Está aqui
Portucale, submarinos e financiamento partidário

O fim do Governo de Santana Lopes trouxe uma inédita produtividade dos governantes do CDS, que passaram as últimas madrugadas do mandato a assinarem centenas de despachos. Soube-se mais tarde que os ministros Paulo Portas, Nobre Guedes e Telmo Correia também deram ordem para fotocopiar o arquivo da sua passagem pelo Governo. Quando a polícia deu pela falta de um dossiê com documentação relativa aos concursos que antecederam os contratos de compra dos submarinos, não achou normal pedir explicações a Portas, alegando o DCIAP que as suspeitas sobre o atual Ministro dos Negócios Estrangeiros ficaram atenuadas por ter sido imitado pelos seus colegas de Governo no uso intensivo das fotocopiadoras dos Ministérios.
O caso que chegou a julgamento foi o Portucale, nome do empreendimento turístico do Grupo Espírito Santo em Benavente. As suspeitas da justiça envolviam o ex-tesoureiro do CDS-PP Abel Pinheiro, que segundo a acusação usou a sua influência para conseguir a autorização do governo PSD/CDS-PP para o abate de 2500 sobreiros, essencial para viabilizar o investimento do Grupo Espírito Santo (GES) na herdade da Vagem Fresca, em Benavente. O despacho que permitiu o abate foi assinado quatro dias antes das eleições legislativas que viriam a dar a vitória ao PS, pelos ministros Costa Neves (PSD), Nobre Guedes e Telmo Correia (CDS). E apontava o depósito de um milhão de euros nos últimos dias de 2004, dois meses antes do despacho dar luz verde às pretensões do Grupo Espírito Santo, como provável contrapartida pela decisão dos ministros. O facto dos recibos justificativos desse "donativo" terem sido impressos em 2005 e terem identidades fictícias dos doadores, acrescentou ao rol de acusados alguns funcionários do CDS acusados de falsificação de documentos. Um deles, João Carvalho, foi nomeado no ano passado para trabalhar no gabinete de Paulo Portas no MNE.
Para além de Abel Pinheiro, os acusados pela justiça foram Carlos Calvário, José Manuel de Sousa e Luís Horta e Costa (estes três ligados ao Grupo Espírito Santo), António de Sousa Macedo (ex-diretor geral das Florestas), Manuel Rebelo (ex-membro da Direção Geral das Florestas), António Ferreira Gonçalves (ex-chefe do Núcleo Florestal do Ribatejo), João Carvalho, Teresa Godinho, Eunice Tinta e José António Valadas (funcionários do CDS).
Durante o processo Portucale também foi ouvido Miguel Relvas, que era secretário-geral do PSD na altura dos factos. Relvas admitiu ter feito contactos com governantes para interceder a favor de dois negócios que envolviam o BES, um relativo às concessões de auto-estradas e outro sobre a suspensão do PDM de Gaia. Relvas foi apanhado nas escutas em conversa com Abel Pinheiro sobre a necessidade de acelerar aqueles processos numa altura em que o Governo estava em gestão. Era "uma fase em que tudo estava desmembrado e era tudo muito complicado", disse Miguel Relvas, sublinhando que fez sempre tudo em nome do interesse público.
Abel Pinheiro nunca escondeu ter feito os contactos que beneficiaram o Grupo Espírito Santo e disse em tribunal que “voltaria a fazer tudo outra vez”. "O pedido de cunhas é uma idiossincrasia da sociedade portuguesa, seja à nossa Senhora de Fátima, seja a quem for que possa influenciar", justificou o ex-tesoureiro do CDS numa das sessões do julgamento. Em 2012, sete anos depois de ocorridos os factos, a justiça decidiu absolver todos os arguidos, tendo o Ministério Público recorrido da decisão.
Submarinos: suspeitas em Portugal, condenações na Alemanha e Grécia
Apoiada nas escutas aos intervenientes no negócio Portucale, a investigação deu origem a outras sobre o processo de compra e das contrapartidas pela compra dos submarinos à empresa alemã Ferrostaal. A linha de investigação defendeu que os representantes do Estado português beneficiaram os alemães e obtiveram cerca de 30 milhões de euros em luvas, pagas através de uma conta na Suíça à Escom (empresa então detida pelo Grupo Espírito Santo), para além de 1,7 milhões pagos a Rogério d'Oliveira, ex-consultor da MAN Ferrostaal, a empresa que vendeu os submarinos e que também usou os serviços da Escom. O rasto completo deste dinheiro nunca foi encontrado pelas autoridades.
A investigação sobre corrupção e tráfico de influências na venda dos submarinos em Portugal nem chegou a julgamento, mas na Alemanha e na Grécia já há condenados. Dois ex-gestores da Ferrostaal declaram-se culpados do pagamento de luvas a portugueses e gregos em troca de uma condenação não superior a dois anos e com penas suspensas. Johann-Friedrich Haun foi condenado a pagar uma coima de 36 mil euros e Hans-Peter Muehlenbeck pagará 18 mil euros.
O cônsul honorário de Portugal em Munique, também investigado por corrupção, relatou aos administradores da Ferrostaal os encontros que manteve com Paulo Portas, Durão Barroso e o seu assessor Mário David, mas os três envolvidos sempre negaram esses contactos. Juergen Adolff, que foi exonerado do cargo quando surgiu a acusação da justiça alemã, terá recebido 1,6 milhões de euros para convencer o Governo português, mas ninguém soube também do rasto deste dinheiro.
Ao todo, a Ferrostaal terá pago "luvas" no valor de 62 milhões de euros entre 2000 e 2003 em Portugal e na Grécia para ganhar vantagem sobre a concorrência. Akis Tsochatzpoulos, ex-ministro da Defesa grego no Governo socialista que adquiriu quatro submarinos à mesma empresa alemã, foi detido em abril de 2012 por suspeita de corrupção no negócio e acabou condenado este mês a oito anos de prisão por falsificar as declarações de impostos, ocultando a sua riqueza do fisco grego e não conseguindo justificar onde foi buscar o dinheiro para adquirir uma mansão num bairro da elite ateniense.
Adicionar novo comentário