Documentos divulgados ao longo dos últimos meses, incluindo milhares de emails atribuídos ao antigo primeiro-ministro e ministro da Defesa israelita Ehud Barak, bem como documentos financeiros e comunicações reveladas em investigações do Congresso dos EUA, revelam que Jeffrey Epstein operou durante anos como intermediário privilegiado entre figuras-chave da elite israelita, bancos ocidentais e governos estrangeiros. As ligações, negadas por vários dos envolvidos, mostram um padrão consistente de interesses em tecnologias de vigilância, fundos de investimento e canais diplomáticos paralelos. Novos documentos, incluindo milhares de emails atribuídos a Ehud Barak e documentos que resultam da investigação de órgãos de comunicação social independentes e do Congresso dos EUA, mostram uma realidade mais complexa do que a imagem publicamente conhecida de Jeffrey Epstein.
Uma rede de acessos improváveis
Para além dos seus crimes sexuais, o multimilionário posicionou-se durante anos como ponte entre figuras centrais da elite israelita, executivos financeiros internacionais e decisores políticos estrangeiros. As ligações agora reveladas apontam para a existência de uma teia de interesses centrada em tecnologias de vigilância, fundos de investimento obscuros e canais de diplomacia paralela.
Epstein foi frequentemente apresentado como consultor financeiro de elite, mas os documentos hoje disponíveis revelam um papel distinto: atuava como facilitador estratégico com a capacidade de aproximar banqueiros, empresários do setor da defesa, membros de serviços de informação e governantes. A revelação de milhares de emails de Ehud Barak, antigo primeiro-ministro e ministro da Defesa de Israel, tornou visível a amplitude das suas intermediações. Cruzando essa correspondência com registos de voos, atividades logísticas e agendas, emerge uma narrativa consistente: Epstein apresentava-se como operador ao serviço de interesses israelitas e de vários dos seus aliados.
O prédio de Manhattan como centro discreto de operações israelitas
Um dos aspetos mais significativos revelados pela investigação da Drop Site News é a presença prolongada de Yoni Koren num dos apartamentos do prédio de Epstein em Manhattan. Koren, veterano da Mossad e antigo assessor estratégico de Ehud Barak, terá passado ali várias semanas entre 2013 e 2015, com entradas e saídas quase diárias documentadas pelo sistema de segurança do edifício. Estes períodos coincidem com as fases em que Barak discutia com Epstein projetos ligados a vigilância digital e operações de cibersegurança. E o próprio Barak ali se deslocou várias vezes, contaram vizinhos ao Business Insider.
Relatórios internos do condomínio do 301 East 66th Street - prédio adquirido por Mark Epstein ao bilionário Leslie Wexner, o único cliente conhecido do seu irmão Jeffrey, e onde viveram modelos menores de idade, várias namoradas, advogados e figuras do círculo social de Epstein - registam entregas frequentes de encomendas, incluindo caixas descritas como equipamento eletrónico sensível, chegadas de viaturas ligadas às empresas de Epstein e visitas de indivíduos não identificados. A movimentação sugere uma atividade organizada e contínua, longe da ideia de simples visitas sociais. Em comunicações escritas agora públicas, Epstein informa Barak de que o apartamento se encontra preparado para receber o seu homem, uma expressão interpretada pelos investigadores como uma referência explícita a Koren.
Yoni Koren desempenhou durante anos funções de ligação entre o Ministério da Defesa israelita e unidades tecnológicas das Forças Armadas, sendo descrito como alguém habituado a trabalhar com informação altamente sensível. Especialistas citados pela imprensa sublinham que é invulgar que um ex-operacional deste perfil utilize de forma reiterada um imóvel pertencente a uma figura envolvida em escândalos e sujeita a escrutínio intenso. A utilização sistemática daquele espaço aproxima-se mais do funcionamento de uma base temporária de operações do que de um ponto de encontro ocasional.
A análise global dos documentos revela que o apartamento de Epstein funcionou como um ponto de apoio logístico para projetos envolvendo Barak, empresas tecnológicas israelitas e consultores externos. A frequência das estadias de Koren, a coordenação com o staff doméstico e a presença de “tecnólogos israelitas” durante algumas visitas reforçam a interpretação de que aquele espaço desempenhou um papel estratégico na engrenagem operacional que ligava Epstein à elite de segurança de Israel.
O triângulo Epstein, Barak e Ariane de Rothschild
Outra seção crucial dos emails divulgados diz respeito às trocas de mensagens entre Ariane de Rothschild, Ehud Barak e Jeffrey Epstein. A então responsável do Edmond de Rothschild Group aparece nos documentos como peça de ligação entre o capital financeiro europeu e projetos tecnológicos israelitas de fronteira. Entre 2013 e 2015, os três discutiram a criação de um fundo de investimento destinado a áreas sensíveis como biotecnologia avançada, telecomunicações estratégicas e, em particular, capacidades de ciber-ofensiva.
A correspondência revela um grau significativo de informalidade e proximidade operacional. Num email, Ariane escreve a Epstein que se Barak quisesse ganhar dinheiro a sério teria de construir uma relação direta com ela. Esta frase evidencia o papel central de Epstein como mediador, atribuindo-lhe a função de garantir confiança mútua entre os intervenientes. Barak surge, posteriormente, a pedir conselhos ao multimilionário sobre como estruturar a relação, que passos dar e que tipo de apresentação preparar.
Os documentos fazem referências repetidas a ex-membros da Unidade 81, o núcleo tecnológico das Forças Armadas israelitas responsável pelo desenvolvimento de dispositivos de espionagem, meios de intrusão e sistemas de vigilância remota. Em várias mensagens, Epstein sugere nomes de empresas emergentes, encaminha apresentações e propõe modelos de investimento destinados a atrair capital europeu e do Médio Oriente. Surgem igualmente descritas tentativas de organizar reuniões discretas em Nova Iorque e Genebra, em alguns casos envolvendo executivos ligados ao Edmond de Rothschild Group.
Apesar de as instituições envolvidas negarem ter concretizado o fundo, o volume de planeamento registado demonstra que Epstein atuou como mediador decisivo entre o capital financeiro e o ecossistema tecnológico militar israelita, abrindo portas e gerindo sensibilidades de forma ativa. A ausência de confirmação oficial contrasta com a densidade das comunicações e com a intenção clara de criar um instrumento financeiro capaz de sustentar empresas dedicadas ao desenvolvimento de capacidades digitais ofensivas.
A Costa do Marfim e a exportação de vigilância estatal
Entre os projetos mais extensos discutidos nos emails está a proposta de criar um sistema integrado de vigilância na Costa do Marfim. O plano, detalhado em trocas frequentes entre Epstein, Barak e consultores israelitas, assentava na instalação de capacidades SIGINT capazes de monitorizar comunicações telefónicas, tráfego de internet e redes governamentais. O projeto incluiria formação de equipas locais, consultoria operacional e a criação de um centro de comando interoperável com tecnologias de origem israelita.
A investigação descreve Epstein como responsável pela construção de canais informais com figuras políticas costamarfinenses. Surgem mensagens em que organiza reuniões, prepara memorandos estratégicos e envia documentos a decisores africanos explicando a utilidade geopolítica de um sistema nacional de vigilância. Barak desempenha um papel duplo: promotor tecnológico e figura política de credibilização, articulando contactos com antigos responsáveis militares e executivos de empresas especializadas em interceção e monitorização.
O plano fazia-se acompanhar de uma narrativa pública especializada em segurança nacional e combate ao terrorismo, mas fontes citadas alertam que, em contextos de fragilidade institucional, tais sistemas tendem a ser utilizados para fins políticos internos. A possibilidade de vigilância de opositores, jornalistas e ativistas surge como risco recorrente apontado pelos analistas.
Os emails descrevem ainda viagens de Barak a Abidjan para apresentar projetos de saúde pública e iniciativas hospitalares. Estes programas, segundo o Drop Site News, serviriam para instalar confiança política e facilitar conversas sobre o pacote de segurança. Em paralelo, Epstein mantinha contacto com assessores da presidência costamarfinense, promovendo Israel como parceiro tecnológico regional.
Apesar da ausência de confirmação de implementação total, o dossier traz luz para o tipo de operações que Epstein e Barak procuravam intermediar: soluções completas de vigilância estatal negociadas fora dos canais diplomáticos tradicionais, envolvendo actores privados, ex-membros de serviços secretos e empresas militares.
Moscovo, Síria e um canal irregular de diplomacia
Outro conjunto de emails revela contactos entre Barak, Epstein e figuras ligadas ao Kremlin. As conversas provam que Epstein encorajava Barak a informar o círculo próximo de Vladimir Putin das suas visitas a Moscovo e a explorar encontros privados durante essas deslocações. O objetivo central seria discutir cenários para o conflito sírio, incluindo a possibilidade de uma saída negociada de Bashar al-Assad.
Num email enviado em fevereiro de 2014, Epstein comenta a instabilidade internacional e pergunta se aquele contexto não seria particularmente propício para Barak. A resposta do ex-primeiro-ministro mostra a interseção entre preocupações políticas e interesses privados, admitindo que a situação criava oportunidades, mas não era simples convertê-las em resultados financeiros. Esta troca sugere que o projeto político e os interesses económicos se encontravam interligados.
O plano que ambos preparavam incluía a elaboração de propostas destinadas a interlocutores russos. Numa série de rascunhos orientados por Epstein, Barak defendia que Moscovo poderia impor uma solução pragmática para a Síria, garantindo a estabilidade regional e preservando as bases militares russas. Simultaneamente, propunha a publicação de artigos de opinião em órgãos de comunicação internacionais para moldar o enquadramento diplomático e pressionar Washington e o Kremlin a considerar uma iniciativa conjunta.
Os emails revelam também contactos com Viktor Vekselberg, oligarca com ligações próximas ao Kremlin, e conselhos dados por Epstein sobre como gerir negociações com empresários russos. A influência do multimilionário norteamericano apresentava-se assim num duplo plano: intermediação política e facilitação de negócios.
Embora não haja evidências de que este canal tenha produzido resultados concretos, especialistas entrevistados sublinham a relevância política do episódio. O envolvimento direto de Epstein em assuntos de alta sensibilidade diplomática expõe a existência de vias paralelas capazes de contornar mecanismos estatais formais e envolver atores privados sem mandato democrático.
Uma arquitetura invisível de poder
A análise conjunta dos documentos revelam que Epstein não era apenas um consultor financeiro de elites internacionais, mas antes uma figura com acesso privilegiado a decisores e estruturas de segurança. As suas ligações com Ehud Barak e com elementos centrais da elite israelita configuram uma rede que operava em circuitos discretos, onde projetos de vigilância, investimentos em tecnologias militares e iniciativas diplomáticas informais se cruzavam com a sua atividade pessoal e financeira.
As investigações agora divulgadas acrescentam profundidade a um caso habitualmente enquadrado apenas pelos seus crimes sexuais. Mostram um lobista com grande influência que, movendo-se entre Nova Iorque, Telavive, Genebra e Moscovo, construiu uma teia internacional de contactos com capacidade de interferir em processos políticos e tecnológicos de grande impacto. O conjunto de emails e documentos não apenas ilumina os bastidores das suas operações, como ajuda a compreender a forma como redes privadas podem atuar paralelamente às estruturas oficiais dos Estados, influenciando políticas, negócios e decisões estratégicas.