“Para vigiar exames somos todos professores”, diz Filipa Marcos durante o plenário dos trabalhadores em frente à Escola Gil Vicente, em Lisboa. É uma contradição complicada. Os professores de Teatro são os únicos que ainda não estão integrados em carreira docente, mas têm funções de docente. No papel, no entanto, são ‘técnicos especializados’. O absurdo chega ao ponto de ouvirem dizer que “a senhora professora não é professora, é técnica”, denuncia a docente daquela escola.
O plenário dos professores de Teatro, daquela escola mas não só, foi composto por algumas dezenas de profissionais. Já é o suficiente para contradizer o então governo de António Costa, que em 2020 "afirmava que os professores de Teatro não passavam de dez em todo o território nacional".
Na altura, no contexto de uma petição dinamizada pela APROTED (associação de professores de Teatro) e pela FENPROF, discutiu-se na Assembleia da República a criação de um grupo de recrutamento para os professores de Teatro e a sua integração na carreira docente, mas as reivindicações destes profissionais não foram aceites pela maioria parlamentar.
“Houve um misto de incompetência e de falta de vontade política” explica Firmino Bernardo, fundador e representante da APROTED presente na concentração e no plenário de trabalhadores.“As artes sempre foram um bocadinho o parente pobre da educação, mas dentro das artes acho que o teatro ainda é o parente mais pobre”, lamenta.
A associação, que existe desde 2006, luta há quase vinte anos contra os problemas de precariedade dos professores de Teatro, mas também pela valorização do teatro no sistema de ensino, contra a “estigmatização” do ensino de Teatro.
“Já havia mais professores do que o Ministério admitia, mas com a criação do curso básico de Teatro entraram mais professores a dar aulas de forma precária”, explica Firmino. Oito desses professores dão aulas na Escola Gil Vicente, na Graça. Por isso, esse foi o sítio de eleição para organizar a concentração e o plenário de trabalhadores.
Filipa Marcos começou a dar aulas nesta escola em 2008, mas entretanto saltou por várias outras escolas. Com horário completo, dá aulas na Gil Vicente ininterruptamente há dois anos. “A Escola Gil Vicente tem uma expressão muito grande de professores de Teatro. Somos oito, sete com horário completo e para o ano seremos ainda mais”, explica.
Por isso, já não são uma necessidade residual nem temporária, são “uma necessidade efetiva”, mas continuam a ser reconduzidos e sem ser reconhecido na lei, no salário e nas condições de trabalho que são professores. “Nós somos técnicos especializados mas depois não somos”, diz a professora de Teatro, que admite que “não tendo grupo de recrutamento, não temos uma base legal que nos defina e que nos torne iguais”.
Está-se a gerar uma “situação ilegal” que se agravou com os cursos básicos de Teatro. Há agora muitos professores de Teatro e “uns estão a ganhar como professores, outros estão a ganhar como técnicos, mas nenhuns têm progressão na carreira garantida, nem grupo de recrutamento”.
Filipa, como outros professores, tirou um curso de formação, é uma formadora creditada e tem mestrado em Educação Artística, Mas como as carreiras dos professores de Teatro não estão reguladas, “é exatamente igual” a outra pessoa que tire uma pós-graduação ou que não tenha investido numa formação direcionada para a educação.
“Não temos direito à carreira docente”
A esse problema somam-se outros. Há 27 anos que Ana Estevens dá aulas de Teatro enquanto técnica superior e não tem progressão de carreira nenhuma. “Não temos direito à carreira docente”, lamenta. Como alguns outros professores de Teatro, Ana concorreu em 2017 aos processos de PREVPAP para a regularização dos vínculos laborais precários, o que lhe valeu que não tivesse de ser contratada de novo todos os anos, mas não integrou a carreira docente. Ficou antes como técnica especializada e só assinou contrato em 2023, continuando no mesmo escalão.
Educação
Professores deslocados manifestaram-se contra “discriminação intolerável”
“O contrato diz que devia estar na segunda posição de técnico superior, mas voltei à primeira posição porque mudaram as tabelas remuneratórias”, explica a docente de Setúbal. “É uma injustiça enorme depois de 27 anos estar a receber neste escalão, nós somos os resistentes”.
Os professores que estão reunidos em plenário não encontram razão para não terem grupo de recrutamento. Os professores de Dança e Música já o têm, e até, segundo Ana, os professores de Língua Gestual Portuguesa e Inglês de primeiro ano. “Já criaram uma série de grupos de recrutamento e no nosso caso não houve essa preocupação. Estamos a trabalhar sem direitos absolutamente nenhuns”, admite.
Durante a concentração, os professores vão entoando palavras de ordem, enquanto alunos entram e saem da escola. Alguns param um momento e perguntam: “Estão aqui professores da nossa escola?”, olham em volta e reconhecem algumas caras. Por detrás do plenário há uma faixa onde se lê: “Estamos a dar a aula mais importante das nossas vidas”, e ao ouvir o plenário seria realmente absurdo dizer “a senhora professora não é professora, é técnica”.