Entrevista

Li Anderson: “Há países onde forças mais progressistas estão a manter a agenda do trabalho viva”

09 de maio 2025 - 21:54

Em entrevista ao Esquerda.net, a eurodeputada da Aliança da Esquerda e ex-ministra da Educação da Finlândia, Li Anderson, fala sobre a agenda progressista para o trabalho na União Europeia e a exploração de mão-de-obra irregularizada.

porDaniel Moura Borges

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Li Anderson
Li Anderson. Fotografia de Gabriela Carvalho.

As economias europeias estão a aproveitar-se de mão-de-obra irregularizada para baixar o valor do trabalho. Essa mão-de-obra migrante entra nos países europeus para suprir as necessidades causadas pelas crises demográficas europeias, mas acabam por ser ultra-precarizadas e super-exploradas. Isso tem um impacto em todo o mercado de trabalho europeu.

Em entrevista ao Esquerda.net, a eurodeputada da Aliança de Esquerda da Finlândia, ex-ministra da educação e ex-líder do seu partido, fala sobre os desafios na agenda laboral europeia, os ataques que a extrema-direita faz aos trabalhadores e o modelo de imigração da UE.


A União Europeia atravessa uma crise demográfica, que tem sido suprida por trabalho migrante. Mas a direita tem atacado os imigrantes enquanto os explora. Há aqui uma contradição?

A mudança demográfica é uma realidade na UE. Se olharmos apenas para os números, é bastante claro que a nossa força de trabalho está a diminuir constantemente. Diminuirá será cerca de um milhão por ano até 2030. É claro que existem várias soluções para isso, porque também temos pessoas sub-representadas no mercado de trabalho. Ainda existem países na UE onde as mulheres não podem participar plenamente no mercado de trabalho. Todos os países da União Europeia enfrentam grandes desafios com pessoas com deficiência, por exemplo. Elas não participam plenamente no mercado de trabalho. Não gosto do discurso que associa a imigração apenas à necessidade de mão-de-obra na Europa. Penso que a política de imigração deve basear-se no respeito pelos direitos fundamentais e pelos direitos humanos.

Em termos de direitos laborais, que salvaguardas podemos dar aos trabalhadores migrantes?

Precisamos de garantir que os direitos de todos são respeitados de forma igualitária no mercado de trabalho. Temos um problema na Europa com a exploração dos trabalhadores migrantes, tanto nestas situações transfronteiriças, como também dentro dos países. Precisamos de trabalhar ainda mais para reforçar os acordos de contratação coletiva, os sindicatos, os serviços de inspeção nacionais, para que possamos garantir que todos os que aqui trabalham também têm direito a um salário digno e ao mesmo respeito no que toca aos direitos laborais. 

Quis abordar o assunto porque tem sido um tema de campanha em Portugal. Temos milhares de pessoas que estão em situações fragilizadas, com processos pendentes. Como é que nós como União Europeia, num sentido mais amplo e abrangente, implementamos estas políticas? 

É simples. Quanto mais políticas nacionais existirem para garantir que as pessoas não vivam sem documentos ou sem identificação, mais fácil será combater situações irregulares. Na Finlândia, antes de a extrema direita começar a alterar a política de migração tínhamos um sistema em que, se não fosse possível obter uma autorização de residência permanente por qualquer motivo, era concedida uma autorização temporária. Por que é que isso é tão importante? Porque significa que quando se está num país, se está lá legalmente e também se trabalha legalmente. Se começamos a restringir as possibilidades das pessoas de obter autorizações de residência, por exemplo, elas continuam a ter de viver de alguma forma. Terão de comer, terão de dormir em algum lugar, terão de pagar renda. Nesse cenário criam-se condições para o trabalho sem documentos e também para a exploração laboral, porque isso também significa que as pessoas não têm a possibilidade de formalizar o seu trabalho. 

A resposta é a regularização.

Ter um sistema de autorização de residência baseado na ideia de que, se uma pessoa está aqui por qualquer motivo que seja, deve poder fazê-lo oficialmente, ter documentos e ter pelo menos uma autorização de residência temporária. Essa é também a melhor forma de combater a exploração laboral. 

Li Anderson
Fotografia de Gabriela Carvalho.

Em Portugal, a agenda política da esquerda sobre trabalho tem-se centrado na recuperação de direitos perdidos durante a crise da Troika, mas também sobre propostas para trabalhadores por turnos ou sobre a semana de quatro dias. Que propostas sobre direitos laborais é que a esquerda apresenta no resto da Europa?

A nível europeu existem vários exemplos interessantes de países onde forças mais progressistas estão a manter a agenda do trabalho viva e também a implementar políticas. A Espanha é um exemplo, onde estão a avançar com uma reforma para uma semana de trabalho mais curta. A Polónia introduziu um novo dia livre, que não é super revolucionário, mas ainda assim é menos tempo de trabalho. Estão prestes a fazer uma experiência com uma semana de trabalho mais curta. Na Islândia, os sindicatos conseguiram aprovar uma reforma baseada num acordo coletivo para a redução do horário de trabalho. Na verdade, penso que existem exemplos inspiradores de diferentes sítios da Europa sobre a necessidade deste tipo de políticas progressistas. A Finlândia é, de certa forma, um péssimo exemplo, porque aquilo por que lutamos atualmente na Finlândia são os pilares essenciais de todo o nosso modelo de mercado de trabalho, que a extrema-direita está a tentar desmantelar. Restringiram o direito à greve e agora estão a promover uma reforma que tornará mais caro ser sindicalizado, o que levará a uma queda na taxa de sindicalização. Estão a atacar os sindicatos de uma forma que nunca vimos na história da Finlândia. 

Como caracterizarias esse ataque?

Estão a fazer uma grande mudança no sistema. A tirar a Finlândia do contexto nórdico e a transformá-la num país mais parecido com os da Europa Oriental no que diz respeito à legislação laboral. Acho que a Finlândia é um exemplo assustador do que a extrema-direita realmente faz quando chega ao poder. Quais são as suas políticas reais no que diz respeito aos trabalhadores? Fazem enormes cortes fiscais para os rendimentos mais elevados e para as empresas e, ao mesmo tempo, limitam os direitos laborais fundamentais. A nível europeu estamos a ver uma luta muito grande. Será uma luta enorme durante este mandato sobre a direção que a União Europeia irá tomar, por exemplo, no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores e às questões do mercado de trabalho. 

As economias periféricas europeias, como Portugal e Espanha, estão construídas sobre o turismo. Ao mesmo tempo, formamos cada vez mais gente. Estamos a criar um sistema de fuga de cérebros da periferia para o centro?

O primeiro exemplo que me vem à cabeça é a Grécia, onde se verificou uma enorme fuga de cérebros, de pessoas com maior nível de instrução, após a crise. Isso demonstra que existe esse perigo. Uma questão que tenho vindo a abordar é que, agora que a Comissão tenciona conceder um tratamento especial à defesa em termos de regras orçamentais, devemos fazer o mesmo com o investimento na investigação e na educação, por exemplo. Também precisamos de instrumentos financeiros e incentivos para que os Estados-Membros invistam na investigação e na educação, que não existem atualmente a nível europeu, porque, até agora, o único dinheiro que tem beneficiado de um tratamento especial é o dinheiro destinado à defesa. Essa seria uma forma, penso eu, de abordar a questão. Mas o maior problema nesta questão está ainda relacionado com as políticas de migração. Porque a UE está a construir a sua própria política de migração com base na contratação de trabalhadores qualificados de fora da União Europeia. Isto já se vê em países bastante próximos como na Albânia.

Em Portugal também se criaram residências especiais para atrair quadros qualificados de outros países.

Exatamente. Se olharmos para os Balcãs, por exemplo, que perdem médicos recém-formados de que precisariam na sua própria força de trabalho, percebemos que isso realmente cria essa periferia da União Europeia. Esse desequilíbrio. A discussão real que devemos ter é que a UE vê a migração como uma via de sentido único em que podemos escolher o que queremos. O que é que a UE está a dar em troca? Qual é a relação entre a União Europeia e o mundo exterior? Isso devia fazer parte da discussão sobre o mercado de trabalho. 

Maria Luís Albuquerque, comissária europeia responsável pelos Serviços Financeiros e pela União da Poupança e dos Investimentos, tem sugerido a facilitação da utilização das pensões dos cidadãos europeus para investimento na indústria militar. Esta é uma ameaça ao sistema de pensões da UE? 

Ouvi dizer que essa ideia é muito popular no Partido Popular Europeu [partido político europeu, ao qual pertencem o PSD e o CDS]. A ideia de utilizar todo o dinheiro das pensões para as necessidades de investimento que temos atualmente. Penso que há melhores formas de obter dinheiro do que utilizar as poupanças das pensões das pessoas. O meu partido é a favor de mais receitas para a União Europeia, pelo que poderíamos ter impostos ambientais, poderíamos tributar os ricos, poderia haver um imposto digital real para as grandes empresas de redes sociais. Tudo isto poderia ser utilizado para as necessidades de investimento da União Europeia, quer seja no domínio do clima, da energia ou noutro qualquer.

Daniel Moura Borges
Sobre o/a autor(a)

Daniel Moura Borges

Militante do Bloco de Esquerda.