados por Epstein, Barak defendia que Moscovo poderia impor uma solução pragmática para a Síria, garantindo a estabilidade regional e preservando as bases militares russas. Simultaneamente, propunha a publicação de artigos de opinião em órgãos de comunicação internacionais para moldar o enquadramento diplomático e pressionar Washington e o Kremlin a considerar uma iniciativa conjunta.

Os emails revelam também contactos com Viktor Vekselberg, oligarca com ligações próximas ao Kremlin, e conselhos dados por Epstein sobre como gerir negociações com empresários russos. A influência do multimilionário norteamericano apresentava-se assim num duplo plano: intermediação política e facilitação de negócios.

Embora não haja evidências de que este canal tenha produzido resultados concretos, especialistas entrevistados sublinham a relevância política do episódio. O envolvimento direto de Epstein em assuntos de alta sensibilidade diplomática expõe a existência de vias paralelas capazes de contornar mecanismos estatais formais e envolver atores privados sem mandato democrático.

Uma arquitetura invisível de poder

A análise conjunta dos documentos revelam que Epstein não era apenas um consultor financeiro de elites internacionais, mas antes uma figura com acesso privilegiado a decisores e estruturas de segurança. As suas ligações com Ehud Barak e com elementos centrais da elite israelita configuram uma rede que operava em circuitos discretos, onde projetos de vigilância, investimentos em tecnologias militares e iniciativas diplomáticas informais se cruzavam com a sua atividade pessoal e financeira.

As investigações agora divulgadas acrescentam profundidade a um caso habitualmente enquadrado apenas pelos seus crimes sexuais. Mostram um lobista com grande influência que, movendo-se entre Nova Iorque, Telavive, Genebra e Moscovo, construiu uma teia internacional de contactos com capacidade de interferir em processos políticos e tecnológicos de grande impacto. O conjunto de emails e documentos não apenas ilumina os bastidores das suas operações, como ajuda a compreender a forma como redes privadas podem atuar paralelamente às estruturas oficiais dos Estados, influenciando políticas, negócios e decisões estratégicas.