Nascido no Porto em 1961, foi aqui que Eurico Castro Alves (ECA) se tornou cirurgião e integrou os quadros do Hospital de Santo António, onde dirige o Departamento de Cirurgia. Pelo caminho foi acumulando nomeações para cargos públicos na saúde e negócios na saúde privada. O ponto alto da sua vida política durou poucas semanas, quando foi nomeado em 2015 secretário de Estado da Saúde no segundo Governo de Passos Coelho, condenado à nascença pelo chumbo da esquerda no Parlamento. “Fiquei com o melhor dos dois mundos: fiquei com o título de ter sido secretário de Estado mas não tive o trabalho, eu só lá estive um mês”, diria depois, em tom de brincadeira.
Foi anfitrião das férias de verão do primeiro-ministro, que recebeu na sua casa de luxo no litoral brasileiro, pouco depois do regresso da direita ao poder ao fim de oito anos. ECA estava então a coordenar a elaboração de um “plano de emergência” para o SNS. Passados 100 dias, a ministra Ana Paula Martins reconhecia que apenas metade das medidas urgentes foram executadas nos três meses definidos no plano. Uma delas, justificada com a sobrelotação das urgências, foi a criação de um centro de atendimento clínico no hospital da Prelada para doentes reencaminhados com pulseira verde e azul. O investimento é de 65 milhões de euros. Nos órgãos sociais da Misericórdia do Porto, instituição privada de solidariedade social que gere aquele hospital, ECA figura como suplente da administração. Entre os efetivos, o responsável pelo Hospital da Prelada é Manuel Pinto Teixeira, companheiro na Comissão Política do PSD, sob Rui Rio, da atual ministra da Saúde e do ministro das Finanças. O Provedor, António Lopes Tavares, já foi deputado do PSD. Com as contas no vermelho, os 65 milhões que o Governo decidiu injetar neste hospital privado para atender utentes do SNS são uma ajuda importante para os cofres da Misericórdia laranja.
Numa entrevista em 2022, ECA defendia que o Estado não devia investir em hospitais onde já houvesse capacidade instalada das Misericórdias, pois “não tem dinheiro para gerir o que já tem.” E perguntava então: “Se os privados entenderem que podem instalar um recurso a funcionar a favor do cidadão, num sítio onde o Estado não esteja, porque é que o Estado não lhes há-de comprar esses serviços?”, sugerindo que, para comprar aos privados, já haveria o dinheiro que faltava para investir no público.
Ana Paula Martins foi formadora na empresa de Eurico Castro Alves
Nesse mesmo ano, ainda o PS governava com maioria absoluta, Ana Paula Martins e ECA partilharam a mesa da universidade de verão do PSD para discutir prioridades para a Saúde. Não foi um primeiro encontro. No início da pandemia já tinham partilhado uma conta bancária, onde recebiam fundos para a campanha “Todos por quem cuida”. O destino do dinheiro era apoiar “os profissionais da linha da frente a combater a Covid-19”, depois de convertido em equipamento de proteção ou outros materiais.
A ligação de ECA à atual ministra da Saúde prosseguiu em 2021, quando contratou Ana Paula Martins para dar formação num curso pós-graduado sobre farmacovigilância ministrado pela sua empresa, a Wise Healthcare Solutions . Curiosamente, apesar de anunciar a bastonária dos Farmacêuticos como formadora, a brochura reconhecia que a empresa ainda não tinha submetido o pedido de creditação do curso junto da Ordem. O seu sucessor no cargo, Hélder Mota Filipe, também integrava a lista de formadores e continua a colaborar com a Wise HS, por exemplo no curso para diretores técnicos de canábis medicinal inicialmente agendado para outubro e novembro deste ano e entretanto adiado para o início de 2025. Também agora, a creditação do curso por parte da Ordem só chegou depois de o bastonário estar anunciado como formador. O atual bastonário da Ordem dos Farmacêuticos foi vice-presidente do Infarmed entre 2005 e 2015 e nos últimos três anos nesse cargo esteve sob a presidência de ECA, antes de lhe suceder como presidente do Infarmed, quando ECA trocou o instituto pela efémera experiência governativa e depois pelos negócios na área da Saúde. Desta década no mundo dos negócios, confidenciou ao Esquerda.net ter retirado uma importante lição: “ser empresário é algo que exige muita prudência”.
A Secção Regional Norte da Ordem dos Médicos instala-se no Ministério da Saúde
A par da chegada do presidente do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos ao programa de emergência para a saúde, outros membros da sua equipa na Ordem dos Médicos ocuparam lugares chave no Ministério da Saúde.
O caso mais importante é o de Ana Povo, a atual secretária de Estado da Saúde, médica e investigadora que fez carreira no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) seguindo as pisadas daquele a que chama o seu mestre e exemplo de líder. No ano passado, Ana Povo substituiu ECA à frente do Centro Académico Clínico do ICBAS e integrou a sua lista ao Conselho Disciplinar da Ordem dos Médicos no norte. No seu perfil profissional no Linkedin, a atual governante refere ter trabalhado para a Wise HS enquanto cirurgiã entre 2016 e outubro de 2020. A empresa de ECA contratou também a sua irmã, Mónica Povo, para consultora sénior da Wise HS para o setor canábico, função que desempenhou de novembro de 2018 até ao ano passado, quando se tornou diretora para assuntos regulatórios da farmacêutica Bial. Ana, Mónica e ECA também lecionaram no mesmo curso da Universidade Fernando Pessoa, cuja aprovação recente de um curso de Medicina esteve envolta em várias polémicas.
À chegada ao Governo, prontamente saudada pela JSD como “um quadro de destaque da secção ocidental do Porto”, Ana Povo nomeou como adjunto Miguel Mendes Pinto, antigo consultor na Wise HS e também da IQVIA Portugal, empresa contratada pelo Ministério para o plano de emergência, suscitando acusações acerca de conflitos de interesses.
Questionado pelo Esquerda.net sobre se teria sido consultado sobre a formação da equipa ministerial que governa a Saúde, ECA negou e aproveitou para desmentir “os que andam por aí a dizer que eu mando” nos governantes. “Quem me dera!”, exclamou o ex-secretário de Estado, garantindo que com a efémera passagem pelo executivo em 2015, “a minha vida política acabou”, passando a dedicar-se ao lado empresarial, especializando-se em trabalhos de consultadoria. Mas para quem ainda tenha dúvidas, garante que “não fui convidado para o Governo”.
Sobre Ana Paula Martins e Ana Povo, ECA refere serem pessoas “muito competentes, que conheço há muitos anos, mas isso não quer dizer que mande nelas”. Falando numa altura em que se multiplicam os pedidos de demissão da ministra por não ter acautelado o funcionamento do INEM durante a greve dos técnicos de emergência, ECA insiste que “estão ali a dar o que podem e a fazer o seu melhor”. Reconhece as atuais dificuldades das duas governantes "com estas confusões” das últimas semanas. Mas mesmo sem essas “confusões”, o ex-governante diz que o Ministério da Saúde “é impossível de governar, tantas são as dificuldades”, o que só faz aumentar a sua “admiração” por quem esteja disponível para ocupar o cargo.
Entre a Ordem e academia
Outro próximo de ECA vindo da Secção Regional Norte da Ordem dos Médicos para o âmbito das nomeações ministeriais foi o orientador da sua tese de doutoramento, Alberto Caldas Afonso. O tema da tese foi o Sistema Nacional de Avaliação da Saúde, criado por ECA durante a sua passagem pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Caldas Afonso dirige o Centro Materno Infantil do Norte desde 2016 e é membro do Conselho de Disciplina da secção norte da Ordem, eleito com a atual secretária de Estado da Saúde na lista de ECA, “Dar Voz aos Novos Tempos”. Caldas Afonso foi nomeado em junho para a comissão do plano de emergência coordenado pelo seu antigo orientando e em julho para presidir à nova Comissão Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, criada no âmbito do plano de emergência com o objetivo de reorganizar as urgências obstétricas. Uma das primeiras medidas avançadas era fechar a porta das urgências às grávidas que ali se deslocarem por sua iniciativa e que passariam a ter de tocar à campainha.
Outro elemento da lista eleita para a Ordem dos Médicos, mas como vogal do Conselho Sub-regional do Porto, foi António Gandra d’Almeida, o militar que definiu ECA como “um lider nato” num vídeo de apoio. Com o PSD no Governo e Ana Paula Martins no Ministério, Gandra d’Almeida tornou-se diretor executivo do SNS. Nesse cargo, terá de ouvir as recomendações do grupo de trabalho que acompanha a execução do plano de emergência, coordenado por Carlos Robalo Cordeiro, o diretor da Faculdade de Medicina de Coimbra que acumula a direção do serviço de pneumologia da ULS de Coimbra com o trabalho no Hospital da Luz naquela cidade. Neste grupo de trabalho, a Ordem dos Médicos é representada por… ECA, o coordenador do plano. Uma presença que vê com naturalidade, insistindo em declarações ao Esquerda.net que fez questão de fazer o plano de emergência e “imediatamente sair” para não se envolver na sua execução.
Uma tese sobre o doutorando e os seus orientadores
A tese de doutoramento de Eurico Castro Alves, acerca do Sistema Nacional de Avaliação da Saúde que ele próprio criou durante a sua passagem pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS), foi apresentada no ano passado e teve dois co-orientadores. O primeiro foi o atual reitor da Universidade do Porto, António Sousa Pereira, que no site da ERS ainda aparece como responsável técnico da Wise HS, a empresa do orientando. No seu folheto de recandidatura ao cargo, o reitor diz que foi Presidente do Conselho Científico da Wise HS até 2018. Até então, era também Presidente do Conselho Estratégico da empresa de laboratórios Unilabs, dirigida pelo ex-deputado do PSD Luís Menezes. O reitor preside ao Conselho Consultivo da ERS desde 2020 e afirma que também “integrou a equipa que idealizou, criou, implementou e coordenou o projecto SINAS”, objeto da tese em apreço. O segundo co-orientador foi Álvaro Almeida, o ex-deputado do PSD que presidia à ERS no período em que o projeto do SINAS nasceu (2005-10). Defensor das Unidades Locais de Saúde privadas (modelo C), Álvaro Almeida participou em iniciativas do Instituto Mais Liberdade e assina o capítulo sobre Saúde no livro editado em 2023 por este think-tank ultraliberal.
Sem surpresa, a tese de doutoramento pode resumir-se na frase de conclusão: “Concluiu-se e foi possível demonstrar, com base em evidência, que a implementação da ferramenta SINAS, enquanto sistema de avaliação rigoroso, transparente e calibrado de forma objetiva, contribui de forma inequívoca para uma melhoria da oferta dos serviços de saúde”. Na realidade, a divulgação pela ERS dos resultados do SINAS já provocou situações embaraçosas, como quando dois hospitais PPP estavam entre os três melhores a tratar doentes com AVC, mas nenhum deles os tratava. Para chegar à sua conclusão, o doutorando recorreu a um inquérito em que mais de 98% dos inquiridos responderam afirmativamente à questão “Concorda que o SINAS contribuiu para uma melhoria significativa da qualidade dos cuidados de saúde?”. Além dos dois co-orientadores, entre as 101 pessoas inquiridas, todas “personalidades de reconhecido mérito e de que nos asseguramos estarem devidamente informados sobre o SINAS”, estavam alguns nomes referidos neste artigo: Ana Povo (que consta da lista inicial de agradecimentos), Manuel Serrão, Germano Sousa, Luís Montenegro.
A tese é rematada com “10 mandamentos”: reforçar o SINAS, torná-lo obrigatório para os prestadores de saúde, usá-lo para avaliar a performance das administrações, definir contratualizações com privados, alargando-o às clínicas e a vertentes não-médicas como a gestão dos estabelecimentos. Em breve saberemos se o atual Ministério irá obedecer aos mandamentos de ECA.
Wise HS: o que faz a empresa de Eurico Castro Alves?
Criada em março de 2016, depois da passagem de ECA pelo Governo, a atividade declarada da Wise Healthcare Solutions vai da prática de clínica especializada em ambulatório à formação profissional, passando pela consultoria de negócios. Em 2018, ECA falava numa entrevista deste “projeto novo e estimulante” e do seu contributo “em tempo parcial, como consultor sénior”, apresentando a empresa como “um conceito moderno e futurista de serviços, muito empreendedor e que pretende prestar serviços de consultadoria no âmbito da prestação de cuidados de saúde, quer ao lado das pessoas, quer ao lado das empresas”.
No seu site, a Wise HS publica cinco vídeos de figuras públicas a elogiar a empresa. Pelo menos duas fazem parte do círculo de amizades de ECA e da vida social portuense: o empresário Manuel Serrão e o jornalista Júlio Magalhães, ambos envolvidos na “Operação Maestro” que investiga fraude com fundos comunitários. No centro da operação está o jornal T, então dirigido por Serrão e onde a Wise HS fazia publicar anúncios de página inteira e também via publicados os seus press releases. O jornal é propriedade da ATP - Associação Têxtil e Vestuário de Portugal e as suspeitas incidem também sobre a associação Selectiva Moda. Além de marcar presença no salão MODtíssimo organizado por Serrão, a Wise HS participou em pelo menos uma iniciativa promovida por estas entidades com financiamento europeu, quando levaram várias PME ao Dubai para a exposição de equipamentos médicos Arab Health. Atualmente com sede nas instalações do CITEVE, em Famalicão, a ATP foi criada na mesma morada da Wise HS e de outras empresas com ligações a ECA. Ao Esquerda.net, ECA confirmou o investimento em publicidade paga no jornal T, explicando que o objetivo da Wise HS era conseguir “chegar aos empresários” do mundo da moda.
O setor da canábis medicinal era a grande aposta da Wise HS, quer através dos cursos de formação creditados pela Ordem dos Farmacêuticos, quer dos serviços de consultoria a empresas que queiram obter as autorizações do Infarmed para poderem cultivar, importar, exportar, transformar e comercializar canábis com fins terapêuticos. Em parceria com a Abreu Advogados, a Wise HS realizou uma conferência em 2019 sobre “perspetivas do mercado” canábico, com a abertura a caber ao então bastonário da OM Miguel Guimarães, hoje deputado do PSD, e ao ex-deputado do PSD José Eduardo Martins, em representação da firma de advogados. Pela Wise HS interveio Mónica Povo, enquanto ECA falou como “ex-presidente do Infarmed”. O encerramento coube a Maria do Céu Machado, então presidente do Infarmed, e a Luís Marques Mendes na qualidade de consultor da Abreu Advogados.
Mas do otimismo que mostrava em 2019 sobre esta vertente dos seus negócios, já pouco sobra: “especializámo-nos nos licenciamentos [das operações de canábis medicinais junto do Infarmed], mas isso acabou”, diz agora o médico e empresário ao Esquerda.net. Em 2022, a Wise HS anunciou que fornece apoio à obtenção da certificação CUMCS-GAP, norma reconhecida e aceite pelo governo israelita para todas as importações de canábis medicinal. A Wise HS foi financiada com 74 mil euros dos fundos públicos do Portugal 2020 em dois projetos: um para fazer obras de remodelação nas instalações da empresa e desenvolver o site (68 mil euros) e outro no valor de 5 mil euros de apoio ao empreendedorismo e emprego. Até há poucos dias, a página da empresa no Facebook contava com apenas duas publicações desde outubro de 2022. As cinco publicações anteriores foram para promover a candidatura de ECA à Secção Regional Norte da Ordem dos Médicos
Uma das empresas detidas pela Wise HS, embora minoritária com 43% do capital, é a HLine Healthcare Lda, também fundada no ano passado. O parceiro maioritário é a LFPC - Gestão e Consultoria Lda, que por sua vez detém 40% da ANLHealth, que junta sócios espanhóis do ramo das análises clinicas como a Analiza e a Cerbo. O administrador da LFPC, da ANLHealth e de mais dez empresas do setor das análises e radiologia é Pedro Miguel Rodrigues Carrilho. Algumas delas - ANLHeath, G24 Healthcare Solutions e Lifefocus - foram apanhadas pela Autoridade da Concorrência no cartel de telerradiologia. A HLine tornou-se parceira no ano passado dos fundos 3T Portugal e Atena Equity Partners para a gestão por 30 anos do Hospital da Lapa, propriedade da Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Lapa, através da Lapacare - Health Management SA, que tem ECA como vogal na administração.
Consultor na Symtomax, a empresa canábica sob suspeita
A par dos serviços oferecidos pela Wise HS, o nome do antigo presidente do Infarmed foi sempre uma mais-valia para convencer investidores a aproveitar o clima português propício ao negócio, tanto do ponto de vista meteorológico como regulatório. Uma delas foi a Symtomax, criada em 2017 e que o anuncia como membro da direção em outubro de 2019. Ao Observador, ECA dizia então que se tratava de “uma participação não-executiva, de consultoria esporádica, que faço com muito gosto porque, com a experiência que acumulei, sei que poderei ajudar numa área que é importante para os nossos doentes”. E elogiava o “ambiente legislativo amigável em Portugal” que punha o país na linha da frente “para ser a partir daqui que se faz o abastecimento da Europa”, acreditando que “dentro de algum tempo o negócio da canábis medicinal vai ter peso no PIB”.
Por essa altura, a Symtomax, com origem na Escócia, tentava angariar 12 milhões de euros em obrigações, prometendo aos investidores um retorno garantido de 30% em dois anos. A operação entrou no radar do Offshore Alert, que sinalizou uma possível burla tendo em conta dois nomes associados à empresa: Minette Coetzee e Paul Segal, que lesaram fundos de pensões e investidores em quase 50 milhões de euros. Na operação portuguesa, a Symtomax prometia aplicar os fundos recolhidos a construir a maior instalação de cultivo outdoor na Europa. A ideia seria vender para o mercado israelita e alemão. Garantia também ter a licença do Infarmed, que avaliava em 30 milhões de euros, o que na altura era falso. Apesar de o diretor do Offshore Alert ter denunciado diretamente ao Infarmed o risco de fraude, o instituto emitiu a licença em junho de 2021. Nessa altura já a estufa estava construída e a empresa chegou a anunciar a transplantação da sua primeira colheita de teste da estufa para o ar livre. Mas a partir daí a empresa deixou de dar notícias no site e nas redes. Já não se encontra na sua sede em Beja e nos escritórios vizinhos dizem que saíram de lá há mais de um ano. O último ato societário é de setembro de 2021 e os perfis de Linkedin de três responsáveis identificados no site da empresa em 2020 referem ter cessado funções durante o segundo semestre de 2022. Do consultor ECA nunca mais se ouviu nada sobre a Syntomax, até hoje. Ao Esquerda.net, ECA diz agora que o seu trabalho passava por desenvolver um estudo para o desenvolvimento de um produto de canabidiol oral “que podia ter grande impacto para os doentes oncológicos”. Mas que “ao fim de meia dúzia de meses” o projeto caiu, a empresa deixou de dar notícias “e ainda me ficaram a dever dinheiro”. O que ninguém lhe tira, sublinha, foi o "alívio" que sentiu ao ver o nome da empresa envolvido em esquemas menos claros quando já não tinha laços com ela, negando que tivesse conhecimento das suspeitas enquanto colaborou com a Symtomax.
Poucos meses depois de ter sido contratado pela Symtomax, o nome de ECA foi anunciado por outra empresa canábica estrangeira, a EXMceuticals, como membro do seu Conselho Consultivo. A empresa esclareceu que a Wise HS tinha tratado do processo de licenciamento do seu laboratório - a primeira licença para I&D concedida pelo Infarmed - e que “o compromisso do Prof. Eurico irá decerto ajudar ao futuro desenvolvimento da EXMCeuticals em Portugal”. Ao contrário da Syntomax, esta empresa canadiana fazia a plantação de canábis no Uganda e tinha em Lisboa o laboratório de investigação para transformar a canábis em produtos cosméticos ou farmacêuticos à base de canabidiol (CBD). No início de 2021, a EXMCeuticals garantia que os fundos públicos iriam pagar 30% a 40% dos 12 milhões de euros orçados para abrir uma instalação industrial em Setúbal. Em abril de 2022,, os canadianos vendem a operação portuguesa por 80 mil euros. À frente do laboratório mantêm-se as fundadoras do ramo português da EXMceuticals e investigadoras da Universidade Lusófona, Adília Charmier e Susana Santos, e o advogado Paulo Lino Martins, ex-diretor jurídico da Martifer e atual diretor da GenSun PVS, do setor da instalação de centrais fotovoltaicas. Desde 2020 a EXMceuticals Portugal recebeu 1,35 milhões de euros em fundos europeus, dos quais 476 mil do Portugal 2020. Os seus novos donos são a Tamartech OPS Malta Ltd, registada em Malta e com representante de Gibraltar, Ralph Bossino, ligado a empresários israelitas. O laboratório continua a trabalhar e no mês passado deu entrada no Gabinete de Propriedade Intelectual da UE de um pedido de marca registada para um produto à base de canabidiol. ECA disse ao Esquerda.net que a ligação com a EXMCeuticals também só durou alguns meses, em que ajudou a “tratar de um projeto de investigação”. Mas desta vez, e ao contrário da Symtomax, a relação terminou cordialmente e dela guarda boas recordações.
Em 2021, o nome de ECA, ao lado do atual ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, e do antigo secretário de Estado da Educação do governo de Cavaco Silva, Epifânio de França, surge como consultor num fundo que procura atrair investimento em I&D, à boleia dos vistos gold e do SIFIDE, um benefício fiscal que se prestou a abusos ao longo dos anos. O fundo foi promovido pela Lince Capital, liderado por Vasco Pereira Coutinho (filho do empresário do imobiliário com o mesmo nome). Apesar de se ter sempre apresentado como consultor da Symtomax, no prospeto do fundo ECA é apontado como membro da administração da Symtomax e dono da Wise HS.
Seguros de saúde, o novo negócio que nasceu da ideia de Eurico Castro Alves
A mais recente incursão de ECA nos negócios da saúde assume a forma mutualista e foi anunciada já o médico e consultor tinha entregue o seu plano de emergência para o SNS ao Governo. Trata-se da MPS - Mútua Portuguesa de Saúde e a imprensa económica diz que promete tornar-se “uma concorrente de peso para a Multicare, Médis e Advance Care em seguros de saúde” através de uma estratégia “disruptiva”. ECA é vogal da administração sem funções executivas, tal como Germano de Sousa, dos laboratórios de análises homónimos. O chairman é Rui Leão Martinho, o antigo bastonário da Ordem dos Economistas que passou também pelo cargo de CEO do BES Vida, Tranquilidade, GNB Vida, Deutsche Bank Portugal, além da empresa proprietária do jornal Eco, entre outras. O CEO da MPS é Nelson Rianço, do grupo Future Healthcare, que comercializa os seguros Saúde Prime e coloca mais alguns quadros na administração da MPS, entre os quais o CEO e fundador José Pina. Em janeiro, foi notícia a venda iminente da Future Healthcare à seguradora britânica BUPA. O presidente do Conselho Fiscal é Ricardo Arroja, recém-nomeado presidente do AICEP pelo PSD.
Outros promotores da MPS são os espanhóis do grupo Azuaga, o grupo Germano de Sousa e fundos de investimento liderados pelo empresário Duarte Costa através da Sociedade de Capital de Risco 3XP Global. Apifarma e Associação Nacional de Farmácias farão igualmente parte desta sociedade mútua. Para já, além do capital dos investidores, a MPS conta com o co-financiamento de 2,94 milhões de euros em fundos do PRR através do Banco de Fomento para o seu negócio de seguros de saúde.
De todas as atividades empresariais que discutiu à conversa com o Esquerda.net, esta é a que lhe suscita mais entusiasmo. Mas com uma ressalva: para ele, este projeto “é mais atividade social do que empresarial” e por isso garante: “não vou ganhar dinheiro com isso”. A compensação, assegura, resultará do “enorme impacto social” destes novos seguros de saúde, que nasceram de uma ideia sua “numa conversa de amigos” que a partir daí foram contactando investidores. Uma ideia que ECA acredita ter tudo para conquistar o mercado, neste caso tanto as empresas como os trabalhadores por conta de outrem: “o que as pessoas descontam para a ADSE na Função Pública, no privado vão passar a descontar para isto”, explica, acrescentando a vantagem de poderem continuar abrangidos pelo seguro quando mudam de emprego. Sobre um eventual conflito de interesses entre definir políticas para o SNS e ao mesmo tempo incentivar os seguros de saúde, ECA rejeita a ideia e diz que é exatamente o contrário: “há coisas que tem de ser o SNS a fazer, mas há outras coisas que podem ser feitas no setor social ou privado” e então “é aí que a Mútua pode ajudar”. E se o SNS “é a jóia da coroa do nosso país, que é preciso proteger e investir”, o médico tem a certeza de que com o aumento da imigração e do envelhecimento da população, “o SNS sozinho não vai conseguir fazer bem e a 100%”.
O mutualismo não será uma novidade para ECA. Discursando no Congresso do Mutualismo em 2017, disse aos presentes que durante as curtas semanas em que esteve no Governo teve tempo para receber “algumas duas ou três vezes” o presidente da União das Mutualidades Portuguesas. E assim, “nem que não quisesse, fiquei a gostar das Mutualidades”, confessou. No mesmo congresso, por entre elogios ao então ministro Adalberto Campos Fernandes, brincou reconhecendo que “não o invejo, embora ache que eu é que devia lá estar e que sou melhor do que ele”. Mas com tantos negócios para tratar e conflitos de interesse por resolver, Eurico Castro Alves parece ter finalmente encontrado uma forma diferente de voltar a juntar “o melhor de dois mundos” no regresso da direita ao poder: ser ministro sem ter o título.