Até ao fim de 2012, o Estado contabilizou perdas de 3,4 mil milhões de euros com o BPN, mas ainda está longe de saber qual será a fatura final a suportar pelos contribuintes. Dos mais de 4,2 mil milhões de créditos do banco colocados numa das sociedades criadas pelo Estado, boa parte são incobráveis, já que os devedores não apresentaram garantias nem possuem bens registados em seu nome. A sociedade é a Parvalorem e para a dirigir Passos Coelho nomeou Francisco Nogueira Leite, seu antigo companheiro na JSD e na administração da Tecnoforma, a empresa de Passos entretanto falida após receber milhões em fundos distribuídos por Miguel Relvas, ainda no tempo do Governo Barroso/Portas.
Entre os maiores devedores do BPN estão figuras ligadas ao PSD como o próprio Oliveira e Costa, Duarte Lima, Joaquim Coimbra, Cardoso e Cunha ou Arlindo de Carvalho, empresários da construção e imobiliário como Aprígio Santos, Emídio Catum e Fernando Fantasia. Mas a quantidade de empresas offshore criadas pela SLN/BPN, sem que se conheça a identidade dos beneficiários, concentram uma parte substancial da dívida.
Passados cinco anos desde o rebentamento do escândalo do BPN, o Ministério Público apenas concluiu quatro dos dezoito inquéritos, acusando 35 pessoas. A última acusação saiu este mês e envolve o ex-ministro da Saúde Arlindo de Carvalho, por causa de financiamento a negócios imobiliários. Mas o diário Público ouviu a estranheza de duas fontes da PJ, ao relatarem que essa investigação e proposta de acusação estava entregue ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) há mais de um ano.
SLN: a Sociedade Laranja de Negócios
Em 1998, Oliveira e Costa fez-se rodear na administração da Sociedade Lusa de Negócios (SLN) por figuras ligadas ao antigo poder cavaquista. O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais conhecia bem a máquina do fisco e as suas fraquezas. Chamou para cargos de responsabilidade figuras como o conselheiro de Estado o ex-ministro Dias Loureiro, que ainda hoje aconselha o Governo de Passos Coelho, e o seu secretário de Estado Daniel Sanches. Também Rui Machete e Fernando Aguiar Branco, pai do atual ministro da Defesa, figuraram em cargos de responsabilidade no BPN. Já na fase final do mandato de Oliveira e Costa, foi chamado à gestão da SLN Franquelim Alves, que tinha passado pelo governo Barroso/Portas e regressou este ano ao Governo laranja na remodelação dos secretários de Estado. E após descoberto o assalto ao banco pelos próprios donos, os acionistas da SLN chamaram Miguel Cadilhe, ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva, para administrar a empresa.
Todas estas figuras passaram pela comissão parlamentar de inquérito, onde o país assistiu incrédulo à falta de memória revelada pelos responsáveis da gestão ruinosa do grupo BPN/SLN. Por exemplo, Dias Loureiro disse desconhecer o fundo utilizado num negócio que protagonizou em Porto Rico e lesou o banco em 38 milhões. Aumentou em seguida a pressão da opinião pública para a sua demissão do Conselho de Estado, mas o presidente Cavaco Silva veio em sua defesa dizendo que ele lhe causava "o mesmo embaraço que qualquer outro dos outros 19 conselheiros".
O próprio Cavaco Silva foi confrontado com as suas transações financeiras com Oliveira e Costa. O líder do BPN vendeu 250 mil ações não cotadas da SLN a Cavaco Silva e à sua filha pelo valor de um euro - menos de metade do valor a que as tinha comprado a uma offshore. No julgamento do BPN, um inspetor tributário denunciou o negócio e disse "não ter explicação" para que Oliveira e Costa tenha perdido 275 mil euros neste negócio. Mais tarde, a família Cavaco Silva vendeu as ações a Oliveira e Costa, recebendo 2,4 euros por cada, ou seja, uma valorização de 147%, tornando-se nos investidores que viram o seu investimento acionista SLN mais valorizado.
As vantagens pessoais do Presidente da República resultantes da proximidade ao grupo BPN não se resumem às ações. A revista Visão revelou o negócio da compra da casa de férias de Cavaco Silva em Albufeira a Fernando Fantasia, um dos maiores devedores do banco e amigo de infância do Presidente. A mansão de três pisos e piscina situa-se na Urbanização da Coelha, onde também adquiriram casas de férias o próprio Fernando Fantasia, Oliveira e Costa e Eduardo Catroga. A empresa promotora da Urbanização da Coelha pertencia a dinamarqueses, mas acabou comprada por um assessor de Cavaco Silva em São Bento: Teófilo Carapeto Dias, que tal como Fantasia fez parte da Comissão de Honra da candidatura presidencial de Cavaco. Quando a notícia foi publicada, a escritura pública do lote de Cavaco não se encontrava na Conservatória de Albufeira, tendo vindo depois a saber-se que tinha sido assinada no escritório de Eduardo Catroga em Lisboa.
Banco de Portugal: o regulador que não viu nada
A comissão parlamentar de inquérito também permitiu apurar responsabilidades do regulador da banca. Victor Constâncio foi ao Parlamento dizer que não tinha motivos para desconfiar do BPN, já que Oliveira e Costa tinha desempenhado funções governativas e no próprio Banco de Portugal, sendo inclusive nomeado para representar o país no Banco Europeu de Investimento em 1991, após sair do Governo.
Constâncio foi criticado no Parlamento pelo que não fez, mas também pelo que fez neste processo. Por exemplo, ao aceitar integrar nas contas do BPN as operações do Banco Insular, sem que houvesse documentação conhecida a prová-lo, libertando assim os acionistas deste banco sedeado em Cabo Verde de todas as responsabilidades pelos crimes financeiros ali cometidos e aumentando o buraco do BPN a pagar pelos contribuintes.
O deputado João Semedo representou o Bloco na Comissão e votou contra o relatório proposto pela maioria socialista. Em seguida, apresentou e divulgou um relatório alternativo onde diz que "a história do BPN, sendo uma história de enganos, não é apenas uma história de enganos. É muito mais do que isso, é uma história de protecção, protecção de banqueiros e do próprio sistema. O caso BPN mostra a fragilidade das fronteiras entre o engano, o erro e a protecção e de como é fácil a supervisão se confundir com protecção".
Venda em saldos para Angola
A última parte do processo do BPN passou pela limpeza das contas do banco, transferindo o buraco para as contas públicas e colocando a instituição à venda. O negócio preparado por este Governo ao mais alto nível com o Estado angolano resultou na venda do BPN ao BIC por 40 milhões de euros. Já em março deste ano, o BIC Angola adquiriu por 30 milhões o BPN de Cabo Verde e a instituição detida por capitais angolanos e por Américo Amorim está também interessada na compra do BPN Brasil.
Antes da venda, o Governo selecionou a carteira de créditos mais rentável e de menor risco para entregar ao BIC, também liderado por um ex-ministro de Cavaco, Mira Amaral. E ofereceu cerca de mil milhões em crédito do Estado ao BIC para que este pudesse comprar o banco por apenas 40 milhões. Na investigação às ajudas públicas ao BPN, a Comissão Europeia manifestou dúvidas sobre se não teria sido mais barato ao Estado proceder à liquidação do banco.