Eça contou como conheceu Antero de Quental, percebendo-o numa tertúlia: “Deslumbrado, toquei o cotovelo de um camarada, que murmurou, por entre os lábios abertos de gosto e pasmo. – É o Antero! (…) Nesse tempo ele era em Coimbra, e nos domínios da inteligência, o Príncipe da Mocidade”. Esse príncipe da poesia e da filosofia emancipadora foi um atormentado poeta e militante que passou fulgurantemente pela vida pública e que se suicidou antes de completar os cinquenta anos. E, se é difícil distinguir os vários planos em que se precipitou, é mesmo por serem inseparáveis.
Nascido no romantismo, Antero tornou-se uma das vozes precursoras do modernismo português e, ao mesmo tempo, da ideia socialista. O seu livro “Odes Modernas”, publicado em 1865, reflete essa preocupação e o confronto com o conservadorismo, que o lirismo romântico reproduzia e com o qual rompeu. “É a Revolução! a mão que parte/ Coroas e tiaras!/ É a Luz! a Razão! é a Justiça!/ É o olho da Verdade!”, escreveu ele. No meio da crítica à alienação e à dor da existência triste, o poema anuncia um novo sentido para a vida. E foi por isso que Antero se fez socialista, o que o levou à denúncia do trabalho, a condição escravizada dos proletários modernos: “Trabalhais! e mal vedes que trabalho!/ Sois as rodas da máquina/ Que a si mesma se está esmigalhando!”. Muitos pontos de exclamação, atitude belicosa, era assim Antero. Queria ser ouvido e foi ouvido.

Impulsionador do grupo da “Geração de 70”, convocou as conferências do Casino, ao pé do Chiado e em 1871, com o apoio de José Fontana, outro dos fundadores do socialismo em Portugal. A inauguração foi no dia 22 de maio, a Comuna de Paris seria esmagada na semana seguinte, após menos de três meses de governo revolucionário, mas eram os seus ecos que se sentiam nessa iniciativa. O tema era a voz de Antero, que se erguia tonitruante contra as três causas da decadência dos povos peninsulares: o absolutismo fanático, o clericalismo jesuítico e a economia pendurada nas rendas imperiais desde os Descobrimentos. Influenciado por Proudhon, Antero reuniu com os emissários da Associação Internacional dos Trabalhadores e entusiasmou-se com o projeto de formação do “partido dos proletários portugueses”, que seria o Partido Socialista, criado em 1875.
Desse modo e com os seus amigos da Geração de 70, promoveu a utopia socialista: era o Antero diurno, enquanto o Antero noturno, dele o disse Eça, mergulhava frequentemente na angústia. Queria tudo, queria demais, e pouco se conseguia no país preso das contradições de um regime podre e de uma burguesia decrépita e temerosa da modernidade assente na expansão colonial.

Entre o dia e a noite, a poesia ajudou-o a procurar uma ponte entre a arte (que devia mostrar as chagas da sociedade) e a ciência (em que Darwin e outros abriam as portas para o conhecimento da realidade). A ciência devia substituir, ou absorver, o espírito artístico, assim esperava Antero. Mas teria que ser a metafísica, a filosofia, a explicar o universo e as gentes, a acrescentar o que a ciência não conseguia decifrar. Deste modo, o idealismo, a ciência e a utopia casavam-se com dificuldade, mas Antero esperava iluminar esse caminho, que seria o palco da emancipação. E assim voltava à poesia, que quis mais direta, mais dura, mais próxima da linguagem dos sentimentos e das aspirações, sem se perder em contorcionismos formais, e que devia ser a expressão da vontade.
A revolução que exigia, que esperou e de que desesperou, tinha assim que ser o ato poético último, a consagração da nova razão, com a crítica total à desigualdade e à exploração que atrofiava a sua terra. Fracassou e desistiu. Deixou-nos, no entanto, essa exigência da radicalidade poética em nome da liberdade.