Argentina

O Império faz chantagem para ganhar as eleições

21 de outubro 2025 - 18:32

Trump diz que se retirará de todas as negociações se as urnas lhe trouxerem um resultado negativo na Argentina. A submissão de Milei confere um significado adicional às eleições de domingo. Decide-se se o país caminha para ser uma espécie de protetorado suis generis ou se votará com para recuperar a soberania.

por

Eduardo Lucita

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Trump com Milei.
Trump com Milei. Foto de WILL OLIVER/EPA.

Não há precedentes na Argentina, e poucos no mundo, para um resgate financeiro como o que ocorreu recentemente. Temos de recuar até 1945 – Braden ou Perón – para tamanha interferência pública dos EUA na arena político-eleitoral. Na Casa Branca, o que deveria ser uma reunião bilateral tornou-se um encontro individual com o Presidente Trump. A “ajuda” foi condicionada ao resultado eleitoral. Agora, todos estão de olho no dia 26 de outubro.

O esgotamento do programa Milei-Caputo era já evidente, e a desvalorização com que todos contavam após as eleições corria o risco de se antecipar. Acrescente-se a isto o facto de o partido no poder estar à beira de mais uma derrota no parlamento que condicionaria a sua política futura, e de o caso Espert [que ligou um dos principais candidatos do partido de Milei a dinheiro proveniente do narcotráfico e à lavagem de dinheiro] estar a destruir definitivamente a moral do governo: tínhamos bingo. Um desastre económico e político estava iminente.

Resgate duplo à beira do naufrágio

Os dólares estavam a esgotar-se e as pressões cambiais não diminuíam. E a Câmara dos Deputados aprovou na generalidade a lei que limitava o recurso do presidente Decretos de Necessidade e Urgência (DNU). Surpreendentemente, o Tesouro dos EUA interveio no mercado cambial, e a oposição colaboracionista conseguiu modificar o artigo 3º da lei dos DNU. O governo ganhou tempo em ambos os casos.

Não é de estranhar que alguns governadores e deputados se tenham voltado contra a lei que limitava a utilização dos DNU, devolvendo-a ao Senado e adiando-a, e, no processo, prejudicando a distribuição do imposto sobre os combustíveis às províncias. O que surpreende é o facto de uma potência estrangeira controlar a taxa de câmbio e a política monetária do país e intervir na política interna, tanto nas eleições como na decisão de quais as alianças de que o governo necessita para garantir a governabilidade após Outubro.

Ponte para o 26-O

O pacote de “ajuda” anunciado há dias (um swap de 20 mil milhões de dólares, um empréstimo contingente para emergências e a compra de títulos de dívida) foi mais do que contundente. No entanto, a surpresa apoderou-se dos mercados quando o Tesouro dos EUA interveio diretamente no nosso mercado cambial e formalizou o swap.

Assim, a venda de dólares do Tesouro dos EUA através de vários bancos que operam no mercado local procurou – para além do estratagema do Tesouro comprar pesos baratos e depois vendê-los a um preço mais elevado – conter a volatilidade e o colapso do mercado. É claro que, no processo, beneficia fundos e especuladores associados ao Secretário do Tesouro dos EUA Bessent. “O único que pode agir rapidamente perante uma crise de liquidez é o Tesouro”, disse ele, acrescentando que está disposto a intervir as vezes que forem necessárias. Voltou a fazê-lo na quarta-feira.

Por enquanto, é uma ponte para chegar sem sobressaltos às eleições de outubro. Esta ponte não resolve a crise subjacente, não cancela o acordo atual com o FMI e o swap não resolve a necessidade de acumular reservas, embora possa ser utilizado para pagar os vencimentos do próximo ano.

Que resgate?

Os objetivos do resgate são evitar um colapso da moeda, melhorar as perspetivas eleitorais do partido no poder, sustentar o governo de Milei, o seu único aliado estratégico na região, e promover a estratégia geopolítica do império de diminuir a presença da China na região.

A política comercial e o swap com a República Popular não parecem estar em risco, mas o governo argentino está empenhado em impedir novas tentativas de capital chinês de entrar em áreas estratégicas como a tecnologia, as comunicações, a energia e a mineração. Estas áreas ficariam reservadas para empresas americanas.

Não se trata de um resgate à Argentina enquanto país, mas sim de um resgate da administração Trump ao governo Milei, com o apoio do Fundo para utilizar os seus direitos especiais de levantamento. Isto levanta a seguinte questão: o que aconteceria se os resultados das eleições não fossem favoráveis ao governo?

O presidente Trump resolveu a questão: “Se Milei não ganhar, não seremos generosos”. “Se não ganharem, não perderemos tempo”. Os mercados, que se tinham acalmado, voltaram a agitar-se. Os títulos e as ações caíram a pique, e a taxa de câmbio e o índice de risco-país voltaram a subir. A fragilidade impera; a incerteza generalizou-se, e intensificaram-se as dúvidas sobre o que acontecerá no dia seguinte à reabertura das eleições.

De penálti sem guarda-redes a golo na própria baliza

Nada correu conforme o planeado. Não houve qualquer reunião bilateral, nem grandes anúncios – investimentos, o tão aguardado acordo tarifário – (pelo menos até hoje, quarta-feira 15 de outubro). O que houve foi um espetáculo mediático encenado pelo presidente Trump, a figura absoluta da conferência de imprensa que, como imperador mundial, acabou por humilhar a delegação argentina, colocando-a no papel de meros espetadores.

Como se faltasse algo, o recente relatório “Perspetivas Económicas Mundiais” do FMI fez baixar o crescimento do PIB do país para este ano: 4,4%, um ponto percentual abaixo da estimativa de abril (ainda assim, superior aos 3,9% estimados pelas consultoras locais). A inflação deverá atingir os 28% ao ano, 8 pontos percentuais acima da previsão de abril. Enquanto isso, o saldo da balança corrente será deficitário em 1,2%, três vezes superior à estimativa de há seis meses. Para 2026, a estimativa é de um crescimento do PIB de 4%.

Se perderem vamo-nos

A chantagem do Presidente Trump ao povo argentino, alegando que se retiraria de todas as negociações se as urnas lhe trouxessem um resultado negativo, deixou claro que a estabilidade futura do mercado depende do resultado das eleições, bem como de o governo alcançar um equilíbrio de poder suficiente para manter a sustentabilidade política após as eleições legislativas.

A mutação inesperada desta viagem rumo à submissão confere um significado adicional às eleições de outubro. Já não se trata apenas de uma eleição legislativa em que o partido do Governo procura garantir o terço que blinde futuros vetos e impeça qualquer tentativa de julgamento político. Também não é um meio de angariar apoio suficiente para levar avante as reformas estruturais exigidas pelas classes dominantes. Se a afirmação do General Perón de que “a verdadeira política é a política internacional” ainda se mantém, a opção de um parceiro submisso e subordinado à principal potência mundial adotada pelo Presidente Milei põe em jogo nestas eleições o nosso destino como país soberano.

Trata-se de eleições legislativas, mas decidiremos se caminharemos para uma espécie de protetorado sui generis ou se votaremos com o objetivo de recuperar a soberania e o nosso destino enquanto nação.


Eduardo Lucita faz parte do grupo Economistas de Esquerda.

Texto publicado originalmente no Viento Sur.