Violência policial

Comité para a Prevenção de Tortura do Conselho Europeu denuncia agressões policiais

21 de outubro 2025 - 15:20

Um relatório referente a uma visita a Portugal feita em 2024 revela casos de uso indevido da força por parte das autoridades, não comunicação de abusos e obstáculos à sua investigação.

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Polícia. Foto de Paulete Matos.
Polícia. Foto de Paulete Matos.

Numa altura em que a extrema-direita conseguiu arrastar a direita portuguesa para aprovar uma lei que proíbe o uso de burqas em espaços públicos, alegadamente por “questões de segurança”, o Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa realça uma outra questão de segurança, esta com consequências comprovadas: o uso de balaclavas ou outros equipamentos que tapam o rosto dos agentes policiais dificulta a sua identificação, podendo impedir que sejam responsabilizados por uso excessivo de força ou outros maus tratos contra cidadãos.

Este é apenas um dos tópicos abordados no relatório desta instituição feito a partir de uma visita ao país há cerca de um ano. Exemplifica-se a questão com uma manifestação em fevereiro de 2024 contra uma marcha neonazi durante a qual dois jornalistas e vários manifestantes se queixaram de terem sido agredidos pela polícia. Os seus elementos de identificação não estavam totalmente visíveis. Este comité recomenda que os agentes policiais usem meios de identificação individual claramente visíveis sempre que estiverem em serviço.

A mesma manifestação chamou a atenção por outra razão. O caso era bem conhecido e televisionado mas a investigação do Ministério Público só foi aberta três meses depois e na sequência de ter recebido informações do gabinete do primeiro-ministro sobre um alerta publicado na Plataforma de Segurança dos Jornalistas do Conselho da Europa.

Outro caso mencionado refere-se às denúncias de espancamento de que são acusados militares de GNR de três jovens que teriam saído sem autorização da associação Centro Jovem Tejo, em Palmela. Os suspeitos não foram suspensos, apenas transferidos, questionando esta instituição as razões.

Aliás, o relatório defende que os processos disciplinares internos não dependam dos processos penais: “a culpabilidade disciplinar dos funcionários em causa deve ser sistematicamente examinada, independentemente de se considerar que a conduta em questão constitui uma infração penal”, afirma-se.

Estes processos disciplinares, revela-se, chocam com obstáculos como a Inspeção-Geral da Administração Interna não poder ordenar exames médicos, ficando “impossibilitada de obter provas que, na maioria dos casos, são cruciais para a investigação eficaz de alegações de maus tratos”.

Considera-se necessária a investigação independente “para prevenir qualquer aparência de impunidade, conivência ou tolerância para com atos ilegais” e que “as autoridades judiciais devem agir prontamente com base nessas denúncias (…) e fazer pleno uso dos seus poderes legais para cumprir, em todos os casos, a sua responsabilidade de investigar eficazmente; devem assegurar que os serviços do Ministério Público dispõem de recursos adequados e suficientes”.

O Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa também recomenda o uso de bodycams por parte das polícias. O concurso para as adquirir foi lançado em 2023 mas por causa de impugnações de empresas concorrentes ainda não se efetivou.

Na sua avaliação geral, o comité conclui ter havido uma diminuição de queixas de violência policial face a visitas anterior mas menciona, ainda assim, registou vários casos de “uso excessivo da força durante a detenção”. “Os alegados maus-tratos consistiam principalmente em socos, pontapés no corpo e/ou na cabeça e, ocasionalmente, o uso de cassetetes”, especifica-se. Mas há também casos de pessoas atiradas contra a parede, pressionadas na cabeça com o pé ou no pescoço com o joelho ou um cassetete, “apesar de as pessoas detidas já terem sido controladas”. Ameaças verbais e outras humilhações também foram contadas.

Justiça criminal com “falhas persistente”

Entre as pessoas entrevistadas, várias relataram que “tinham sido apresentadas a um juiz com ferimentos visíveis”. Nem este nem o advogado oficioso “tomaram qualquer medida para apurar a origem desses ferimentos”, denuncia-se.

Das entrevistas resultaram também relatos de ferimentos por algemas demasiado apertadas e da prática de algemar pessoas a objetos fixos dentro das esquadras.

O comité deixa assim o apelo a que as autoridades portuguesas “erradiquem completamente os maus-tratos físicos policiais”. Recomenda-se “melhorar a comunicação desses casos, tanto internamente como aos órgãos de investigação competentes, e proporcionar formação adequada aos agentes responsáveis pela aplicação da lei”.

À justiça criminal apontam-se “falhas persistentes” que geram uma “profunda preocupação”. Tendo sido descoberto que “em relação ao acesso a um advogado, este direito não parece ser garantido a pessoas sob custódia policial em todos os casos, desde o início da privação de liberdade”.

Há igualmente “omissões” por parte dos estabelecimentos prisionais, bem como da Inspeção-Geral da Administração Interna e da Inspeção-Geral dos Serviços de Justiça “na comunicação de eventuais casos de maus-tratos por agentes da autoridade ao Ministério Público, bem como casos em que alegações ou informações indicativas de maus-tratos não foram objeto de resposta, ou foram insuficientemente céleres, por parte deste serviço”.