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Paulo Pena: “Separar política e banca seria de elementar bom senso”

“Jogos de Poder” atribui aos bancos a maior fatia da responsabilidade da origem da crise. Como explicar isso a quem acha que andámos a viver acima das nossas possibilidades?
A explicação não é fácil, porque o “viver acima das possibilidades” é uma frase muito simples que tem um pequeno problema, que é o de ser mentirosa. Os bancos são a origem desta crise e isso é muito evidente: todo o problema que nasce em 2007/2008 com o subprime é o que dá origem ao que depois se passou a chamar “crise das dívidas”.
Esta crise das dívidas foi uma forma de resgatar o sistema financeiro que estava em crise desde 2008. Na Europa, os bancos dos países do Norte investiram em várias coisas, nomeadamente nos nossos bancos e no imobiliário. Isso é o traço comum em Portugal, Espanha, Irlanda, menos na Grécia. E é aí que nasce o que se passou a chamar “crise do euro”.
O que é que teria acontecido à banca portuguesa sem a entrada da troika?
Os bancos precisaram do resgate para conseguir manter a sua atividade, ainda que com uma crise evidente que dura até hoje.
Os bancos portugueses iam ter um grave problema de financiamento. Apesar de todo o sistema bancário europeu ter estado coberto por uma garantia implícita por parte da União Europeia, do BCE e dos Estados membros, de que não haveria falências significativas, a banca portuguesa estava num patamar de dificuldade maior porque dependia de financiamentos externos, vindos sobretudo de França, Alemanha e também de Espanha e Inglaterra. Essa garantia é agora avaliada em 1,3 biliões de euros, com os biliões na escala portuguesa, maior do que a anglo-saxónica…
Quando aconteceu o “fecho da torneira” em 2011, os bancos portugueses não tinham dinheiro para sobreviver e fazer a sua atividade. Os bancos precisaram do resgate para conseguir manter a sua atividade, ainda que com uma crise evidente que dura até hoje, porque são bancos que não têm a capacidade financeira suficiente para crescer e financiar a economia.
Foi muito dolorosa a passagem de um sistema em que os bancos eram o coração e a atividade principal da economia - a chamada financiarização da economia - para o que vamos assistir na fase seguinte, em que os bancos são apenas uma forma de financiar a economia e não o seu centro.
Quando o livro saiu ainda não eram conhecidos os buracos do BES Angola e do Grupo Espírito Santo. Como tens acompanhado esta novela das últimas semanas?
Se nos abstrairmos das circunstâncias concretas da família Espírito Santo e etc., a história é mais ou menos a mesma: uma gestão tradicional que é abalada por interesses que são contraditórios com essa gestão, uma guerra pública, um tentativa de controlo e tomada de poder.
Sem grande surpresa, infelizmente. No BES está a acontecer, embora com um diferimento temporal, o que aconteceu em todos os outros bancos, em particular com o BCP que era o seu grande concorrente. Se nos abstrairmos das circunstâncias concretas da família Espírito Santo e etc., a história é mais ou menos a mesma: uma gestão tradicional que é abalada por interesses que são contraditórios com essa gestão, uma guerra pública, um tentativa de controlo e tomada de poder.
Para além disso, o banco assenta em coisas muito frágeis, como a excessiva alavancagem, a tentativa de que a contabilidade não reflicta o que se passa verdadeiramente com os ativos, e a forma de mostrar ao mundo que o banco era mais saudável do que era na realidade. Não nos esqueçamos que é assim que são calculados os bónus dos executivos do banco.
Sabemos que estes bancos tinham uma grande atividade baseada em offshores, com um imobiliário que se desvalorizou muito desde 2008. Tudo isso foi refletido no balanço dos bancos de forma muito diferida e insuficiente, para que o banco tenha de registar as perdas que agora estão à vista de todos.
O BES é um caso emblemático da “captura da política pela banca” descrita no livro. Como contrariar esse fenómeno?
Quanto mais a democracia baixa a guarda sobre a forma como o sistema financeiro se organiza, mais frágil fica o setor financeiro perante a ganância e a criminalidade.
Creio que depois de uma crise com esta magnitude, na Europa como nos EUA, era de elementar bom senso que a política e a banca estabelecessem biombos e que não houvesse, como parece que vai continuar a haver no caso do BES, transferências diretas de deputados para órgãos de gestão dos bancos e vice-versa, ou que os bancos continuem a fornecer a grande maioria dos ministros das Finanças que tivemos desde o 25 de Abril. O livro “Burgueses” diz que dos 19 ministros das Finanças que tivemos nesse período, 14 vieram diretamente da banca.
Isso é o que potencia este regime que já não é uma democracia como nós a entendíamos, é uma forma de articulação entre o poder financeiro e o poder político. Isto subverte a política e também não é bom para a banca. Como se vê, quanto mais a democracia baixa a guarda sobre a forma como o sistema financeiro se organiza, mais frágil fica o setor financeiro perante a ganância e a criminalidade. Fica mais frágil, mais exposto e mais vulnerável até ao ponto de todo o setor financeiro ter de ser resgatado, causando um prejuízo social, económico e político gravíssimo a que hoje assistimos.
Creio que podemos ligar tudo o que nos está a acontecer - desde a ascensão dos nacionalismos na Europa, a falta de crescimento da economia, as políticas de austeridade - ao que foi a forma como a política deixou que o setor financeiro se tornasse hegemónico e mandasse tanto na política como na economia.
O trabalho de investigação para os “Jogos de Poder” durou mais de um ano. Houve alguma surpresa que queiras destacar?
O setor financeiro tornou-se tão hegemónico e interligado que é muito difícil resolver um problema num banco sem causar o caos no sistema inteiro.
Devo admitir que aprendi muito na investigação para o livro. Tinha à partida uma noção bastante distorcida - como a que creio que terá a maioria de nós - sobre o impacto de cada um destes escândalos financeiros. Por exemplo, não sabia que o caso BCP tinha sido tão central em tudo isto. Creio que ele ajuda a explicar muito e continuará a explicar algumas coisas que ainda se vão passar no BES. À escala portuguesa foi isso que retive como a maior novidade.
Mas também o que falávamos há pouco: a forma como o sistema financeiro se interligou tanto, que se tornou na mesma coisa com diferentes marcas. Se há um problema do BES, todo o sistema bancário e das seguradoras terá problemas. O setor financeiro tornou-se tão hegemónico e interligado que é muito difícil resolver um problema num banco sem causar o caos no sistema inteiro.
Entrevista de Luís Branco.
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