O difícil parto do primeiro partido político dos operários em Portugal

porFernando Rosas

Apesar de cada vez mais secundarizado e de ser irrelevante politicamente e sindicalmente minoritário na Iª República, é o primeiro partido político dos operários que se reclamam do socialismo, expressão primeira da autonomia de classe do proletariado português na sua luta organizada contra o capitalismo.

10 de janeiro 2025 - 9:55
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Cerimónia de assentamento da primeira pedra do monumento a José Fontana. 1º de Maio de 1904
Cerimónia de assentamento da primeira pedra do monumento a José Fontana. 1º de Maio de 1904

A 10 de Janeiro de 1875 fundou-se em Lisboa o primeiro partido político dos operários socialistas portugueses. Assinala-se agora o seu 150º aniversário. A criação do partido Socialista Português (PSP) culminava um difícil e controverso processo fundacional com uma dupla influência externa: o forte impacto da comuna de Paris (Março de 1871) nos setores mais “avançados” do operariado português – “foi o estrondo da revolução parisiense que acordou o proletariado português” escreverá em 1876 o jornal socialista O Protesto Operário1 ; e o impulso da Associação Internacional dos Trabalhadores, a Internacional (AIT), criada em 1864, participante na Comuna, que em 1871, através de uma delegação espanhola vinda de Madrid entra em contacto com José Fontana (que pertencera já em 1864/65 ao Conselho Central da AIT) e depois com Nobre da França e Antero de Quental, fundadores do núcleo organizador da Internacional em Portugal no rescaldo da Comuna de Paris. Essa ligação teve duas consequências determinantes.

Desde logo – seguindo as resoluções do Congresso de Basileia da AIT (1869) – criar entre nós as primeiras “sociedades de resistência” por profissão, ou seja, as primeiras associações de classe que adotavam a luta de classes, a autonomia operária e a luta anticapitalista como princípio orientador e de organização, rompendo com a anterior tradição comunalista, paternalista e de conciliação interclassista que dominava o associativismo laboral desde 18502. Os “internacionais” criam portanto, logo em 1871, a Associação Protetora do Trabalho Nacional (APTN) como “sociedade de resistência” pioneira e no fim desse ano a Fraternidade Operária (FO). Serão centros de organização, propaganda e federação de inúmeras associações de classes profissionais. A primeira, inicialmente, de tendência anarquista, e a segunda, aderente à orientação marxista prevalecente na AIT, terá papel determinante e enorme expressão no surto grevista do segundo semestre de 1872 e no primeiro de 1873.

De salientar que estes embriões aglutinadores das novas associações de classe que organizam a luta económica e as greves desde o início, apesar da sua ligação orgânica ao PSP, optam por considerar a “luta política” como uma esfera de ação distinta onde fazem questão de não se envolver: como veremos adiante, é um sindicalismo apolítico e frequentemente “anti-política” e anti-“políticos”.

Em 1873, os “internacionais” conquistam a APTN aos aliancistas de Bakunine e integram-se na FO. Mas também ela se dissolve em Maio de 1873 para, em Outubro desse ano, dar lugar à Associação dos Trabalhadores da Região Portuguesa, na prática uma federação de associações de classe de vocação sindical ligada aos socialistas “internacionais” de cujos “ardentes debates” resultará a difícil criação do PSP.

Precisamente, a segunda consequência da ligação à Internacional foi a de levar à prática a resolução do Congresso de Haia da AIT, em Agosto de 18723, recomendando a constituição de “partidos socialistas operários por países”. Não foi tarefa fácil: na realidade, o projeto de constituição do partido político socialista em Portugal foi quase paralisado e fortemente contestado no movimento operário organizado por parte de três correntes que por vezes se aliam ou se confundem:

  1. A fação “aliancista” de origem bakuniana, anarquista, presente desde o início na secção portuguesa da AIT que se opõe à existência e um partido político operário dando prevalência à ação sindical “autónoma” como via emancipatória;
  2. A fação pró-republicanista que entende a questão do regime como prioritária relativamente à questão social e quer mobilizar os trabalhadores sobretudo para o derrube da monarquia em aliança com os republicanos (só depois viria a República social prometida pela propaganda republicanista);
  3. A fação abstencionista, estritamente sindicalista e com “absoluta repugnância pela ação política” e pela sua ligação a um partido político.

Essas três tendências e a luta entre elas sob diversas formas e em várias épocas do último quartel do século XIX e a primeira década do século XX não mais deixarão de marcar o conturbado e difícil percurso do PSP até à implantação da Iª República (Outubro de 1910), quando definitivamente se esvai a sua pretensão a partido hegemónico do movimento operário. É certo que a 10 de Janeiro de 1875, finalmente, sob proposta de Azedo Gneco, e ainda com o decisivo apoio de José Fontana, já doente, constitui-se o Partido Socialista Português (PSP). É o primeiro partido político dos operários que se reclamam do socialismo, a expressão primeira da autonomia de classe do proletariado português na sua luta organizada contra o capitalismo. Terá um papel motor decisivo na fundação das novas associações de classe, na vaga de greves que se verifica a partir de 1871/72 e na criação de centenas de cooperativas, mutualidades, sociedades de instrução popular, etc… com que se estrutura e arranca o movimento operário em Portugal.

Serão essas associações de classe de influência socialista – onde os anarquistas e depois os socialistas revolucionários terão intervenção crescente – que lançarão o moderno reportório reivindicativo do novo sindicalismo de classe: a luta pelas 8 horas de trabalho; a celebração do 1º de Maio; salário igual para trabalho igual entre homens e mulheres; exclusão do trabalho infantil das fábricas e manufaturas; higiene e segurança no trabalho; salário mínimo; dia de descanso semanal ou responsabilidade patronal pelos acidentes de trabalho. Mesmo no plano político há propostas importantes: sufrágio universal, extinção do exército permanente, a nacionalização do solo, a abstenção do Estado em matéria religiosa, a municipalização dos bens da Igreja, o Registo Civil obrigatório (o PSP concorre claramente com o republicanismo em matéria de laicismo e de denuncia anticlerical: em 1895 organizará mesmo um bastante concorrido Congresso Socialista Anticatólico). De salientar, nesse último quartel do século XIX, uma postura marcadamente internacionalista dos socialistas portugueses, procurando vincular a sua luta e as suas solidariedades às organizações internacionais e às lutas dos demais partidos socialistas.

Mas apesar desse histórico desempenho fundacional o certo é que o percurso do PSP está longe de ser um caminho de sucesso ou até de clareza política e coerência ideológica. Na realidade, o PSP entra na Iª República já como força política marginal na sociedade portuguesa, crescentemente apendicular ao republicanismo na política e claramente minoritária nos sindicatos, num processo de declínio que levará à sua extinção prática e voluntária após 1933 e a institucionalização do Estado Novo. Creio que é relevante tentar entender que fatores para tal contribuem.

A persistente recusa da “política”

Desde logo há que considerar fatores estruturais. O Portugal do último quartel do século XIX está longe da segunda revolução industrial que desponta na Europa do capitalismo desenvolvido. O peso de um mundo rural tradicional, o predomínio da manufatura e do artesanato sobre a escassa indústria fabril, uma taxa de analfabetismo que ronda os 80%, tudo isso constitui terreno favorável à perpetuação das conceções paternalistas e de conciliação de classes, à difusão do ideário utópico de Fourier ou às influências proudhonianas que marcaram desde 1850 os primeiros passos do associativismo laboral.

Sobretudo, tornava corrente entre os primeiros dirigentes socialistas – “prestigiosos trabalhadores especializados nos seus ofícios” – o discurso contra “a política” e os “políticos”. Mesmo quando aceitaram constituir o PSP, concebiam-no sobretudo como uma organização para o enfrentamento de classe de natureza sindical, “autónoma” do movimento político. No Iº Congresso do Partido Socialista, só realizado em 1877, o partido surge com três ramos distintos: o económico-social das associações de classe, o do “movimento político” com um “desenvolvimento moroso” e difícil e o da atividade cooperativa mutualista. No ano seguinte, no IIº Congresso, tenta-se superar essa separação (prejudicial ao avanço político do partido) fundindo a Associação dos Trabalhadores da Região Portuguesa (ATRP) – a federação das associações de classe organizadas pelos socialistas – com o PSP (os “círculos políticos): ambos se dissolveram para dar lugar ao Partido dos Operários Socialistas de Portugal (POSP). Novamente com forte oposição quer da “corrente anti-política” de extração bakuniana, quer da “ala dos trabalhadores de vocação sindical”.

Acabam por concordar mas só mediante a aprovação de uma resolução determinando que o POSP não participaria em atos eleitorais, seria politicamente abstencionista. Mas a questão estava longe de resolvida no seio do partido: no mesmíssimo IIº Congresso é aprovada uma resolução determinando que o Conselho Central deveria consultar o partido sobre se podia ou não entrar nas eleições para deputados… A confusão perpetuar-se-ia: no IIIº Congresso em 1879 já se decide “que o POSP nunca mais se abstenha de concorrer à luta eleitoral”. Entre 1880 e 1910 os socialistas abstiveram-se de concorrer em cerca de 30 eleições4 e frequentemente tomam posições contraditórias: quando a direção decide abster-se, um grupo de destacados personalidades do partido resolve concorrer pendurados em listas do Partido Repúblicano (PRP) e à revelia da liderança; ou a imprensa do partido resolve por conta própria apelar à votação em “partidos afins”, desconhecendo a abstenção oficial; ou a organização do Norte resolve concorrer e a do Sul abster-se (ou vice-versa). As divisões internas, as polémicas constantes e, sobretudo, as sucessivas votações exíguas tanto em Lisboa como no Porto empurram inexoravelmente o movimento socialista para a irrelevância política no século XIX.

Mas também a isso se juntam fatores de natureza sistémica, ou seja, decorrentes da natureza oligárquica do liberalismo monárquico. Concretamente, um sistema eleitoral censitário e capacitário que proíbe o voto das mulheres e dos analfabetos e o restringe aos homens maiores de 21 anos e alfabetizados ou pagando um mínimo de imposto. Na altura isso significava que a esmagadora maioria dos operários, dos trabalhadores rurais ou dos camponeses pobres e a totalidade das mulheres eram excluídos da participação política através do voto. A oligarquização através do sistema político e eleitoral ia aliás agravar-se com a crise do regime monárquico pós-ultimato e o avantajar da ameaça republicana: os sucessivos governos fabricam leis que redesenham os círculos eleitorais por forma a diluir o voto urbano republicanista no mundo rural. A questão é que isso era um obstáculo de peso na constituição do PSP enquanto partido “ao mesmo tempo de reforma e conciliação”5, ou seja, apoiado numa significativa e eficaz representação parlamentar radicada num eleitorado operário e popular com razões palpáveis para apoiar o seu partido político. Pelo contrário: no operariado mais numeroso e concentrado em Lisboa, da Margem Sul ou do Porto, o sentimento dominante é o alheamento e desprezo pela “política” oligárquica dos partidos rotativos e da dinastia bragantina, do caciquismo, da corrupção ao mais alto nível, e mais depressa aderiram à propaganda revolucionária dos republicanos e da Carbonária como alternativa imediata do que aos apelos de um partido socialista débil, dividido e com um discurso e prática políticos pautados por um reformismo legalista, ordeiro e sobretudo irrelevante, claramente insuscetível de se constituir em alternativa emancipatória numa situação de transição do século em que se pressentia o abeirar da tempestade final da monarquia. Efetivamente, para isso havia outras propostas e outros caminhos que conquistavam a adesão crescente do operariado organizado.

Na realidade, um terceiro fator a dificultar a progressão dos socialistas foi a sua própria política profundamente marcada pela permanente divisão interna (entre 1889 e 1907/08, durante 19 anos, haverá dois partidos socialistas e duas centrais sindicais que se digladiam entre si: os “possibilistas” de Luís Figueiredo e os ditos “marxistas” de Azedo Gneco. Na realidade, para além de fortes desavenças pessoais, pouco se distinguem político-ideologicamente e acabam, após longas negociações, por se reconciliar e reagrupar no PSP); pela sua orientação conciliadora (o poder conquistava-se através da reforma descentralizadora do Código Administrativo e da pedagogia reformadora das violências patronais e das “sociedades humanas” em geral); pela alegadamente equivoca relação epistolar de Azedo Gneco com a coroa (denunciada pelo PRP após implantação da República), parecendo aceitar a tentativa da monarquia sapar a influência republicana entre o operariado (não se sabe se fruto também disso – e certamente do pujante movimento grevista – os governos monárquicos em 1890/91 aprovarão o primeiro pacote de “medidas sociais” alcançado pelo movimento operário português, nomeadamente o reconhecimento legal das associações de classe, a regulamentação do trabalho das mulheres e dos menores na industria e a jornada das 8 horas para os operários tabaqueiros). Era importante, mas era pouco quando os setores mais avançados do operariado organizado reclamavam a “ação direta” da classe contra o capital com vista à culminância da “greve geral revolucionária” ou alinhavam na conspiração revolucionária republicana. O PSP parecia estar, e estava, à margem da onda montante da agitação proletária e popular.

O declínio

Efetivamente, no decurso da década de 90 do século XIX e da transição para o século XX a situação no campo do movimento operário conhece uma acentuada radicalização. Há uma inusitada explosão de grupos, jornais e revistas libertárias e inúmeras publicações traduzidas de livros dos próceres do anarquismo em Lisboa, Porto, Coimbra, Covilhã, no Algarve e em outros locais improváveis. O sindicalismo revolucionário, de influência francesa, inicia a sua ação em Portugal com o jornal A Greve de 1908 e, com o apoio da larga franja dos acratas, assume rapidamente importância decisiva nas associações de classe e na luta reivindicativa.

Entretanto, no lastro da crise Ultimatum e da crise económica internacional (1890/91) começa a desintegrar-se o sistema político do rotativismo monárquico e a colocar-se na ordem do dia a via da revolução republicana, após o ensaio frustrado do 31 de Janeiro de 1891 no Porto. A conspiração republicana e a Carbonária “caçam” ativamente e com indiscutível sucesso no geral dos meios operários socialistas, anarquistas ou sindicalistas onde se reconhece que, apesar da sua natureza de classe, a imediata implementação da República é um passo importante no sentido certo. Apesar das críticas, das reservas e das reações das lideranças ou dos ideólogos dessas correntes que vêm o republicanismo pequeno-burguês disputar-lhes influências e hegemonia.

Precisamente, o movimento socialista perde para todos os demais nessa transição do século. Estava a perder militância a favor do crescimento anarquista; via o PRP e a Carbonária mobilizarem crescentes apoios no ativismo socialista e, no plano sindical, perde a hegemonia que ainda detinha nas associações de classe a favor do anarcosindicalismo (a aliança dos anarquistas com os sindicalistas revolucionários) após a cisão operada por estes no Congresso Nacional Operário, “reunião magna das associações de classe” convocada pelos socialistas em Julho de 1909. Os sindicalistas, que se opõem às “intenções politiqueiras” do PSP e à admissão dos delegados dos Centros Socialistas, abandonam o Congresso e realizam a 5 de Setembro desse mesmo ano o Iº Congresso Sindical e Cooperativista representando cerca de 20.000 sindicalizados onde se afirma “a influência da nova corrente inaugurada pelo sindicalismo francês”, ou seja, ”a conceptualização da luta de classes e da emancipação social baseada no associativismo operário apolítico”6.

A Comissão Executiva do Congresso Sindicalista, ali eleita, convoca em 1911, após a implementação da República, o II Congresso Sindicalista que reafirma e consolida a orientação sindicalista revolucionária (estão já nele representados 35.391 trabalhadores. A nova doutrina, levada à prática pela aliança anarcosindicalista penetrava “preferencialmente nos centros urbanos e industriais, onde a concentração de trabalhadores era considerável, ganhando principalmente os operários industriais” (construção civil, metalurgia, corticeira, marítimos, transportes e ofícios do artesanato urbano)7. Ou seja, impunha-se à declinante hegemonia socialista nas zonas de maior concentração operária e era a força motora do movimento grevista radical que arranca após a implementação da República. O Partido Socialista tornava-se uma força secundária política e sindicalmente logo a partir dos alvores do novo regime. A fundação da União Operária Nacional em 1914, a primeira central sindical a nível nacional, consagrará a preponderância do anarcosindicalismo no movimento operário organizado.

A extinção

Não será brilhante o percurso do PSP ao longo da I República. Irrelevante politicamente e sindicalmente minoritário torna-se uma força apendicular do PRP, através de cujas listas eleitorais logra de vez enquanto chegar ao parlamento. Mas a inconstância política mantém-se: é intervencionista e guerrista na esteira do afonsismo republicano no tocante à participação na Iª Guerra Mundial; secunda à sua maneira os ataques da governança republicana à radicalização das lutas operárias e sindicais; apoia a demagogia obreirista (aliás passageira) da ditadura de Sidónio Pais e colabora com ela. O que não impede de aceitar participar no governo de Domingues Pereira em 1919 através de Augusto Dias da Silva designado Ministro do Trabalho, numa tentativa da governança republicana de conter a ofensiva reivindicativa do operariado no pós-guerra. O esforço é aliás inútil e dura escassos 95 dias. É certo que se faz aprovar a 1ª lei sobre a jornada das 8 horas de trabalho e o sistema de seguros obrigatórios (um embrião de segurança social). Mas nada disto passa do papel: a aplicação das 8 horas é suspensa pouco depois e a organização dos seguros obrigatórios nunca será concretizada nos 16 anos da I República.

Apesar de encontrarmos militantes socialistas envolvidos nas revoltas republicanas contra a Ditadura Militar após 1926 ou os sindicatos “independentes” de influência socialista na luta sindical e na greve geral de 18 de Janeiro de 1934 dificilmente se pode considerar o PSP como uma força efetiva de resistência antifascista. Como reconhece José Neves, no movimento de combate à ditadura o Partido “não se envolve oficialmente contra o poder político”, ainda que muitos dos seus membros nele tenham participado a título individual. A posição do PSP face ao golpe militar de 28 de Maio de 1926 que institui a Ditadura Militar foi “cautelosa”: recomendou aos seus correligionários “que se conservem na expectativa enquanto não sejam feridas as suas fundamentais liberdades”. Aparentemente as deles não foram: no início de Julho a Ditadura permitiu a realização do XIIº Congresso Nacional do PSP em Lisboa “e no resumo das atas não consta que tenha sido abordada a questão do golpe militar”8. E em Março de 1933, já com Salazar na chefia do Governo, é autorizado ao que restava do PSP reunir a sua IVª Conferência Nacional em Coimbra. A “exacerbada controvérsia” que marcou essa conferência opôs o secretário-geral Ramada Curto ao dirigente Bourbon de Meneses a propósito da “posição que o partido deveria tomar na hipótese de receber convite para assumir algum cargo pela ditadura”. Venceu a proposta mais moderada e ambígua de Ramada Curto e o seu contraditor acabou “erradicado” do partido9. Na realidade, nada disso será politicamente relevante, a não ser a tolerância com que a Ditadura e o salazarismo permitem essa aparente sobrevivência. A verdade é que o PSP está a retirar-se da política. Como escreverá Alfredo Franco, um dos seus últimos dirigentes, “excluído das lutas sindicais, excluído das lutas políticas, umas e outras postas de parte, o operário português pode e deve integrar-se completamente no associativismo económico, no associativismo educativo (…) a cooperação passa de um salto a constituir o centro das nossas atividades”10.

É certo que a Frente Popular em 1936 ou a MUNAF e o MUD em 1934/45 irão pescar à linha um ou outro dos solitários guardiões dos arquivos ou do carimbo do velho PSP para compor a panóplia dos figurantes formais da unidade antifascista. Mas o partido enquanto força política extinguira-se na prática, vagamente diluído no que restava do cooperativismo. A “reorganização socialista” iniciada nos anos da II Guerra Mundial e no pós-guerra, de onde sairão a União Socialista, a Ação Socialista Portuguesa (1964) e o PS (só em 1973), já não terão nada a ver com o histórico associativismo operário socialista. Ideologicamente vêm do radicalismo republicano com laivos social democratas dos anos 20 ou das lojas maçónicas estudantis contra a Ditadura Militar no transcurso dos anos 20 para os anos 3011, a sua base social são os quadros das profissões liberais e a sua ligação às antigas ou às novas formas de organização e luta laboral é inexistente. São realidades historicamente distintas.

Talvez por isso a atual liderança do PS não se lembrou, ou não reparou, ou desconhecia que no dia 10 de Janeiro de 2025 passam 150 anos sobre a fundação do primeiro Partido Socialista Português.


Depois de escrito e publicado este artigo, chegou ao meu conhecimento a realização pelo Partido Socialista desta muito discreta sessão evocativa da fundação do PSP, que aqui fica referida.


Notas:

1 O Protesto Operário, 18 de Março de 1876 cit. in José Neves, Partido Socialista. Da Génese à Refundação (1875-1973), p. 69

2 Em 1852 fora criada o Centro Promotor Dos Melhoramentos da Classes Laboriosas, promotor do associativismo operário, do mutualismo e da difusão do ensino nas classes trabalhadoras ainda num espírito paternalista, assistencialista e de colaboração de classes fomentado pelo projeto da esquerda setembrista e da Regeneração.

3 No Congresso de HAIA da AIT a corrente marxista maioritária prevalece sobre os “aliancistas” de Bakunine e este é expulso da I Internacional.

4 cf, José Neves, ob. cit. p.139

5 Assim o definia o seu órgão oficial, O Protesto, nº 19, Novembro de 1875.

6 cf. Joana Dias Pereira, Sindicalismo Revolucionário. A História de uma Ideia, Caleidoscópio/Centenário da República, 2011, p. 43

7 Ibidem, p. 43

8 José Neves, ob. cit p. 275

9 Ibidem, p.298

10 Cit. in Suzana Martins, Socialistas na Oposição ao Estado Novo. Um Estudo Sobre o Movimento Socialista Português de 1926 a 1974, Casa das Letras, 2005, pags 33 e 34.

11 cf. António Ventura, A Luz Vinha do Oriente. Comunistas e Maçons em Portugal (1919-1936), Âncora, 2023, p.247 e segs

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