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PCP: Frentismo antifascista versus “levantamento nacional”?

Uma questão ideológica e doutrinária ou uma disputa de poder no interior do partido? Por Luís Farinha.
Manifestação de oposição ao Estado Novo, em 5 de Outubro de 1959. Foto de Agrupamento de Escolas José Estevão: http://ww3.aeje.pt/avcultur/avcultur/Arlindo_vicente/Imagens/foto036.jpg

Na história centenária do Partido Comunista Português, a matriz antifascista foi de longe a marca dominante da sua praxis política. O partido é revolucionário por opção ideológica e programática, “operário” por imposição da sua natureza de partido de classe, mas inabalavelmente nacional e patriótico e, por isso, empenhado na defesa das liberdades e da democracia ao lado de todos os patriotas e antifascistas que, ao longo de quase meio século, lutaram pela reposição de um regime constitucional e democrático.

A luta pela reposição das liberdades e garantias fundamentais colocou do mesmo lado da barricada um sem número de compatriotas oriundos dos meios sindicais, de outros setores políticos, dos meios culturais ou tão só da luta cívica pela reposição dos direitos humanos entre aqueles que não partilhavam, obrigatoriamente, os ideais revolucionários comunistas. Os responsáveis do Partido Comunista sabiam muito bem quem eram os seus aliados momentâneos da luta antifascista. Mas também sabiam, por experiência histórica, que muitas revoluções se tinham desencadeado em condições muito particulares de luta patriótica, umas perdidas como a Comuna de Paris e outras vitoriosas, como a Revolução de Outubro. O receio que esse passo fosse dado – tanto pela parte das democracias ocidentais como pelo próprio regime de Salazar – esteve sempre presente. Num período já bastante estabilizado do Estado Novo, e beneficiando do apoio das democracias ocidentais (com a entrada do país na NATO em 1949 e na ONU em 1955), ao discursar no IV Congresso da União Nacional (1956) (o partido único do regime), o ditador afirmava que: “…tornados nacionais os partidos comunistas, seria porventura mais aceitável a sua entrada no jogo normal da vida partidária e mais fácil o seu acesso ao governo dos povos”. Mas, como no Leste se havia demonstrado, a possibilidade de em alguns países o comunismo se instaurar por via democrática não impediria nunca – segundo o ditador – que a seguir viesse a “revolução comunista”. Aquilo que o ditador afirmava em tons acusatórios, defendiam-no os comunistas no seu V Congresso (outubro de 1957) de forma convicta e fundamentada. A luta pela reposição das garantias e das liberdades fundamentais era uma exigência que não anulava a luta pela sociedade socialista, mas antes, pelo contrário, constituía uma condição básica da sua realização futura.

A constituição de uma larga frente de luta anti-salazarista que fosse desde a classe operária à burguesia nacional e dos comunistas aos situacionistas descontentes não anulava, antes exigia, a luta de classes, assim o afirmava António Dias Lourenço (“João”) pouco tempo depois da grande derrota eleitoral das Eleições de 19581. A opção pela “solução pacífica”, razão para todas as dissensões no início da década seguinte e para profundas e largas discussões no interior do próprio PCP (na VI Reunião Ampliada do Comité Central - 1955, no V Congresso de 1957 e depois no texto refundador apresentado por Álvaro Cunhal em “Rumo À Vitória”), não deixa de constituir uma reformulação teórica sobre o peso e a primazia que devem ser atribuídos ao “levantamento nacional” no derrube do fascismo, muito valorizado anteriormente no decorrer dos III e no IV Congressos do partido (1943 e 1946). São discussões que reorientam o partido, sem dúvida, para uma linha de democracia popular – à luz das democracias do Leste erguidas sobre os escombros do nazi-fascismo -, mas não alteram, de forma substancial, a formulação teórica que sempre esteve presente nas discussões magnas do PCP, desde os primeiros congressos e reuniões alargadas dos anos 40/50.

O partido tirara lições profundas da derrota do “reviralhismo” (1926-1940), da inutilidade do “putschismo” (1944-1947) ou do aventureirismo da “greve-geral revolucionária” (1934), pelo efeito negativo do isolacionismo destas formas de ação separadas da ação de “massas”. E estas foram lições que nunca mais foram esquecidas nos anos seguintes, sempre que alguma entidade contrapunha o partido com as “ações decisivas”, levadas a cabo por minorias que visavam um “levantamento nacional” popular e revolucionário, de que foi exemplo o trágico desenlace da Frente Patriótica de Libertação Nacional (Argel, 1964-1965). Podiam mesmo os setores mais críticos do partido tomar posições antagónicas e de rutura, como aconteceu com Francisco Martins Rodrigues, na sequência do XX Congresso do PCUS: “Nós combatemos o XX Congresso. Cheirava-me aquilo a abandono da vigilância perante um inimigo implacável. O fascismo só cairia por meio de processos insurrecionais e revolucionários”.

Porém, para o Partido Comunista nunca estiveram em causa ou em contradição absoluta e irredutível “a luta de massas”, o “frentismo antifascista” e o “levantamento nacional” quando se discutiam a via para a queda do fascismo ou a implantação da revolução socialista e nacional. Não eram estratégias opostas, antes fios de uma mesma teia: nem o fascismo cairia sem um “levantamento nacional” violento, nem esse levantamento seria eficaz e definitivo sem a participação vigorosa das massas e muito menos sem o apoio das classes populares, dos intelectuais e dos estudantes sob o comando violento de umas “forças armadas democráticas” na altura em que chegasse o “momento decisivo”.

De modo que a contradição – apontada pela historiografia subsequente e ela própria fonte de todas as dissensões e ruturas ocorridas no PCP a partir de 1963 -, mais do que real e fundamentada, é antes o resultado da acusação de uma estratégia cristalizada e de imobilismo político dos órgãos do partido pelos seus opositores internos e pelos detratores externos. Podiam separá-los nuances doutrinárias e ideológicas de relevo. Porém, no essencial, essas contradições decorreram, quase sempre, da análise da correlação de forças dominantes em presença. A contradição no seio das forças armadas e das classes urbanas já está prestes a atingir o ponto de rutura? Então eleja-se o “levantamento nacional” como prioridade. Ou, pelo contrário, a “Guerra Fria” arrefecera todos os entusiasmos e as contradições estavam prestes a verter os descontentamentos num banho de água tépida? Então proponha-se a “frente nacional antifascista”, como ponto de partida para a agregação de novos fatores de luta. Num ou noutro dos casos não foi a doutrina que mudou nem foi o inimigo, no essencial, que se tornou diferente; mudaram, sim, as condições a que era preciso adequar as novas formas de luta.

As “mudanças invisíveis” dos anos 50 – da derrota das “oposições” à miragem da “idade do ouro”

Terminada a II Guerra Mundial, o regime abriu asas e levantou novos voos, apoiado pelas “democracias ocidentais”, pelo clima de Guerra Fria e pela derrota das oposições. Podia dizer-se que saíra mesmo reforçado do duro golpe que sofrera durante os duros anos do conflito mundial. Perante reiteradas irregularidades do regime, a Comissão Central do MUD – o mais forte movimento unitário eleitoral de oposição de toda a Ditadura -, recomenda ao eleitorado a abstenção total nas eleições de dia 18 de novembro de 1945. Apesar de a percentagem de eleitores rondar os 12%, a UN elege todos os 120 deputados para a Assembleia Nacional. Nos anos seguintes (1946-1948), altas patentes do Exército e da Marinha tentam (naquilo que ficou designado de “Golpe da Mealhada” -1946. e mais tarde de “Abrilada” -1947) impor, pela coação militar, a demissão de Salazar pelo Presidente da República, General Óscar Carmona. O “pronunciamento” salda-se por um total fracasso, tendo os seus mentores sido presos, julgados e demitidos das Forças Armadas2.

1945. Cartaz do MUD com a frase "Sem eleições livres - não votes". Imagem Wikipedia.

Por outro lado, os anos de 1947 e 1948 são marcados pelo desmantelamento completo do Movimento de Unidade Democrática. Na sequência da reorganização do regime, são presos os professores Bento de Jesus Caraça e Mário de Azevedo Gomes por terem encabeçado o movimento de contestação da entrada de Portugal na ONU. Este será o início da grande purga que, por Resolução do Conselho de Ministros de 18 de junho de 1947, afasta (por aposentação ou demissão) 21 professores universitários, ao abrigo de um diploma de 1935.

Na sequência desta decapitação das elites militares e universitárias também a organização de massas desenvolvida pelo PCP nas greves dos Estaleiros da Margem Sul será imobilizada. Na base de toda esta organização articulada – das massas operárias, de militares, de estudantes e de intelectuais – está o PCP que, tendo sido obrigado a trabalhar de forma mais aberta durante estes anos, se sujeitou a uma vaga de prisões sem precedentes3. O MND (Movimento Nacional Democrático), onde pontuavam nomes como os do Prof. Ruy Luís Gomes e Virgínia Moura, criado em fevereiro de 1949 para dar continuidade ao movimento da candidatura unitária de Norton de Matos, nunca conseguiu atingir a dimensão do MUD. Com a derrota da esquerda democrática, o regime tinha o caminho aberto para forjar uma verdadeira abertura política, que, de facto, não aconteceu.

Comissão Central do Movimento Nacional Democrático (1949). António Areosa Feio, Albertino Macedo, Virgínia Moura, Rui Luís Gomes, Maria Lamas e José Morgado. Imagem publicada na página de Facebook Antifascistas da Resistência.

Em Portugal, a década de 50 abria com o magno problema de necessidade de recomposição política do regime, exigida pelos tempos novos do pós-guerra, em particular depois das alterações que vieram a ocorrer na “Europa do Carvão e do Aço” e daquelas outras que ocorreram para lá da “cortina de ferro”.

Não por acaso, em 1956, Salazar considerou que se tornava necessário reativar a atividade política e doutrinária do Estado Novo e dos seus órgãos de administração: “Ao mesmo tempo que as lutas apaixonadas pela conquista do Poder parecem criar no espírito público uma espécie de cansaço ou enjoo, verifica-se – e este é o segundo ensinamento -, em extensas camadas populacionais redobrado interesse pela coisa pública” (Salazar, IV Congresso da União Nacional, 1956).

Terminada a guerra e desmantelado um ciclo oposicionista impotente para derrubar o regime – que assim se mostrou capaz de fortalecer-se para continuar -, o país tinha, mesmo que o ditador o não desejasse, quatro grandes problemas a resolver. O primeiro residia na necessidade de uma reforma constitucional que tornasse o regime aceitável interna e externamente, no quadro das exigências políticas, económicas e sociais decorrentes da nova ordem mundial trazida pela guerra. Para o tornar viável era, pelo menos, necessário dar-lhe uma aparência de modernidade, com a condição de que se mantivesse, no essencial, antiliberal e antidemocrático. Contudo, alterar o estatuto de “colónia” das possessões sobre administração portuguesa para o de “províncias ultramarinas” – sendo embora uma perfídia e uma injúria para os seus habitantes e para o mundo -, não deixaria de ser relevante para defender a tese integracionista do regime.

A segunda (e profunda alteração) impôs-se pela exigência de abertura ao mundo de um país que manteve até muito tarde, à revelia da nova realidade económica internacional, um modelo autárcico de desenvolvimento que fechava Portugal num espaço de miséria económica e social, criando assim as condições indispensáveis à persistência dos poderes oligárquicos que o dominavam desde há mais de um século. O Portugal de Salazar resistiu enquanto pôde ao apoio internacional do Plano Marshall atribuído pelos americanos, mas acabou por aceitá-lo, com o reconhecido proveito que hoje se lhe reconhece no Continente e nas colónias. Salazar sabia bem que integrar-se na NATO significava ter de dar resposta a exigências internacionais a que não estava habituado a responder, mormente nas Ilhas Atlânticas. Mas acabou por ser um dos seus membros fundadores em 1949, com o benefício reconhecível de ser visto pela Europa Ocidental como um país com direito a integrar o clube dos “países democráticos”. Muito contrariada, numa primeira fase pela URSS, também a entrada na ONU, em 1955, trazia ao regime exigências maiores, numa altura em que estavam prestes a chegar ao seio daquela organização todos os novos países asiáticos e africanos que antes tinham sido ex-colónias dos europeus. Às novas exigências descolonizadoras, contrapunham-se vantagens inegáveis de abertura económica e política do país nos areópagos internacionais euro-atlânticos, de que a adesão à EFTA, em 1960, é um dos bons exemplos.

Conselho de Segurança vota a admissão de 16 estados à ONU, incluindo Portugal (1955) Foto: ONU.

O terceiro desafio do país radicava no manifesto estado de subdesenvolvimento das suas populações e no estado de pobreza, para mais integrado, embora lateralmente, numa geografia atlântica de comércio livre e sob as exigências de abertura do mercado colonial africano às potências capitalistas desse espaço comercial. O isolamento dos anos 30 favorecera a autarcia, mas essa era uma realidade a que o novo mercado impunha mudança.

O quarto desafio, porventura o mais difícil, era-lhe imposto pela necessidade inexorável de (re)colonizar/(des)colonizar a África, à luz das novas políticas (des)colonizadoras europeias (belgas, francesas e inglesas, em particular), numa altura em que, paradoxalmente, se começavam a ouvir as exigências dos primeiros movimentos de libertação das colónias portuguesas (PAIGC, MPLA, 1956) e em que Portugal se deveria preparar para “perder” os seus territórios da Índia.

Reformas administrativas, rearmamento, reforço da “colonização branca”, abertura ao capital estrangeiro e novas ideologias enquadradoras e de propaganda – tudo isto (e não é pouco), foi o programa colonial do país no pós-guerra, realizado ao mesmo tempo que se realizava o processo de descolonização da “África Portuguesa” e em que, para maior complexidade, as elites tecnocratas convenciam o Ditador a abrir um canal de comunicação com a Europa da CEE, o que ocorreu a partir de 1962, na sequência do início da Guerra Colonial, encarada por todas as tendências políticas como o fim do domínio português em África.

Visto por este paradoxal ponto de vista, a “ilusão” parecia total: entre 1956 e 1973, o país convergiu com a Europa em crescimento económico – coisa que nunca acontecera antes -, levando a indústria a uma taxa de crescimento de 8,6% anual.

É verdade que esse crescimento ficou delimitado a “ilhas” e a “arquipélagos” bem delimitados, com a esmagadora maioria da população sujeita a uma retribuição do trabalho baixa e desigual. Porém, neste quadro de relativa estagnação, dois fenómenos sociais passaram a constituir uma almofada pacificadora de embates sociais expectáveis: a migração massiva para as cidades de Lisboa, Porto e Setúbal e a emigração para a Europa central rica, especialmente para França e para a Alemanha4.

As “mudanças invisíveis” (na expressão de Fernando Rosas) dos anos 50, embora diminutas quando comparadas com a “idade do ouro” europeia, não deixaram de constituir um forte fator de dissuasão de mudanças políticas e sociais mais profundas e absolutamente indispensáveis. Estes foram os “anos de chumbo”.

Guerra Fria e “Primavera húngara” - um balde de água fria

O crescimento económico dos anos 50 não alterou as condições objetivas de combate das oposições ao regime fascista. Mas a derrota de 1949 e o início da Guerra Fria mudaram por completo o quadro das relações interpartidárias entre todos os opositores – dos republicanos aos comunistas, dos socialistas aos primeiros social-democratas, ao mesmo tempo que enfraquecia a sua base social de combate ao regime.

Tinham decorrido anos de uma intensa e inesperada atividade política internacional, balizados pela ocorrência do XX Congresso do PCUS (14 a 26 de fevereiro de 1956), em que no célebre discurso secreto, Nikita Krutschev deu a conhecer um demolidor relatório sobre o sectarismo, o culto da personalidade e as violências do Estalinismo. Ao mesmo tempo, os efeitos externos da insurreição húngara de novembro de 1956 e o seu esmagamento pelas tropas do Pacto de Varsóvia lançavam as primeiras grandes dúvidas sobre o futuro das democracias populares de Leste e sobre a estratégia condutora do movimento comunista internacional em que o PCP se incluía, embora em condições históricas concretas muito diversas5.

Na verdade, em Portugal, o ano de 1949 marcara a linha de quebra da política de unidade que tinha possibilitado a criação do MUNAF e do MUD e a candidatura de Norton de Matos à Presidência da República. As prisões dos principais líderes desencadearam as maiores dúvidas sobre as “traições” que possam ter sido cometidas por elementos do partido presos pela PIDE e, ao mesmo tempo, a desconfiança crescente dos elementos democráticos que antes alinharam ao lado dos comunistas no MUNAF e no MUD (explicáveis, em larga medida, pelo espírito de desconfiança alimentado pela Guerra Fria) vieram alimentar, no seio do PCP, grandes discussões internas sobre a necessidade de crítica e de autocrítica do alegado sectarismo existente e ainda sobre o culto de personalidade, apontados como responsáveis pelo definhamento da luta anti-salazarista. Sem dúvida, o MND (Movimento Nacional Democrático)6, criado no início de 49, esteve longe de cumprir os objetivos para que tinha sido pensado, a saber, o derrube do regime pelo alargamento da luta antifascista, incluindo a possibilidade de uma transição por via legal, como a que tinha sido pensada em 1949 com a candidatura de Norton de Matos e que veio a ser efetivamente tentada com a candidatura unitária do Prof. Rui Luís Gomes em 1951.

José Morgado, Ruy Luis Gomes e António Lobão Vital, marido de Virgínia Moura, de cabeça enfaixada e a roupa ensanguentada. Foto Wikimedia. Autor: Partido Comunista Português.

Porém, o problema não se resumia às relações entre as diferentes forças antifascistas; na verdade, implicava a própria condução da linha estratégica do partido, agora diminuído, por efeitos da prisão de figuras tão decisivas como Álvaro Cunhal ou Militão Ribeiro7.

As linhas definidas no IV Congresso (1946) já pareciam longínquas e desadequadas para liderar uma tática imposta por mudanças tão profundas no país e no movimento comunista internacional. No fundo, o que estava em causa e dividia completamente a consciência dos comunistas era a linha de fratura que podia resultar da escolha de uma via de transição democrática e de melhoria das condições de vida do povo português que assentasse em “tornar possível o derrubamento de Salazar sem guerra civil, por meios pacíficos”, em oposição à tática de “levantamento nacional” definida nos III e IV Congressos. Aquela que será depois a linha imposta no início dos anos 60 como resultante da correção do “desvio de direita” não é mais do que a vitória da tática delineada desde o início da “reorganização” dos anos 40: o golpe final – o “levantamento nacional” -, seria sempre o resultado do potencial revolucionário alcançado pela luta de massas generalizada e a mudança alcançada num patamar superior de luta derivado da correlação de forças do momento: os comunistas não abdicavam da sua política de classe, antes faziam da luta de massas um fator de intensificação da mudança alcançada por uma revolução democrática antifascista, aceite e participada por amplos setores da sociedade portuguesa. Tudo passava, pois, de imediato, pela política de alianças, pela possibilidade de hegemonizar a luta antifascista sem cair no sectarismo e, em última instância, pelas condições políticas objetivas do país e do mundo.

Ora, nos anos 50, as dificuldades avolumaram-se para o PCP, tanto interna como externamente. Disso irão dar conta a VI Reunião Ampliada do Comité Central, realizada em agosto de 19558, e o V Congresso, realizado clandestinamente no Estoril, entre 8 e 15 de setembro de 1957.

Na VI Reunião Ampliada do Comité Central ganhou a maior importância a formulação de uma tática centrada no derrube do fascismo através da formação de uma ampla “frente nacional anti-salazarista”. A criação de uma verdadeira frente, assente por diferentes setores da sociedade portuguesa exigia, segundo o informe apresentado por Sérgio Vilarigues, que os comunistas não se apegassem a fórmulas já experimentadas: “…o essencial está, pois, em estabelecer contactos cada vez mais estreitos com as massas e atuar entre elas, atraindo-as à nossa política de unidade”9. E essa unidade devia realizar-se, de forma simultânea e sem sectarismos, pela base e pelo topo, segundo o informe. Numa curta intervenção, também Dias Lourenço terá oportunidade de reforçar as ideias subjacentes à tática delineada pelo CC. Encontra no exemplo da Conferência de Genebra entre as quatro potências a confirmação da “vontade dos povos de buscarem na via do entendimento pacífico a solução dos principais problemas que nos preocupam”, com extrapolação desse sentir para a necessária unidade do partido e das oposições e para o repúdio do “sectarismo”10.

Esta abertura ao maior denominador comum político – onde poderiam caber comunistas, republicanos históricos, socialistas, democratas-sociais e mesmo ex-situacionistas descontentes – fará com que, nos finais de 1956, se desenvolvam reuniões alargadas e abaixo-assinados subscritos por elementos de todas essas tendências. Sob a consigna “Em frente na luta cívica, leal e ordeira”, reúnem-se em Lisboa, em 13 de dezembro, cerca de 200 opositores que decidem formar Comissões Cívicas Eleitorais “em todas as cidades, vilas e aldeias do país”, com a finalidade de promover o recenseamento e as eleições a deputados de 1957, bem como a “candidatura única” a Presidente da República de 195811.

E o mesmo acontecerá no V Congresso do PCP (1957), onde dois ou três temas acabarão por impor-se, mais até que a ordem de trabalhos pensada para a aprovação de um Programa e de uns Estatutos para o partido. O informe, apresentado por Júlio Fogaça, apontava todo ele para a grande linha de clivagem entre a via insurrecional e a “solução pacífica” tendo em vista o derrube do regime fascista. O povo estaria muito mais preparado para as lutas por via legal e muito menos para uma insurreição e, por essa razão, uma das preocupações patente em todos os espíritos foi então a de saber como organizar, por via eleitoral, candidaturas unitárias, quer a deputados da Assembleia Nacional (eleições em novembro de 1957)12, quer a de um candidato à Presidência da República (eleições em maio de 1958). Outros problemas, como a questão da independência das colónias13 ou a reforma agrária foram também pontos quentes da agenda do V Congresso, embora relegados para segundo plano.

Porém, o informe de Dias Lourenço voltaria a ser essencial – uma nova linha tática implicava novas formas de organização dos órgãos do partido, das comissões de enlace com as outras oposições, do reforço da informação e da propaganda e da obtenção e gestão dos recursos materiais para a sua concretização. E estas eram, sem dúvida, as áreas em que a experiência de Dias Lourenço podia constituir um contributo fundamental. O segundo informe apresentado ao V Congresso, sobre a organização e os Estatutos, foi, pois, da responsabilidade de Dias Lourenço (“João”). Nele se enfatiza o papel decisivo da organização na criação de um corpo “monolítico e atuante” e se definem, pela primeira vez, os deveres e direitos dos militantes e dos órgãos responsáveis do partido. Como João Madeira enfatiza na sua História do PCP, trata-se de um dos raros documentos em que se individualiza de forma concreta o “culto da personalidade”. Nas palavras de Dias Lourenço, os erros cometidos podiam ser facilmente analisados pela prática comum:

“É inegável ter existido nas nossas fileiras, por exemplo, o culto do camarada Álvaro Cunhal. Todos sabemos como depois da prisão, o ‘culto da sua personalidade’ ocasionou ao Partido algumas dificuldades. O camarada Álvaro Cunhal sempre repudiou firmemente toda a manifestação de destaque da sua pessoa por vezes até de uma forma menos política. Mas como é compreensível, o culto da personalidade (…) [só se elimina] no terreno político e, sobretudo, através da discussão ideológica e de medidas orgânicas indispensáveis”14.

E “sobre os erros da política disciplinar”, Dias Lourenço (“João”) iria igualmente longe na sua análise apresentada no informe ao V Congresso:

“Algumas vezes foram expulsos ou afastados do Partido camaradas cujas faltas não justificavam tão pesadas sanções. (…) No caso, por exemplo, de alguns camaradas intelectuais damos provas de um obreirismo fechado no julgamento de algumas das suas posições erradas muitas vezes filiados nos defeitos da sua formação ou nos vícios do seu trabalho. (…) Esta política disciplinar em nada contribuiu para elevar o prestígio do partido e da sua direção”15.

Porém, o informe apresentado por Dias Lourenço (“João”) dirigia-se fundamentalmente para as lições a retirar do centralismo adotado pelo Secretariado:

“Os dirigentes do Partido foram habituados durante estes longos e difíceis anos a resolver os mais sérios problemas dentro da centralização mais rigorosa e a impor com frequência decisões sem ouvir as opiniões dos quadros que as deviam levar à prática”16.

A este centralismo, que Dias Lourenço (“João”) considerava em desacordo com os procedimentos de um genuíno centralismo democrático, contrapunha o informante uma “descentralização”, que moderasse e “aliviasse” as tarefas do Comité Central e que desse lugar a uma Comissão Política, com responsabilidades de decisão nos intervalos entre as reuniões do órgão central. Ao mesmo tempo, e para dar resposta aos abalos provocados pelas prisões constantes, o Informe propunha um alargamento do Comité Central, que saiu do V Congresso com 23 membros, entre eles Dias Lourenço (“João”)17. Do V Congresso, alguns rumaram aos seus locais de trabalho e outros, entre eles Dias Lourenço (“João”), Jaime Serra (Freitas) e Alexandre Castanheira (Fontes) partiram para Moscovo, onde participam nas comemorações do 40º aniversário da Revolução de Outubro e na Conferência Internacional dos Partidos Comunistas, em novembro de 1957.

Com o V Congresso abria-se para o partido um campo de discussão interna (não concluída no próprio Congresso) e de reconstrução difícil do campo de “unidade anti-salazarista” que só as eleições de Humberto Delgado, e por um tempo muito curto, puderam de algum modo ajudar a resolver. Dias Lourenço estará de novo muito ativo no terreno, tanto na preparação da candidatura unitária de 1958 como, e principalmente, na difícil solução que foi preciso tomar para resolver a linha de fratura surgida no interior do partido quanto à necessidade de apoiar apenas uma das candidaturas que se perfilaram às eleições presidenciais de 1958. A candidatura de Arlindo Vicente surgira, para o PCP, como o momento ideal para pôr em prática uma linha de “unidade antifascista”, preconizada desde o V Congresso, e que parecia estar a dar frutos visíveis na capacidade de mobilização popular em torno do candidato, especialmente no Sul do país (Beja, Aljustrel, Lisboa). Porém, do Norte, outro grito se levantava e exigia o apoio a Humberto Delgado. O partido corria o risco de dividir-se nos apoios e, mais grave, de impedir uma eventual vitória das oposições (em eleições ou por golpe militar que viesse a suceder-se). Junto com outros, Dias Lourenço assinará a “Declaração” do PCP que abriu as portas dos militantes e do partido ao apoio à candidatura de Humberto Delgado18, um “terramoto” que abalou o regime, o país e o próprio PCP.

Humberto Delgado a votar nas eleições presidenciais de 1958.

Seguiram-se, contudo, prisões em grande número, (especialmente no final de 1958 e durante o ano de 1959), indissociáveis da exposição pública de muitos militantes e quadros nas campanhas de Arlindo Vicente e de Humberto Delgado. Dezenas de funcionários, muitos militantes e mesmo quadros com responsabilidades nos órgãos diretivos são presos, uns por exposição ou erro de conduta clandestina, outros por falta de cuidados conspirativos. Entre os quadros e membros de maior responsabilidade refiram-se, a título de mero exemplo, a prisão de Joaquim Gomes, Pedro Soares, Manuel Amador, José Magro, Carlos Aboim Inglês, Domingos Abrantes, Afonso Gregório, Alda Nogueira ou Sofia Ferreira. A estas prisões de membros com grandes responsabilidades locais e nacionais, junta-se a “traição” de alguns responsáveis, como Manuel Amador (Borges), funcionário e membro do Comité Central.

Repetia-se o mesmo cenário de uma década antes, quando muitos responsáveis haviam sido presos na sequência da campanha eleitoral de Norton de Matos. O partido aparecia outra vez decapitado e isso não passará despercebido ao núcleo dos principais dirigentes, presos desde essa altura em Peniche, onde se impunha a personalidade de Álvaro Cunhal. Dois anos depois desta hecatombe, Cunhal será implacável na crítica às escolhas dos membros com responsabilidades de direção e nas falhas de política conspirativa, ao mesmo tempo que encetava a sua crítica à política de “transição pacífica” e às falhas de organização da Direção que teriam conduzido o partido a uma “situação caótica anárquica nos finais de 1959”19.

Inspiração para um novo fôlego – a “transição pacífica não impedirá a insurreição popular”

Como que a responder a este desastre de condução prática da política de alianças e à crise de identidade do partido, Dias Lourenço (“João”) trará da Conferência de Moscovo inspiração para um novo fôlego:

“Depois dos acontecimentos da Hungria, em 1956, que puseram rudemente à prova a têmpera marxista-leninista dos Partidos Comunistas e Operários, e a solidez dos laços do internacionalismo proletário, a Conferência de Moscovo permitiu reafirmar certos princípios fundamentais do marxismo-leninismo de que alguns dos nossos se tinham deixado progressivamente afastar”20.

Tal inspiração permitiria que o Comité Central do partido se reunisse no período pós-eleitoral (que tinha sido seguido de numerosas greves contra a burla eleitoral por todo o país) para (re)colocar o problema de “uma solução pacífica para o problema político português”, com manifestações públicas no Avante! e também n`O Militante, neste último caso num texto da autoria de ‘João’”, como sabemos, o pseudónimo de Dias Lourenço21.

O período pós-delgadismo seria de difícil gestão para todas as oposições, e por maioria de razão para o PCP, pela sua natureza de partido clandestino e com aspirações hegemónicas na condução da mobilização eleitoral e anti-fascista. Na verdade, a derrota provada da via eleitoral parecia conduzir a uma conclusão evidente – a de que a Ditadura jamais cairia por meios pacíficos e eleitorais. Porém, como “João” considera no seu artigo n`O Militante, as eleições de 1958 tinham igualmente demonstrado que tinha sido possível mobilizar amplas camadas populares e da pequena e média burguesia por soluções pacíficas, mas que essas camadas da população não estariam dispostas a participar numa luta violenta contra o regime. Como compatibilizar então esta massificação da política por meios pacíficos com os princípios do marxismo-leninismo e da luta de classes, repudiando a conciliação de interesses? O Comité Central do partido tinha dado a conhecer a tática para dar resposta à situação complexa que se vivia e “João” (Dias Lourenço) dava-lhe eco no seu artigo já referido:

“Lutar ativa e consequentemente pela solução pacífica do problema político nacional, mas ao mesmo tempo prever e preparar as massas para a eventualidade de uma saída violenta, de insurreição popular – tal é a exigência histórica que se coloca atualmente às forças patrióticas do nosso país”22.

Mais do que uma tática para o futuro, esta parecia antes uma explicação para a complexidade e para a falta de resposta política daquele momento, ou seja, uma justificação para o insucesso de todo o processo político ocorrido com as eleições de 1958. E, simultaneamente, uma resposta às vozes críticas do partido que começavam a desconfiar dos “papéis” e das “eleições” e a afirmar que Salazar só cairia “à pancada”. Que afirmava o artigo de “João”? Que ainda existia a possibilidade de “uma solução pacífica” e que esta solução não dispensava de modo nenhum a “resistência aberta”, ou seja, a insurreição violenta. Porém, esta insurreição só seria possível quando todos os “fatores de unidade se [manifestassem] no seu mais elevado grau”. Por outras palavras, as eleições de 1958 tinham falhado e o movimento de massas estava longe de ter atingido “o mais elevado grau” de mobilização, pelo que se tornara inviável a “insurreição”. Que fazer então, perguntava “João”? Alargar e coordenar os campos de luta – camponesa, operária, civil e militar, e aguardar que o futuro permitisse uma nova situação favorável de “unidade antifascista”, em conjugação com as camadas da pequena e média burguesia interessadas na remoção do regime. Não se tratava, portanto, de menorizar a estratégia antifascista; ao contrário, agregar todos os antifascistas disponíveis seria antes a condição indispensável para levar por diante a “insurreição armada”.

Aproximavam-se, contudo, tempos de mudança, e Dias Lourenço não deixaria de ser, de novo, um dos seus protagonistas. Sabia-se bem – porque a osmose de informação entre os que estavam presos em Peniche e os que se mantinham livres e clandestinos era real -, que o núcleo de prisioneiros de 49, entre os quais se encontrava Álvaro Cunhal -, olhava a situação do partido de forma crítica, em finais de 1958. Mas também se sabia que o partido corria o risco de definhar se não pudesse rearmar-se com os que estavam presos e que eram, no final de 1959, alguns dos mais influentes dirigentes do PCP. Por isso, a histórica “Fuga de Peniche”, que colocou no exterior dez dos mais importantes dirigentes e quadros do PCP, fulcral para a renovação (e mesmo para a sobrevivência) do partido, foi encarada como uma tarefa central durante todo o ano de 195923. Para ela foram dirigidos importantes esforços materiais e humanos, arriscando-se a prisão de outros dirigentes, designadamente os que participaram na sua organização no exterior: Octávio Pato, Pires Jorge, entre outros. Dias Lourenço estará entre os seus principais estrategas e organizadores: aliciou o guarda Jorge Alves para ser o principal cúmplice dos prisioneiros no interior do forte, obteve o apoio do médico Carlos Plácido de Sousa para o fornecimento de um anestésico paralisante e esteve no centro das operações finais de resgate dos prisioneiros, com recurso a estratagemas de comunicação e ao aluguer de viaturas para transportar os presos do Forte de Peniche para Lisboa ou para os seus arredores24.

Desenho de Margarida Tengarrinha, onde pode ser visto o percurso da fuga.

Para quando a Revolução socialista?

Já muito próximo do fim de vida, Dias Lourenço (que temos vindo a seguir) mostrava-se confiante quanto ao futuro do socialismo. Também o capitalismo levara décadas a ultrapassar as barreiras do feudalismo e da servidão. O espírito do homem nunca será menor se mantiver no horizonte a libertação futura da Humanidade.

O partido sempre se considerou a “vanguarda da classe operária”, aquela corrente condutora da libertação do homem explorado por outros homens. Mas, ao mesmo tempo, nunca parece ter ignorado que a “vanguarda” se não pode confundir com a vontade aventureira de uma meia dúzia de homens decididos, isolados, e por isso condenados ao fracasso. Que para engrossar a luta seria preciso juntar-lhe outros trabalhadores e outras camadas populares. E que, num país dominado por uma ditadura fascista – uma fórmula política especialmente repressiva e conservadora das oligarquias dominantes – e fracamente industrializado e urbanizado (com uma larga camada de “camponeses-proprietários” a viver de modo arcaico), uma vanguarda operária e socialista que não buscasse alargar-se a outros setores da sociedade estaria sempre condenada ao isolamento e ao insucesso.

Por isso, a matriz do PCP foi, sempre, desde a fundação, em 1921, de frentismo antifascista. Propôs a “Frente Unida”, em 1922-23, ao Partido Socialista e à CGT, mas sem hipótese de entendimento: os primeiros optaram por uma política “intervencionista” e parlamentar, enquanto os últimos se colocaram ao lado de qualquer frente unida ou eleitoral. Propôs uma Frente Popular, em 1937, a republicanos, socialistas e anarquistas, mas numa fase em que só na clandestinidade ou no exílio era possível conceber uma ação conjunta. E essa claudicou com a queda do Frente do Ebro, na Catalunha de 1939. Voltou a propor uma frente eleitoral unida em 1944-45, agora em território nacional e com o apoio de vastos setores da pequena e da média burguesia urbana. Porém, o regime fascista estava já muito fortemente instalado para permitir a realização de eleições livres e de uma transição democrática.

Contudo, nos anos 50, o PCP não desistiu de criar frentes eleitorais com as oposições republicanas e socialistas. Em 1957, na sequência do I Congresso Republicano de Aveiro, para as eleições de deputados da Assembleia Nacional e, em fevereiro/março de 1958, para as eleições presidenciais que propuseram a candidatura única de Humberto Delgado.

Sem menosprezar os planos revolucionários do PCP – e houve-os, sem dúvida, antes e durante o PREC (no pós-25 de Abril) -, não deixa de ser pertinente questionar-nos sobre se o PCP alguma vez considerou ter havido condições objetivas para o lançamento de uma ação revolucionária vanguardista em Portugal (aí incluindo o período revolucionário de Abril). A este facto, que consideramos de relevo, não terá sido alheia a realidade recuada imposta pela formação económica e social portuguesa e a estratégia de frente antifascista a que um partido de programa revolucionário se via na inevitabilidade de apontar como o único caminho possível para a libertação do país.


Bibliografia sucinta:

Farinha, Luís Farinha, António Dias Lourenço, Uma Voz do Povo na Constituinte e na Assembleia da República, Assembleia da República, Lisboa, 2020

Farinha, Luís, “O Frentismo – “A Frente Nacional Anti-Salazarista” (1956-1958), in Lutas Velhas Futuro Novo, Dinossauro, Lisboa, 2009

Madeira, João, História do PCP, Tinta da China, Lx., 2013

1Artigo de «João» (António Dias Lourenço) «Acerca da Possibilidade de uma Solução Pacífica do Problema Político Português, in O Militante, Boletim do Comité Central do Partido Comunista Português, Ano 25º III Série, nº 97, outubro de 1958, p.1-2

2 Pela Resolução do Conselho de Ministros de 14 de junho de 1947 são reformados compulsivamente os seguintes implicados no Proc. Da PIDE nº 737/47: General José Garcia Godinho, Brigadeiros Vasco de Carvalho, Eduardo Corregedor Martins e António de Sousa Maia, coronéis Luís Gonzaga Tadeu, Carlos Tavares Afonso dos Santos, Capitão Francisco Marques Repas e tenente José Joaquim Gaita. Sem prejuízo das penas aplicadas, são também reformados o Almirante José Mendes Cabeçadas e o capitão-tenente Manuel Lourenço Pires de Matos.

3 Em 1949 estão presos alguns dos seus mais importantes dirigentes, muitos membros do Comité Central e do Secretariado: Dias Lourenço (dez.); rede de estudantes de Coimbra, onde avultava Arquimedes da Silva Santos (julho); Álvaro Cunhal e Militão Bessa Ribeiro, entre muito outros

4 Vide a esta propósito Francisco Louçã, “A Jaula Oligárquica: a Modernização Conservadora ao Longo do Séc. XX”, in O Século XX Português, Tinta da China, Lisboa2020, p. 1117-1203

5 As dificuldades para integrar os acontecimentos húngaros no quadro da evolução das democracias de Leste extravasaram o PCP para os seus adversários (embora potenciais aliados antifascistas) com uma virulência esperada: os republicanos históricos apontavam ao regime a necessidade de democratizar o país, como exigiam os cidadãos húngaros. Mas uma oposição mais liberal, como a de Cunha Leal, aproveitava para comparar a situação húngara à situação portuguesa, usando a ocasião para denunciar “o martírio da nobre nação húngara, vilmente espezinhada pelo selvático bolchevismo asiático…”. Em nota, acrescentava Cunha Leal: “As reclamações do setor oposicionista português são coincidentes com as dos revolucionários húngaros, a saber: a) eleições livres; b) reconhecimento da legalidade dos partidos (…); c) não inscrição compulsiva dos trabalhadores nos sindicatos nacionais, in Cunha Leal, Comentários a Afirmações do Sr. Ministro da Presidência, Lisboa, Editorial Inquérito, 1956, p.33-34

6 No MND vão destacar-se figuras como o Prof. Ruy Luís Gomes e Virgínia Moura. O primeiro irá apresentar-se como candidato à Presidência da República em 1951, mas a sua candidatura foi rejeitada pelo aparelho jurídico-administrativo salazarista. Também no seio do MND e entre este movimento e o PCP diminuíram as possibilidades de ampliação da unidade democrática, até à sua dissolução em 1955

7 Em 1949, para além de outras prisões de vultos menores, o PCP vê-se diminuído pelas prisões de Álvaro Cunhal e de Militão Ribeiro, numa altura em que habitavam uma casa clandestina no Luso, juntamente com Sofia Ferreira, também ela presa

8 A VI Reunião Ampliada do Comité Central consagrará «as bases da viragem política que, a coberto do sectarismo, iam germinando», considera João Madeira na sua História do PCP, op. cit. P. 222

9 Vide «O Caminho para uma Ampla Frente Nacional Anti-Salazarista», in João Madeita, op. cit., p. 223-224

10 António Dias Lourenço (João), «Intervenção de Abertura da VI Reunião Ampliada», Avante!, VI Série, nº 204, setembro de 1955, in João Madeira, op. cit., p. 222

11 O ano de 1957 será, pois, decisivo na constituição de uma «frente nacional anti-salazarista». São disso exemplo o 1º Congresso Republicano de Aveiro, realizado por iniciativa do comunista Mário Sacramento em outubro de 1957 e as listas unitárias à eleição de deputados (círculos de Aveiro, Braga, Lisboa, Porto). No final desse ano, multiplicaram-se os contactos para a escolha de um «candidato único» das oposições à Presidência da República. Vide a este propósito Luís Farinha, «O Frentismo – A Frente Nacional Anti-Salazarista (1956-1958)» in Lutas Velhas Futuro Novo, Dinossauro Edições, 2009, p. 17-32

12 Significativo sobre este ponto de vista da unidade antifascista foi a realização do I Congresso Republicano de Aveiro (6 de outubro de 1957), organizado por republicanos, socialistas e comunistas, onde sobressaía Mário Sacramento, e presidido por António Luís Gomes, o último ministro vivo do Governo Provisório que implantara a I República. Para além de outros problemas discutidos, também as candidaturas unitárias eram um objetivo a atingir. Vide, a este propósito, Luís Farinha, «Aveiro, Capital da Oposição», in Os Anos de Salazar (Coord. António Simões do Paço), nº 29, Planeta de Agostini, Lisboa 2008, p.48-57

13 A questão colonial é fraturante dentro e fora do PCP. No entanto, é entre as posições do PCP e as posições das oposições social-democratas que as divisões são mais cavadas. Enquanto o PCP defendia o fim imediato da Guerra e negociações para uma transição pacífica na Índia (desde 1954), liberais como Cunha Leal julgam ser vantajosos manter alguma pressão militar para obter uma negociação e uma transição pacífica e sem guerra

14 Vide «Sobre os Problemas da Organização», in João Madeira, op. cit., p. 283

15 V Congresso do PCP – Sobre os problemas de organização e os Estatutos do Partido, Edições Avante!, outubro de 1957, in J. Pacheco Pereira, op. cit., p.377

16 Idem, ibidem, p. 495

17 Este é o quadro dos nomes apresentado por J. Pacheco Pereira que, no entanto, coloca dúvidas quanto à pertença de Gui Lourenço, Virgínia Moura e Manuel Valadares. Vide J. Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal O Prisioneiro, op. cit., p. 499

18 Assinado pelos principais nomes do CC (Júlio Fogaça, Pires Jorge, Jaime Serra, Octávio Pato, Sérgio Vilarigues e Dias Lourenço, entre outros), a «Declaração do Partido Comunista Português» sairá a público no jornal Avante!, nº 255, maio de 1958

19 Depois da fuga de Peniche e de retomar o seu cargo efetivo no Comité Central e no Secretariado (como Secretário-Geral), Cunhal será decisivo na mudança de rumo do partido com profundas críticas ao designado «desvio de direita», consagrada no V Congresso (1957) e com críticas à forma de organização levada a cabo pelos órgãos diretivos, num texto que ficou para a posteridade: Comité Central do PCP, «A tendência anarco-liberal na organização do trabalho de Direção», Edições Avante!, dezembro de 1960

20 Vice «Informe da Comissão Política ao Comité Central do PCP – Relator: João. O Internacionalismo proletário e as tarefas do Partido», Edições Avante!, agosto de 1958

21 Vide [António Dias Lourenço] «João», «Acerca da possibilidade de uma solução pacífica para o problema político português», O MIlitante, Ano 25, III Série, nº 97, outubro de 1958, p. 1-2

22 Idem, ibidem

23 1959, apesar das sucessivas prisões de membros do partido, não deixa de ser também, como sempre aconteceu a seguir às grandes crises no PCP, um ano de reorganização e de reação à derrota. Para além de começar a preparar-se a «Fuga de Peniche», fundam-se novas casas clandestinas com jovens chegados ao partido e instalam-se novas tipografias. Adelino Silva conta que, em julho e agosto desse ano, Dias Lourenço esteve na origem de uma nova casa clandestina (e tipografia), que foi instalada na Rua Tomás Cabrera (Bairro Santos, Lisboa). Pela nova casa ficaram responsáveis Adelino Silva e a jovem Alice Capela (oriunda também de uma família com longa história de luta antifascista). Nessa tipografia, Alice Capela ficou responsável pela produção, com o recurso a um copiógrafo, de «A Voz das Camaradas» e de «O Militante». Dali, o jovem casal partiria para a fundação de uma nova casa na Lagariça (Pinheiro de Loures). Depoimento de Adelino Silva, 4 de outubro de 2019

24 A Fuga de Peniche, pelo seu caráter heroico e fundamental na renovação do PCP e da sua linha política estratégica, teve numerosos relatos, alguns vindos dos próprios participantes e outros da imprensa do partido. Mencionaremos duas dessas fontes oficiosas: «A fuga do Forte de Peniche. Razões do êxito e deficiências verificadas», in O Militante 111, julho de 1961; «A fuga de Peniche», in 60 Anos de Luta, Edições Avante!, 1981. Pela informação recolhida, inclusive junto de protagonistas da fuga, merece ser mencionado o relato de J. Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal Prisioneiro, op. cit., p. 702-732. Contudo, a sua preparação minuciosa inclui a participação de muitos outros elementos (entre militantes e casas de apoio do partido), constituindo partes de um puzzle que só era conhecido, na sua totalidade, dos principais organizadores: Pires Jorge, Octávio Pato e Dias Lourenço. Adelino Silva, na altura um jovem de 20 anos, já funcionário do partido, foi levado a tirar a carta de ligeiros (por Pires Jorge), a fazer sucessivas viagens à zona Oeste (Torres Vedras, Atouguia da Baleia) durante o ano de 1959, algumas vezes acompanhado pela sua jovem companheira Alice Capela e por Pires Jorge. Nunca percebeu na altura por que razão realizava essas viagens de «reconhecimento» da zona oeste: paisagens, estado das estradas, postos da Polícia de Viação e Trânsito, tudo lhe pediam para observar. No dia aprazado (e também antecipado por razões operacionais) de 3 de janeiro de 1960, Pires Jorge pô-lo a conduzir um FIAT 1400 e mandou-o estacionar na estrada de saída para a Atouguia da Baleia. O carro estava destinado a conduzir 4 fugitivos, mas acabou por transportar seis, incluindo Álvaro Cunhal. Dali, o FIAT seguiu para Runa, onde uma «casa de apoio», montada pelos pais de Adelino, recebeu e instalou dois dos fugitivos, o guarda cúmplice da fuga e Joaquim Gomes, um dos fugitivos. Adelino, filho dos donos da «casa de apoio» de Runa não conhecia o caminho para essa casa dos próprios pais. Foi Pires Jorge que o conduziu até lá. De seguida, o FIAT foi conduzido com os restantes fugitivos (Álvaro Cunhal e Jaime Serra) para Lisboa, rodeando com o maior cuidado os postos da Polícia de Viação e Trânsito existentes pelo caminho (Loures e Lumiar). Destino: marginal, S. João do Estoril, onde ficava a casa de Pires Jorge, que depois se encarregou de instalar Álvaro Cunhal numa casa do Penedo (Sintra). Adelino nunca mais

viu os pais (casa de apoio de Runa), porque mergulhou de novo na clandestinidade, antes de ser preso em 1963. Depoimento de Adelino Silva, 4 de outubro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Ex-Diretor do Museu do Aljube Resistência e Liberdade. Investigador no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
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