No elenco dos responsáveis pelas políticas de saúde do Governo, a direção da secção regional do Norte da Ordem dos Médicos conquista mais um lugar-chave. O médico António Maia Gonçalves foi escolhido para ocupar o lugar de coordenador do Plano de Ação de Envelhecimento Ativo e Saudável, anunciou o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social na passada sexta-feira.
Segundo a nota do Ministério divulgada pela imprensa, Maia Gonçalves já deixou o cargo de diretor executivo médico da Unilabs Portugal, embora na página da empresa o seu nome ainda conste nesse cargo. Em 2023, foi escolhido por Eurico Castro Alves para candidato a coordenador da Comissão de Deontologia e Ética Médica da secção regional do Norte da Ordem dos Médicos.
Despacho do Governo assinado por colega de lista à Ordem dos Médicos
Maia Gonçalves torna-se assim o quinto elemento da lista “Dar Voz aos Novos Tempos”, que em 2023 tomou conta da Ordem dos Médicos a norte, a assumir cargos de topo na política de saúde do Governo do PSD: a primeira foi Ana Povo, atual secretária de Estado da Saúde e que assinou o despacho de exoneração do antecessor de Maia Gonçalves - o despacho de nomeação deste ainda não foi publicado; o segundo foi o próprio líder da lista, Eurico Castro Alves, chamado para coordenar o Plano de Emergência para o SNS e anfitrião das férias do primeiro-ministro no Brasil no ano passado; o terceiro foi Gandra d’Almeida, nomeado diretor executivo do SNS; e o quarto foi Alberto Caldas Afonso, agora à frente da Comissão Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente.
Saúde
Eurico Castro Alves, sombra de ministra, “o melhor de dois mundos” na Saúde
porLuís Branco
O trabalho de Maia Gonçalves na comissão de Deontologia e Ética Médica da secção regional do Norte da Ordem dos Médicos, à semelhança das outras comissões incluídas na lista que venceu essa eleição, foi descrito por Eurico Castro Alves na tomada de posse como “o pulmão do exercício deste mandato, porque é destas comissões que vai emanar o conhecimento, a sabedoria, a experiência e as ideias que depois vamos poder defender e pôr em prática”.
Face à polémica sobre a sua indicação para a comissão de acompanhamento do plano de emergência que ele próprio elaborou, Castro Alves decidiu deixar o lugar na comissão, onde estava por indicação da Ordem dos Médicos.
Entretanto, segundo o jornal Público, mais de mil pessoas já assinaram a carta aberta “Garantir a independência da Ordem dos Médicos: haja decência!”, lançada por um grupo de médicos contra o que considera ser um conflito de interesses instalado pela participação de dirigentes da Ordem em cargos de nomeação política.
Médico anti-eutanásia, escreveu livro nomeando comprimidos para morrer em casa
Aos 59 anos, António Maia Gonçalves é o irmão mais novo de quatro, numa família com tradições militares. Luísa, a única irmã, fez carreira no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que chegou a dirigir durante quase dois anos, saindo em rota de colisão com a ministra Constança Urbano de Sousa em 2017. Tal como o pai e os irmãos rapazes, António Maia Gonçalves estudou no Colégio Militar. Depois optou pela Medicina e foi médico do Exército na década de 1990, vindo a especializar-se em Cuidados Intensivos. Dirigiu serviços de cuidados intensivos em hospitais públicos como o Pedro Hispano em Matosinhos e também na CUF do Porto e na Casa de Saúde da Boavista, onde ainda exerce. Entre 2020 e 2024, foi diretor executivo da Unilabs.
Católico assumido, fez o mestrado em bioética na universidade de Navarra, fundada pela Opus Dei, seguindo para o doutoramento na área feito na Católica. Interveio no debate público contra a eutanásia e ficou conhecido do grande público ao lançar em 2018 o livro “Reanimar? Histórias de bioética em cuidados intensivos”. Entrevistado pelo Diário de Notícias, António Maia Gonçalves defendeu que se a eutanásia “alguma vez for um direito de cidadania em Portugal, o médico deve estar fora disso”, olhando para a morte assistida como um “direito de cidadania, um ato pessoal, é assim que deve ser processado”. Questionado sobre se a participação do médico não poderia garantir um sofrimento menor, respondeu: “Eu até digo aí no livro o nome dos comprimidos. Toma-se meia dúzia de comprimidos em casa, em jejum, talvez até um primperan antes para ver se não vomita, e pronto. E não se morre entre estranhos, morre-se em casa”.
Dois anos depois, aceitou o convite do líder do CDS para integrar o “grupo dos 8”, reunido por Francisco Rodrigues dos Santos para planear a recuperação do país face à pandemia da covid-19. Em 2021, participou no grupo que elaborou o programa eleitoral do CDS para as eleições em que o partido, pela primeira vez na sua história, ficou à porta de São Bento. Em 2023, com a lei da morte assistida já promulgada contra a vontade de Marcelo Rebelo de Sousa, continuou a criticá-la.
Anterior presidente da comissão tinha coordenado estratégia europeia e teve cargo na ONU
O antecessor de Maia Gonçalves, exonerado pelo Governo, foi o médico Nuno Marques, responsável por implementar o Plano de Ação de Envelhecimento Ativo e Saudável que duraria até 2026, Em declarações ao Jornal de Notícias, afirmou estar preocupado com a suspensão do plano, que lhe foi comunicada com o seu afastamento: “todas as atividades que estavam em curso, com uma taxa de execução de mais de 70%, ficam postas em causa”, ficando apenas as que estão ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), alertou.
Este plano, acrescenta o JN, “criou e geriu alertas para rastreios de saúde, serviu de base para 140 planos municipais, possibilitou a realização de formações a idosos e dirigentes de instituições e criou vários projetos como o Radar Social, em que equipas identificam e mapeiam os cidadãos mais vulneráveis”.
Durante o seu mandato, Nuno Marques foi eleito vice-presidente do grupo de trabalho para o envelhecimento das Nações Unidas e coordenador da monitorização da estratégia europeia do envelhecimento, vendo o seu trabalho reconhecido internacionalmente pelo facto de Portugal ter sido pioneiro na União Europeia na adoção de um plano para o envelhecimento ativo.
Em nota enviada às redações, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social rejeita que o plano em vigor tenha sido extinto, embora esteja “a ser objeto de reavaliação para que possa ser ampliado, tornando-se mais abrangente”. Segundo o Ministério, “será criada uma estratégia para a longevidade onde o plano se irá integrar. A nova orientação resulta da necessidade de dar uma resposta mais holística, que olhe para a pessoa no seu todo e que a prepare para um envelhecimento com saúde”.
Esta nova orientação governativa é replicada numa recomendação do CDS ao Governo para “o desenvolvimento de uma Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e para a Longevidade”, que será debatida esta sexta-feira no Parlamento, a par de várias outras propostas sobre política para os idosos.