No seu recém-lançado livro de memórias “Do Transiberiano ao Médio Oriente”, o cabeça de lista do Chega às eleições europeias, Tânger Corrêa, recorda a passagem por Israel como diplomata, onde chegou no início de setembro de 2001, uma semana antes do atentado da al-Qaeda às Torres Gémeas de Nova Iorque. Nele afirma que era esperado um número elevado de judeus entre as vítimas mortais, mas que no final o número foi muito inferior às estimativas porque, escreve o ex-diplomata, “nesse dia menos pessoas do que o habitual tinham comparecido ao emprego”. E sugere que “terá sido talvez um alarme misterioso”.
Esta sexta-feira, na entrevista ao Observador, Tânger Corrêa foi confrontado com esta e outras teorias da conspiração antissemitas propagadas no seu livro, como a do alegado plano de uma Nova Ordem Mundial para tornar a população subserviente a “um líder único no planeta Terra”, coordenado no Fórum de Davos com a participação da família judia Rothschild, uma dinastia de banqueiros que remonta ao século XVIII. “Macron era funcionário de Rothschild, não é?”, perguntou o candidato do Chega aos jornalistas, assegurando que “é evidente que ele sabe onde é que as coisas irão parar, qual é o objetivo final desse tipo de atuação”. A dramatização da pandemia para efeitos de “controlo da população” é outras das teorias conspirativas difundidas no livro e na entrevista, onde Tânger Corrêa responsabiliza por essa campanha “a Organização Mundial de Saúde e quem está por detrás da Organização Mundial de Saúde”.
Sobre o alegado alerta aos funcionários judeus do World Trade Center, Tânger Corrêa diz que os seus colegas embaixadores “disseram que corria o boato de que ia haver uma coisa em grande nos Estados Unidos”. Sobre o número de vítimas judias ter sido menor que o estimado inicialmente, diz que “90% ou 85% das pessoas que trabalhavam naquelas Twin Towers eram judeus” e que “se houve aviso ou não houve aviso, fica a dúvida no ar”, acrescentando que “às vezes, as coisas são passadas de uma forma tão subtil, tão fora dos esquemas normais de comunicação…”.
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A propagação desta teoria da conspiração antissemita valeu-lhe de imediato muitas críticas e Tânger defende-se em declarações ao Diário de Notícias, afirmando que “dizer que sou antissemita não passa pela cabeça de ninguém”, até porque na véspera almoçara com o embaixador de Israel, Dor Shapira.
Ainda na sexta-feira, a embaixada israelita também condenou as “declarações conspirativas que foram proferidas hoje”, mas sem identificar quais seriam essas declarações, quem as proferiu ou o partido que representa o seu autor. E acrescentou que “nos dias de hoje, em que o antissemitismo está a aumentar, os líderes devem ser mais cuidadosos e responsáveis nas suas declarações”, sem especificar a quem se referia.
Sionista e antissemita, o caso do Chega
A suavidade na condenação do antissemitismo por parte do candidato do Chega pode justificar-se pelo alinhamento do partido com o governo sionista antes e depois do início do genocídio em curso na Faixa de Gaza. Uma semana após o início dos bombardeamentos que se seguiram aos ataques do Hamas, André Ventura anunciou um voto de saudação ao exercício da “legítima defesa” de Israel. A máquina de propaganda da extrema-direita também esteve ao serviço do apartheid sionista no ataque às manifestações contra os bombardeamentos em Gaza em outubro de 2023, acusando o Bloco e o PCP de justificarem os crimes do Hamas.
Dias depois, quando PS e PSD chegaram a um texto comum para um voto de pesar sobre o conflito, Ventura ameaçou abster-se por defender que “não há negociação possível até o Hamas entregar os reféns, e depois então fala-se de questões humanitárias”. Na mesma altura, Ventura colocou-se ao lado do governo de Israel contra António Guterres, propondo a condenação do secretário-geral da ONU pelo parlamento português e o seu afastamento do cargo. E anunciou igualmente as propostas de trazer o presidente israelita a discursar em São Bento e levar uma delegação parlamentar a visitar Telavive.
Mas as ligações do Chega ao partido de Netanyahu não começaram no passado 7 de outubro. Em fevereiro de 2021, o Chega gabava-se de ser o único partido português a apoiar a transferência da embaixada de Portugal para Jerusalém. No congresso do partido em maio de 2021, além de uma bandeira israelita agitada por um dirigente no meio dos congressistas, foi projetada uma declaração de uma representante do Likud a agradecer o facto de o Chega reconhecer Jerusalém como “a eterna capital de Israel”. “O Chega não é um partido xenófobo nem antissemita”, ouviu-se na gravação citada pelo Expresso. Dois meses antes, o Chega tinha parabenizado o Likud e Benjamin Netanyahu “pela vitória nas eleições e pelo que representa”.
Curiosamente, se agora Tânger Corrêa aponta a pandemia do covid-19 como um “ensaio geral” para um plano maquiavélico de controlo da população através do medo, e o próprio Chega se juntou a protestos organizados por adeptos das mesmas teorias, ainda antes da votação para autorizar o primeiro estado de emergência no Parlamento em 2020 o Chega apontava Israel como um exemplo no que diz respeito à taxa de vacinação: “Enquanto uns falam, enchem o peito e têm 3,88% pessoas vacinadas por cada 100 como é o caso do Governo Socialista de Portugal, outros fazem e actuam e têm 64,17% por cada 100 como o Governo de Israel!”, exclamava o partido nas redes sociais.