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BES Angola, um afro-BPN

Ao assumir o buraco do BES Angola, o governo de Luanda vai gastar o mesmo que aplicou no Fundo Soberano do país.
Atribuição de créditos sem controlo ou garantias abriram buraco de 6,5 mil milhões no BES Angola

O longo conflito pelo lugar de Ricardo Salgado no grupo Espírito Santo transformou-se nas últimas semanas em convulsão total. As informações que saem do grupo seguem o padrão dos escândalos bancários dos últimos anos. Sob foco está o gigantesco buraco - mais de mil milhões escondidos pela manipulação de contas - na holding que inclui a participação da família Espírito Santo no BES, e a tentativa de vender papel tóxico aos clientes do banco.

Maior ainda é o escândalo do BES Angola, que funcionou como um verdadeiro pipeline por onde passaram milhares de milhões de euros em créditos obscuros. Como é costume nestes casos, as auditorias internas do BES não indicavam problemas na filial angolana, os acionistas locais (generais Kopelipa e Leopoldino do Nascimento, entre outros) não se queixavam de nada e a consultora KPMG nunca soou alarmes. O BESA recebia prémios internacionais.

Um desfalque soberano

No centro deste desfalque, vamos encontrar os protagonistas centrais da presença africana do grupo Espírito Santo em África ao longo de mais de uma década, o núcleo duro do BES Angola e da ESCOM

A garantia concedida pelo Estado angolano para salvar o BES Angola ascende a cinco mil milhões de dólares, nada menos que o valor equivalente ao do famoso fundo soberano do país, lançado com estrondo há dois anos e entregue ao filho do presidente José Eduardo dos Santos. A dimensão deste resgate dá uma ideia sobre a dimensão da acumulação privada neste episódio, equivalente a 80% da carteira de crédito do BESA. Alguns “clientes” levantavam numerário que só poderia ser transportado em camiões.

No centro deste desfalque, vamos encontrar os protagonistas centrais da presença africana do grupo Espírito Santo em África ao longo de mais de uma década, o núcleo duro do BES Angola e da ESCOM (Espírito Santo Commerce), o braço do grupo para Angola, disperso pela mineração e construção de infra-estruturas, aeroportos, estradas, saneamento, habitação. Em associação com o grupo russo Alrosa domina numerosas explorações de diamantes. Em Portugal, a Escom foi agente financeiro e banco paralelo do grupo Espírito Santo em casos como os dos submarinos ou o Portucale.

Eugénio Neto (à direita) terá beneficiado de 1,5 mil milhões de dólares de crédito no BESA, através de uma sociedade que o banco diz que não consegue identificar a quem pertence.

Sublinhando que os créditos sem garantias concedidos pelo BESA a sociedades de proprietários desconhecidos atingem as muitas centenas de milhões, a imprensa tem porém identificado alguns dos principais beneficiários desta operação: o topo do universo BES em Angola. Desde logo, os proprietários da Newshold, que domina o Sol e o i, além de parte do grupo Cofina, os irmãos Emanuel Madaleno e Álvaro Sobrinho, este último presidente do BESA até se incompatibilizar com Salgado em 2012. Outros são Hélder Bataglia, presidente da Escom e administrador do BESA; Eugénio Neto, vice-presidente da Escom e parceiro angolano da General Electric no negócio do petróleo (na foto ), que terá beneficiado de 1,5 mil milhões de dólares de crédito. Outra figura indicada pelo Expresso é Domingos Vunge, da Score Media, sociedade da Newshold e da portuguesa Ongoing na corrida à privatização da RTP, bem como na tentativa de controlo do grupo Controlinveste (DN, JN, TSF), que chegou a ter assinada uma promessa de compra. Nenhum dos negócios se consumou e a Controlinveste acabou por ficar para António Mosquito, outro empresário próximo do poder angolano.

Os próprios Ricardo Salgado e o seu braço-direito, Morais Pires, estarão entre os beneficiários diretos do pipeline do dinheiro do BESA. Segundo o Expresso, entre o final de 2009 e Julho de 2011, o BES Angola transferiu para contas suas no Crédit Suisse mais de 27 milhões de dólares. Ambos eram clientes da Akoya, gestora de fortunas em Genebra que esteve no centro do caso Monte Branco.

Monte Branco era ponta de iceberg

No final de 2012, confirma-se que a Akoya tem como acionistas os próprios Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia. Confrontado com as investigações, Ricardo Salgado assume ter recorrido durante quase vinte anos aos serviços de Michel Canals.

As primeiras informações sobre este escândalo surgiram no contexto de denúncias feitas por Duarte Lima, após a sua prisão, acerca de um esquema de fuga ao fisco e branqueamento de capitais entre Lisboa e a Suíça, envolvendo antigos quadros do UBS ligados a Portugal na Akoya. Quando é detido em Portugal, Michel Canals, da Akoya, faz o seu primeiro contacto legal com a advogada Ana Bruno. Nesta altura, além de ser testa-de-ferro de Álvaro Sobrinho à frente da Newshold (proprietária do Sol), Ana Bruno representava dezenas de empresas, onde surgem membros das famílias Champalimaud e Horta e Costa (resort Vale do Lobo, Algarve) ou Hélder Bataglia, o presidente da Escom a quem Cavaco Silva atribuiu um dia a comenda da Ordem do Infante.

No final de 2012, confirma-se que a Akoya tem como acionistas os próprios Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia. Confrontado com as investigações, Ricardo Salgado assume ter recorrido durante quase vinte anos aos serviços de Michel Canals. Ato contínuo, recorre à amnistia fiscal promovida pelo governo português para capitais não-declarados no estrangeiro, o que lhe permite regularizar uma fuga fiscal de muitos anos sem penalizações e mediante uma taxa de 7,5%. Morais Pires retifica também a sua declaração de 2011 para regularizar aplicações pessoais na Akoya. Salgado paga ao Estado português dois milhões de euros de impostos em falta. Na senda do caso Monte Branco, o regime extraordinário de regularização tributária aplicado em 2012 é o mais importante de sempre, abrangendo centenas de contas e “legalizando” quase 3,4 mil milhões de euros de origem desconhecida. Como escreveu o então diretor do Jornal de Negócios , esta “regularização” corresponde na prática a um “imposto sobre o branqueamento legal” (1.2.2013).

As ligações de Álvaro Sobrinho ao mundo empresarial, mediático e financeiro.

A Akoya, propriedade de Helder Bataglia e Álvaro Sobrinho surge também referenciada no processo-crime sobre tráfico de informação privilegiada na privatizações da EDP e da REN em 2011. Foram noticiados também indícios de utilização de pelo menos 15 milhões de euros em negócios conduzidos por “pessoas próximas de intervenientes nos procedimentos de privatização” (Sábado , 25.10.2012).

Também em 2012, depois das notícias sobre investigações judiciais pela compra de seis apartamentos milionários no edifício Estoril Residence, Álvaro Sobrinho sai dos órgãos do banco, substituído no lugar de chairman por Paulo Kassoma, primeiro-ministro de Angola entre 2008 e 2010. Em Abril de 2014, o site Maka Angola, de Rafael Maques, noticia “graves problemas” no BESA, com um buraco de 6,5 mil milhões. Três meses depois, a notícia chega ao Expresso e o governo de Angola acciona o resgate. Em Junho, o ex-ministro socialista Manuel Pinho, vice-presidente da holding BES África (que inclui o BESA), pede a reforma antecipada a Ricardo Salgado, mediante uma indemnização de 3,5 milhões de euros.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
política: 
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(...)

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