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Crise no Espírito Santo é só a ponta do iceberg

A crise que paira sobre Portugal pode pôr à prova a vulnerabilidade do sistema bancário europeu, um sistema que sobreviveu à custa de escândalos e corrupção com o dinheiro público durante décadas. Artigo de Marco Antonio Moreno, publicado no El Blog Salmón.
Foto de Paulete Matos.

A história sem glória dos mais de 145 anos do banco Espírito Santo (nasceu em 1869 com operações cambiais e jogos de lotaria) pode começar a escrever agora os seus últimos capítulos. O Banco Espírito Santo (BES) é constituído por um grupo de três empresas inter-relacionadas, que estão nas mãos dos mesmos donos, que emprestam dinheiro e cometem fraudes entre si.

Como é habitual, os contribuintes e os aforradores europeus podem ver-se obrigados a pagar pelos pecados de gente sem escrúpulos

O Banco Espírito Santo está cotado na bolsa de Portugal, sendo uma das principais entidades cotadas, dado que é o maior banco de Portugal. O seu acionista maioritário, o Espírito Santo Financial Group, possui 25% das ações do BES. A empresa matriz privada, Espírito Santo International, é proprietária de 49% do Espírito Santo Financial Group (e, portanto, dona do Banco Espírito Santo). Esta é a empresa que não cumpriu com os pagamentos ao BES, deixando-o numa situação muito precária. Desde que eclodiu o escândalo de corrupção em Angola, que levou o Estado angolano a chegar-se à frente com uma garantia soberana, a situação da banca encontra-se nas trevas. É muito o dinheiro que fluiu para maus empréstimos que nunca serão devolvidos, e isso é o que deixa sob tensão os balanços do Espírito Santo. Como é habitual, os contribuintes e os aforradores europeus podem ver-se obrigados a pagar pelos pecados de gente sem escrúpulos.

Agora reconhece-se que os principais problemas do BES têm que ver com esta corrupção que concedeu empréstimos ilícitos e fraudulentos, ao amparo da frágil regulação do sistema, e da garantia de 70 por cento do banco central angolano

O ramo de Angola do enfermo Espírito Santo fez empréstimos no valor de 5.700 milhões de dólares que não foram devolvidos. Os atuais administradores tiveram que admitir recentemente que não sabem para quem foi o dinheiro nem que propósito tinham os empréstimos. As garantias mal foram depositadas, e as que foram depositadas, já foram liberadas. No entanto, e para a amargura de muitos, só o ex administrador em Angola do BES embolsou 750 milhões de euros sem nenhuma evidência de os ter empregue numa empresa legítima. Agora reconhece-se que os principais problemas do BES têm que ver com esta corrupção que concedeu empréstimos ilícitos e fraudulentos, ao amparo da frágil regulação do sistema, e da garantia de 70 por cento do banco central angolano.

Bolha de créditos sem garantia

A situação continua a ser grande precariedade, demonstrando que o emblemático Espírito Santo é uma instituição em bancarrota e amparada pelas torrentes de liquidez do Banco Central Europeu

Isto foi o que criou a bolha de créditos sem garantia. E quando chegaram as vacas magras o banco ficou na ruína. Como os anos seguintes não permitiram uma acumulação sistémica, mecanismos certeiros para enfrentar a crise, ou taxas de crescimento que empurrem por si só o alívio financeiro, a situação continua a ser de grande precariedade, demonstrando que o emblemático Espírito Santo é uma instituição em bancarrota e amparada pelas torrentes de liquidez do Banco Central Europeu.

Este é o dinheiro que nunca mais será devolvido às arcas do BES e os contribuintes europeus deverão ser chamados a resgatar a instituição

O governo de Angola, antiga colónia portuguesa, deu ao banco uma "garantia pessoal" que ascende a 70% dos empréstimos do banco. No entanto, existem dúvidas a respeito de se o banco pode manter a solvência no caso de uma crise, inclusive com a garantia do governo angolano. Uma organização que luta contra a corrupção no país, Maka Angola, afirmou que a razão da garantia prende-se com o valor dos empréstimos outorgados a figuras poderosas do regime angolano, de várias centenas de milhões de dólares. Este é o dinheiro que nunca mais será devolvido às arcas do BES e os contribuintes europeus deverão ser chamados a resgatar a instituição.

Outro dos pontos de conflito do BES tem a ver com o facto de o banco ter emprestado mais de 1 bilião de euros às empresas matrizes ligadas aos donos do banco. Isto induz a que, em caso de qualquer incumprimento destas empresas, a totalidade do banco pode afundar-se como um Titanic, dado que a fraude foi confecionada pelos seus próprios donos. Isto foi o que obrigou a cancelar a cotação do BES na quinta-feira passada, quando a meio do dia os títulos do BES caíram quase 20 por cento.

Os problemas do BES vêm de longa data e a ginástica financeira entre as empresas da hholding é muito bem conhecida pelos investidores. Apostam cada vez que o BCE injeta o dinheiro, para depois fazerem corridas e deixarem o banco em pior posição. O caso do Espírito Santo é só a ponta do iceberg e há mais bancos em situação precária que podem desencadear um tsunami financeiro à primeira queda importante de um banco europeu.

Artigo publicado no El Blog Salmón
Tradução de Mariana Carneiro para o Esquerda.net

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