Eleições na Argentina

Dinheiro dos EUA será suficiente para impedir derrota de Milei?

25 de outubro 2025 - 11:13

Trump despeja dólares para evitar o derretimento da moeda argentina, nas vésperas das eleições que renovam metade dos deputados e um terço dos senadores. Média de sondagens aponta para um empate técnico entre o partido de Milei e o Peronismo.

porLuís Leiria

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Milei na Sala Oval
Milei na Sala Oval. Foto publicada nas suas redes sociais.

Na Argentina, as eleições intermédias são já este domingo, e ninguém sabe quem vai sair vencedor. A média das últimas sondagens, calculada pelo diário El País, dá um empate técnico entre o partido do Presidente Javier Milei, La Libertad Avanza, de extrema-direita, e a Força Pátria, dos peronistas.

O que está em disputa neste domingo são 127 dos 257 mandatos de deputado e um terço dos senadores (24 em 72). Apesar de renovarem uma parte minoritária do legislativo, estas eleições, que marcam a metade do mandato de Milei, poderão dar um novo impulso ao governo ou, pelo contrário, aprofundar a decadência do executivo e da corrente política que o lidera.

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O Império faz chantagem para ganhar as eleições

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Eduardo Lucita

21 de outubro 2025

Com quase dois anos de governo, Milei ainda mantém uma base eleitoral considerável, mesmo que aflorem muitos elementos de crise. Como é que isto é possível depois de dois anos do “ajuste” mais brutal de que há memória na história argentina?

A motosserra, símbolo de Milei, começou a cortar suprimindo 35% dos gastos do Estado; 35 mil funcionários públicos foram despedidos (hoje, já acumulam 50 mil); corte também das obras públicas, todas suspensas; corte, ainda, dos subsídios estatais aos setores de energia e transportes (só para dar um exemplo, o preço de um bilhete do Metro de Buenos Aires subiu 360%); a lista das proezas da motosserra inclui uma longa lista de outros cortes.

A desvalorização de 54% do peso argentino provocou de imediato perdas enormes do poder de compra de quem vive do salário ou de uma pensão: trabalhadores, funcionários públicos, reformados arcaram com a maior parte dos custos da “terapia de choque” de Milei.

O valor das reformas teve uma queda de 30%, os salários perderam 20%, houve um aumento considerável do desemprego e cerca de 10.000 pequenas e médias empresas fecharam as portas.

Ainda assim, o presidente argentino ganhou crédito entre os que o apoiaram ao conseguir baixar a inflação, uma das suas principais promessas eleitorais. Milei herdou do seu antecessor uma inflação de 211,4% no ano de 2023, a mais alta de todo o mundo naquele momento. No ano seguinte baixou para 117,8%. Em agosto de 2025, o governo comemorou o quarto mês seguido em que os preços subiram menos de 2%. Nesse mês, a inflação acumulada em 12 meses até agosto chegou a 33,6%.

Inflação a baixar e relativa estabilidade do valor do peso argentino foram as principais armas do governo para manter apoio nestes dois anos.

Resistência e crise

A resistência aos planos de Milei vem ganhando embalo nas ruas, e teve pontos altos, por exemplo, em abril deste ano, quando as marchas em defesa das universidades públicas reuniram mais de um milhão e duzentas mil pessoas em mais de 70 cidades de todo o país. Em maio, a segunda greve geral contra o governo teve um alto nível de adesão.

A mudança de ânimo, visível nestas e muitas outras lutas, teve a sua tradução institucional na pesada derrota sofrida pelo partido de Milei nas eleições provinciais de Buenos Aires, realizadas em setembro deste ano, que deram uma retumbante vitória à Força Pátria, a formação política que reúne todo o universo peronista (47,35% dos votos), e marcaram a primeira grande derrota do La Libertad Avanza (33,78%).

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Argentina: a motosserra avariou

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Michael Roberts

09 de outubro 2025

Hoje, é a crise que marca o governo Milei. No plano económico, a política de sustentar o peso argentino já deixa dúvidas em banqueiros e economistas, que consideram a atual cotação cambial artificialmente elevada e prejudicando as exportações do país. Mas no caso de a desvalorização ocorrer, é mais que previsível que a inflação volte a subir.

No terreno político, as eleições deste domingo permanecem uma incógnita. Será que as provinciais de Buenos Aires foram uma antevisão do que vai acontecer no país? Ou será que o apoio de Trump a Milei servirá para galvanizar setores e eleitores da extrema-direita desgastados com estes dois anos de governo?

Finalmente, que repercussão vão ter os sucessivos escândalos que apontam para a existência de corrupção nos mais altos escalões do governo, especialmente na número dois do governo e irmã do presidente, Karina Milei?

Muito em breve teremos as respostas. Entretanto, vejamos os acontecimentos recentes mais em pormenor.

Trump despeja dinheiro na Argentina para salvar Milei

O mais recente episódio da crise política que tensiona o país nos últimos meses foi a demissão do ministro dos Negócios estrangeiros, Gerardo Werthein. O ministro não explicou os motivos da sua decisão, mas parece óbvio que esta esteve relacionada com os resultados da visita diplomática do Presidente da Argentina a Washington, em 14 de outubro.

Milei esperava tirar dividendos políticos desta visita de Estado ocorrida apenas a duas semanas das eleições intermédias. Contava também garantir a ajuda financeira dos EUA para impedir que o peso argentino, face ao dólar, visse o seu valor derreter nos mercados cambiais

Acontece que na era Trump, nenhum evento diplomático, por mais preparado que esteja, pode realizar-se com a garantia de que não haverá surpresas.

O governo argentino esperava uma declaração de apoio incondicional, tanto político quanto financeiro. Mas Trump achou por bem amenizar a ênfase, como forma de prevenção às críticas que já se ouviam entre os republicanos, de que a Casa Branca ia esbanjar dinheiro com o país sul-americano sem quaisquer garantias. E explicou que o apoio só seria mantido caso o partido de Milei ganhasse as eleições:  “Se o Milei não ganhar, não seremos igualmente generosos com a Argentina”, ressalvou o Presidente dos EUA.

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Milei viaja aos EUA em busca de fundos que lhe permitam continuar no poder

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Claudio della Croce

23 de setembro 2025

Ora a hipótese de o partido de Milei não ganhar no próximo domingo é uma das que estão sobre a mesa. Porém, uma derrota do La Libertad Avanza pode complicar a vida do governo, mas não derruba o presidente, que continuará a ser Milei, e com mais necessidade ainda de apoio do seu patrono colonial.

Dúvidas e advertências sobre acordo de Swap

Foi preciso mais uma semana de angústias para que finalmente o Departamento do Tesouro dos EUA e o Banco Central argentino anunciassem, ainda antes das eleições, um acordo de estabilização cambial (Swap) no valor de 20 mil milhões de dólares, “para contribuir para a estabilidade macroeconómica da Argentina, com especial ênfase em preservar a estabilidade de preços e promover um crescimento económico sustentável.”

A operação foi montada pelo próprio Secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, que, além do Swap, ainda anunciou estar a trabalhar, junto com fundos de investimento e bancos privados, para a criação de uma nova linha de crédito de mais 20 mil milhões de dólares.

Recorde-se que, em abril passado, o governo argentino já chegara a um acordo com o FMI, para um crédito igualmente de 20 mil milhões de dólares, em troca de uma longa lista de medidas a serem adotadas por Buenos Aires, as habituais contrapartidas de privatizações, desregulamentações, “flexibilização” das leis laborais, reforma da Segurança Social, reforma fiscal. Nada que Milei não tenha intenção de promover. Em dezembro passado, por exemplo, Milei anunciou que vai propor uma reforma tributária para reduzir em 90% os impostos nacionais.

“Uma forma descarada de imperialismo financeiro”

Um artigo do britânico e influente jornal The Financial Times criticou a operação do swap, que todos já veem como um resgate do Tesouro dos EUA à Argentina, por “politizar as linhas de swap” em dólares e converter a moeda num instrumento de pressão global. “É uma forma descarada de imperialismo financeiro”, escreve o jornal, advertindo para o risco de outras nações se afastarem do dólar e refugiarem-se noutras moedas alternativas.

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Milei derrotado em Buenos Aires

08 de setembro 2025

Há ainda o risco, prossegue o FT, de o peso argentino – sustentado artificialmente – se desmoronar apesar do swap. “Se isto ocorrer, não só cambalearia a narrativa de Milei, como também ficaria abalada a imagem de omnipresença que Trump tenta projetar antes das eleições de 2026”, conclui o Financial Times.

A operação de resgate da Argentina também suscitou críticas no Partido Democrata.  “É inexplicável que o presidente Trump esteja a empurrar para cima um governo estrangeiro, ao mesmo tempo que fecha o nosso”, disse a senadora Elizabeth Warren, referindo-se ao shutdown do governo devido à falta de acordo entre democratas e republicanos sobre o orçamento do próprio governo.

“Contra o narcotraficante, só bala”

Uma injeção de dinheiro tão volumosa por parte dos Estados Unidos, destinada a manter o paciente a respirar, já seria mais que suficiente para demonstrar o fracasso do programa económico de Milei. Mas a par da crise económica desenvolve-se hoje também uma crise política de graves proporções, que já atinge o núcleo central do governo.

Em 2 de outubro foi tornado público o mais novo escândalo envolvendo partidários de Milei, que provocou a desistência do atual deputado e candidato à reeleição José Luís Espert, que encabeçava a lista de La Libertad Avanza na província de Buenos Aires. Espert pôs à disposição de Milei a sua desistência à candidatura e o presidente aceitou-a.

A crise estourou depois da divulgação de um extrato bancário que comprova que Espert recebeu 200 mil dólares de Fred Machado, um apoiante da candidatura de Espert em 2019 que é suspeito de ligações ao narcotráfico e está a ser investigado nos EUA. Machado cumpre prisão domiciliar, enquanto a Justiça dos EUA pede que ele seja extraditado. Espert afirma que os 200 mil dólares terão sido o pagamento de uma atividade privada como consultor económico de uma empresa de mineração ligada a Machado. Ironicamente, Espert já chegou a afirmar que pessoas ligadas ao narcotráfico não merecem direitos humanos. “Contra o delinquente, é cadeia ou bala; contra o narcotraficante, só bala”, disse.

“Triângulo de Ferro envolvido”

Dois meses antes já fora divulgado outro caso de corrupção que envolveu ninguém menos que Karina Milei, irmã do presidente e integrante do “triângulo de ferro”, o núcleo duro do governo, do qual participa também o obscuro assessor do presidente Santiago Caputo.

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Para Milei, a corrupção comprovada é “difamação”

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Rubén Armendáriz

30 de agosto 2025

Karina é acusada de fazer parte de um esquema de desvio do dinheiro do estado destinado a comprar medicamentos para a ANDIS, Agência Nacional para a Deficiência. A denúncia foi feita após a divulgação de um áudio em que Diego Spagnuolo, presidente da agência, acusa Karina e o subsecretário de gestão institucional do governo, Eduardo "Lule" Menem, de extorquirem  comissões das farmacêuticas para garantirem a compra de medicamentos pelo governo. Essa comissão seria de 8% e seria dividida entre Karina e Menem, com um rendimento calculado entre os 500 mil e os 800 mil dólares por mês. O caso está a ser investigado pelo Ministério Público, mas já provocou enorme desgaste no governo, dada a importância de Karina, que praticamente divide com o irmão a Presidência da República.

Para além dos casos já citados, ainda houve o envolvimento de Milei com a criptomoeda $Libra, que foi promovida pelo próprio Javier no seu lançamento e que causou prejuízo a milhares de compradores, revelando ser uma enorme fraude.

A esquerda apresenta a sua alternativa

A Frente de Esquerda e dos Trabalhadores Unidade (FITU), uma frente de partidos trotskistas argentinos, fez o seu comício de encerramento da campanha eleitoral na rua, em frente à Embaixada dos Estados Unidos, um gesto simbólico que teve um grande impacto político. Aqui, explicam porque o fizeram.

1. Perfil anti-imperialista e denúncia da ingerência norte-americana

A FITU escolheu a Embaixada dos EUA como palco para deixar clara a sua rejeição à ingerência do imperialismo ianque na economia e na política argentina. Denunciaram que o governo de Milei aprofunda a dependência dos EUA e do FMI, subordinando os interesses nacionais e populares aos ditames de Washington e do capital estrangeiro.

2. Oposição frontal ao ajuste e à entrega

Durante o ato, foi destacado que o governo está disposto a fazer qualquer coisa para chegar às eleições pagando a dívida externa, mesmo que isso implique mais ajustes, mais pobreza e a entrega dos recursos estratégicos do país. A FITU se posicionou como a única força que não votou em nenhuma lei de Milei nem de seus aliados e que rejeita o “pacto colonial” com o Tesouro dos EUA.

3. Solidariedade internacionalista com a Palestina

O evento também foi uma tribuna de denúncia do genocídio em Gaza e de solidariedade ativa com o povo palestino, em sintonia com as mobilizações globais contra a ocupação israelense e a cumplicidade dos EUA e da Europa. Foi feito um apelo para multiplicar a solidariedade e exigir o rompimento das relações com Israel.

4. Defesa das lutas da classe trabalhadora

A FITU destacou a importância de fortalecer a bancada de esquerda no Congresso para frear as reformas regressivas, defender os direitos trabalhistas, a educação, a saúde e os direitos das mulheres e das dissidências. Criticou-se o descumprimento das leis aprovadas e a repressão aos protestos sociais como parte do desprezo do governo pela legalidade e pelos direitos sociais.

5. Apelo à organização e à luta a partir da base

Por fim, o ato foi um apelo à organização independente da classe trabalhadora, da juventude e dos setores populares, para enfrentar o ajuste e construir uma alternativa política de esquerda, anti-imperialista e socialista. Foi feito um apelo para fiscalizar e defender cada voto nas eleições e continuar a luta nas ruas e no Congresso.

Essas cinco chaves resumem o sentido político e estratégico do ato da FITU, que se posicionou como a única oposição consistente ao governo, ao FMI e ao imperialismo, e como a voz daqueles que lutam por uma saída profunda para a crise em favor da maioria trabalhadora.

Traduzido de Izquierda Diário.

Luís Leiria
Sobre o/a autor(a)

Luís Leiria

Jornalista do Esquerda.net