Como o partido de Le Pen serviu os interesses de Putin

13 de junho 2023 - 11:05

Em França, a União Nacional procurou branquear a ligação com o Kremlin através de uma comissão parlamentar de inquérito. Mas a jogada acabou afinal por revelar o que eles não queriam.

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Marine Le Pen visita o Kremlin em 2017. Foto de ICHAEL KLIMENTYEV/SPUTNIK/KREMLIN/EPA/Lusa.
Marine Le Pen visita o Kremlin em 2017. Foto de ICHAEL KLIMENTYEV/SPUTNIK/KREMLIN/EPA/Lusa.

Ainda durante a liderança de Marine Le Pen, a União Nacional quis uma comissão de inquérito às interferências estrangeiras na política francesa. O objetivo era claro: estando a ser fustigada pelas suas ligações ao regime de Putin na sequência da invasão russa da Ucrânia, o partido da extrema-direita avançava para tentar limpar o nome e fazer uma manobra de diversão lançando ao barulho países como a China e os EUA.

Em meados de setembro do ano passado, o caso tinha-se complicado ainda mais quando Jean-Maurice Ripert, ex-embaixador francês em Moscovo, declarou na comunicação social que “quando era embaixador de França na Rússia, ninguém ignorava que um certo número de homens e mulheres políticas franceses de um certo lado vinham e não iam embora de mãos a abanar”. Os destinatários da mensagem não eram nomeados mas não havia dúvidas a quem se referia o diplomata.

Seis meses de trabalhos e 50 audiências depois, o relatório de 218 páginas acabou por confirmar exatamente o contrário do que a extrema-direita queria: a comissão de inquérito conclui que o partido serviu como “correia de transmissão eficaz” para o poder instalado no Kremlin e ecoava “a linguagem oficial do regime de Putin”. Derrotado por onze votos contra cinco e duas abstenções, o presidente da comissão de inquérito, Jean-Philippe Tanguy, acabou por declarar que o procedimento parlamentar que deveria servir para “lavar a honra” da União Nacional se tratou afinal de uma “farsa”.

Marine Le Pen disse tratar-se de um “julgamento político. Ouvida numa audiência, a ex-dirigente partidária da extrema-direita assegurou que não tinha ligações ao Kremlin, ao mesmo tempo que reiterou o seu apoio à anexação russa da Crimeia. O documento da comissão parlamentar, assinado por Constance Le Grip, deputada do campo presidencial, vai em sentido contrário afirmando que a ligação da extrema-direita francesa aos russos é de “longa data” mas que “a estratégia de aproximação política e ideológica” ao governo russo “acelerou” desde que Marine conquistou a liderança da então Frente Nacional. Aliás, no mesmo ano em declarou apoio à invasão da Crimeia, o partido de extrema-direita obteve um empréstimo de um banco próximo do regime russo no valor de nove milhões de euros e o seu fundador, Jean-Marie Le Pen, recebeu um empréstimo de dois milhões. O relatório assinala que “a União Nacional é o único partido francês financiado em parte por um empréstimo [russo]” e que “o conjunto das circunstâncias” faz “questionar sobre as motivações que conduziram à concessão destes empréstimos” isto ao mesmo tempo que “o partido multiplicava as marcas de apoio e proximidade relativamente ao poder russo”.

De entre outros factos enunciados, vários são bastante conhecidos, como a visita de Le Pen ao Kremlin e a sua sessão fotográfica com Putin em 2017. Ou os encontros com o presidente do parlamento russo, com o presidente da sua comissão de negócios estrangeiros ou o vice-primeiro-ministro. Ou as visitas de eleitos da UN à Crimeia e ao Donbass para “observar” as “eleições” organizadas pelos seus congéneres das forças separatistas e ocupantes que tinham como objetivo validar a ocupação. Outros “contactos frequentes” entre ambas as partes eram menos públicos.

Assim como a conclusão de que há um “alinhamento sistemático nas votações”, nomeadamente no Parlamento Europeu, “ao interesse do regime russo” não surpreende.

A comissão de inquérito nota ainda que as posições pró-russas da União Nacional se “suavizaram” depois da invasão da Ucrânia e que o partido condenou “inequivocamente” a agressão russa, tentando distanciar-se. Apesar disso, Le Pen continuou a dizer “partilhar valores e posições” com o regime russo, o que é “visivelmente apreciado em Moscovo”.

Durante as audições, Nicolas Tenzer, presidente do Centro de Estudos e Reflexão para a Ação Política explicou que a influência russa sobre a extrema-direita francesa não era caso único na política europeia, havendo uma “internacional fortemente encorajada pelo Kremlin”, numa referência a partidos como a AfD alemã, a Liga de Salvini em Itália e também partidos como os da Estónia, Hungria, República Checa, Eslováquia ou Bulgária.