Relatório evidencia maus tratos policiais e más condições prisionais

13 de dezembro 2023 - 19:20

O último relatório do Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa considera os maus tratos da polícia portuguesa um “problema recorrente” e denuncia as condições de investigação a estes casos.

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Polícia. Foto de Paulete Matos.
Polícia. Foto de Paulete Matos.

O Comité para a prevenção da Tortura do Conselho da Europa publicou esta quarta-feira um relatório de 72 páginas em que analisa os maus tratos infligidos a cidadãos pela polícia em Portugal, o que considera um “problema recorrente”, sublinhando “outra vez a necessidade das autoridades portuguesas estabelecerem um sistema efetivo e dissuasivo para investigar” estas situações.

O relatório compila as descobertas efetuadas durante a última visita do organismo ao país, que durou entre 23 de maio e 3 de junho do ano passado. Para além de alegações de maus-tratos por parte da PSP e da GNR, tratava-se de investigar também a situação dos detidos em prisões, nomeadamente na prisão central de Lisboa, e dos pacientes na Clínica Psiquiátrica da Prisão de Santa Cruz do Bispo e na Unidade Forense do Hospital Magalhães Lemos no Porto.

Nas suas conclusões fica estabelecido que os maus tratos a detidos continuam a ser “prática frequente”, com “estaladas, murros, bastonadas e pontapés”. Para além disso, assinalaram-se uma série de casos de pessoas algemadas de forma “excessivamente apertada" e a persistência da "prática de algemar pessoas a mobília nas instalações policiais”.

Reitera-se “a necessidade de investigações efetivas às alegações de maus tratos como um fator dissuasor importante”. Um dos problemas identificado nas investigações aos casos é “o atraso significativo da transmissão de potenciais provas” à Inspeção Geral da Administração Interna, “tornando difícil e até mesmo impossível” uma investigação efetiva. Para além disso, “vários casos aparentemente não foram transmitidos à Procuradoria, impedindo assim que se iniciassem potenciais investigações criminais”. O que serve para “entranhar a perceção de que os agentes policiais que se envolvem em maus tratos gozam de impunidade de facto”.

Os relatores insistem que, quando há um caso de potenciais maus tratos, a pessoa deve ser entrevistada dentro de um período de 48 horas para determinar se é necessário um exame médico forense.

Em Lisboa há pessoas presas "em condições degradantes"

A maioria dos entrevistados declarou ainda que apenas teve acesso a um advogado oficioso na sua audiência perante o juiz, sendo que o direito a advogado, insiste-se, deve ser garantido desde o início da medida de privação de liberdade. Levantam-se ainda preocupações com o acesso à saúde e a serviços de interpretação.

No caso das prisões, a Prisão Central de Lisboa, já descrita em relatórios anteriores como “em avançado estado de degradação”, agora “deteriorou-se ainda mais”. Em muitas áreas, os presos vivem “em condições degradantes em celas com paredes sujas e delapidadas, vidros partidos, casas de banho não divididas em celas com duas pessoas e sistemas elétricos que funcionam mal. Alguns dos presos fizeram “alegações credíveis de maus tratos físicos por parte do pessoal da prisão” e há relatórios médicos do pessoal de saúde da prisão que as corroboram.

Nas duas prisões femininas visitadas, em Tires e Santa Cruz do Bispo, também houve algumas alegações de maus tratos, sobretudo abusos verbais, ameaças “e mais raramente atos de violência física”.

No caso de Tires, as celas são descritas como estando em mau estado e muitas não correspondem aos padrões mínimos de espaço por prisioneiro. Na de Santa Cruz do Bispo, falta privacidade nos anexos sanitários e as detidas em regimes de segurança máxima estão confinadas às celas durante 21 ou 22 horas por dia, o que inclui duas mulheres com problemas de saúde mental. No que toca ainda à saúde mental, em Tires, não há oferta de programas de reabilitação e grupos de intervenção nem nenhuma política de prevenção do suicídio.

Mas especial atenção foi dedicada a detidos em alas psiquiátricas em Santa Cruz e na Unidade Forense do Hospital Magalhães Lemos. Nesta última não foram detetados problemas de maior, apesar de se criticar a existência de câmaras de vigilância, mas na primeira houve “algumas alegações de maus tratos físicos” e “vários de insultos e ameaças” e critica-se a sua incapacidade para providenciar um ambiente adequado para este tipo de paciente, sugerindo-se a construção de instalações alternativas. Falta ainda pessoal qualificado em ambos os casos.

O relatório insta as autoridades nacionais a rever as condições em que mães com filhos estão presas e critica-se a presença de guardas prisionais durante todos exames médicos, incluindo obstétricos, realizados fora das instalações, classificando-se como inaceitável a sua presença durante os partos.

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