BPP: Lucros para acionistas, buraco para os contribuintes

O Banco Privado Português foi arruinado pela má gestão dos administradores, que transferiam as perdas dos seus investimentos para as carteiras dos clientes. Um ano antes de falir, o banco pagou milhões em dividendos a acionistas como Balsemão, Saviotti e o próprio João Rendeiro, agora acusado em tribunal.

17 de março 2013 - 3:41
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O Banco Privado Português reunia as fortunas de centenas de empresários e tinha vários políticos nos seus órgãos sociais e acionistas, como o ex-primeiro-ministro Francisco Pinto Balsemão, que era também presidente do Conselho Consultivo do banco, ou o advogado José Miguel Júdice presidia à Assembleia Geral. Estavam acompanhados por figuras do PSD como João de Deus Pinheiro, António Nogueira Leite, Rui Machete ou Álvaro Barreto, mas também pelo ex-ministro socialista João Cravinho.

Quando rebentou a bolha financeira em 2008, os administradores do banco procuraram transferir as perdas dos seus investimentos para os seus clientes, a quem tinham vendido os célebres "depósitos de retorno absoluto" como se tivessem um risco semelhante a depósitos a prazo, cobertos pelo fundo de garantia que na altura atingia um teto de 100 mil euros. Na verdade, os clientes não tinham nenhuma garantia se o valor dos produtos financeiros se esfumasse, o que inevitavelmente veio a acontecer.

As investigações à gestão do BPP arrastam-se há cinco anos e apenas uma foi concluída, acusando os administradores João Rendeiro, Salvador Fezas Vital e António Paulo Guichard de burla qualificada no aumento de capital da Privado Financeiras, uma sociedade criada para comprar ações do BCP na altura da luta pelo poder na instituição. Com a queda a pique do valor das ações do BCP, o Ministério Público acusa os administradores do BPP de terem maquilhado os prejuízos da operação nas contas do "retorno absoluto".

O povo paga mais uma fraude dos banqueiros

A decisão do governo Sócrates de garantir um empréstimo dos maiores bancos portugueses para "salvar" o BPP traduziu-se na perda de 450 milhões, a que se deverá somar as indemnizações pagas aos clientes que acionaram o fundo de garantia. Todos os outros reclamam em tribunal a devolução do dinheiro colocado no BPP, incluindo os acionistas que receberam dividendos do banco enquanto este enganava os clientes. Quanto aos gestores do banco, alguns venderam boa parte das ações nos dias que antecederam o pedido de ajuda ao Banco de Portugal. 

Quase metade do empréstimo avalizado pelo Estado serviu para pagar a um banco norte-americano credor do BPP e o Tribunal de Contas criticou a ilegalidade das ajudas, denunciando terem sido pagos 48,1 milhões aos clientes do BPP Cayman, contrariando a lei em vigor. Também a Comissão Europeia declarou que a garantia do Estado dada ao BPP era ilegal e ordenou a Portugal que a recuperasse. Uma missão impossível, na medida em que todos sabiam que as garantias apresentadas não valiam sequer um terço da avaliação feita.

Nos três anos que antecederam a falência do BPP, foram distribuidos dividendos no valor de 30 milhões de euros a acionistas como Balsemão, Saviotti e Rendeiro. Os acionistas receberam metade do lucro do banco no ano anterior à descoberta da fraude. E a administração executiva viu o salário aumentado em 25,5% nesse ano de 2007. Em 2008, Rendeiro recebeu mais de 3 milhões de euros do BPP. A CMVM concluiu num inquérito em 2011 que os três administradores agora acusados terão desviado cerca de 100 milhões de euros para paraísos fiscais, através de complexos procedimentos bancários. 

A fraude cometida no BPP passou despercebida ao seu presidente do Conselho Fiscal, António Pinto Barbosa. Ironia da história: no início de 2011 foi indicado pelo PSD e aceite pela maioria PS para encabeçar o grupo de trabalho para definir os critérios de fiscalização das contas públicas. Quanto a João Rendeiro, que caiu em desgraça a seguir a lançar em livro a sua biografia, intitulada "Testemunho de um banqueiro: a história de quem venceu nos mercados", continua a gerir fortunas e investimentos por conta própria, enquanto espera o desfecho do processo judicial que o envolve.

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