Antero de Quental: um revolucionário desesperado

porFrancisco Louçã

Com os amigos da Geração de 70, promoveu a utopia socialista: era o Antero diurno, enquanto o noturno mergulhava frequentemente na angústia. Queria tudo, queria demais, e pouco se conseguia no país preso das contradições de um regime podre e de uma burguesia decrépita e temerosa da modernidade assente na expansão colonial.

10 de janeiro 2025 - 9:53
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Antero de Quental.
Antero de Quental.

Eça contou como conheceu Antero de Quental, percebendo-o numa tertúlia: “Deslumbrado, toquei o cotovelo de um camarada, que murmurou, por entre os lábios abertos de gosto e pasmo. – É o Antero! (…) Nesse tempo ele era em Coimbra, e nos domínios da inteligência, o Príncipe da Mocidade”. Esse príncipe da poesia e da filosofia emancipadora foi um atormentado poeta e militante que passou fulgurantemente pela vida pública e que se suicidou antes de completar os cinquenta anos. E, se é difícil distinguir os vários planos em que se precipitou, é mesmo por serem inseparáveis.

Nascido no romantismo, Antero tornou-se uma das vozes precursoras do modernismo português e, ao mesmo tempo, da ideia socialista. O seu livro “Odes Modernas”, publicado em 1865, reflete essa preocupação e o confronto com o conservadorismo, que o lirismo romântico reproduzia e com o qual rompeu. “É a Revolução! a mão que parte/ Coroas e tiaras!/ É a Luz! a Razão! é a Justiça!/ É o olho da Verdade!”, escreveu ele. No meio da crítica à alienação e à dor da existência triste, o poema anuncia um novo sentido para a vida. E foi por isso que Antero se fez socialista, o que o levou à denúncia do trabalho, a condição escravizada dos proletários modernos: “Trabalhais! e mal vedes que trabalho!/ Sois as rodas da máquina/ Que a si mesma se está esmigalhando!”. Muitos pontos de exclamação, atitude belicosa, era assim Antero. Queria ser ouvido e foi ouvido.

Segunda edição de Odes Modernas de Antero de Quental.
Segunda edição de Odes Modernas de Antero de Quental.

Impulsionador do grupo da “Geração de 70”, convocou as conferências do Casino, ao pé do Chiado e em 1871, com o apoio de José Fontana, outro dos fundadores do socialismo em Portugal. A inauguração foi no dia 22 de maio, a Comuna de Paris seria esmagada na semana seguinte, após menos de três meses de governo revolucionário, mas eram os seus ecos que se sentiam nessa iniciativa. O tema era a voz de Antero, que se erguia tonitruante contra as três causas da decadência dos povos peninsulares: o absolutismo fanático, o clericalismo jesuítico e a economia pendurada nas rendas imperiais desde os Descobrimentos. Influenciado por Proudhon, Antero reuniu com os emissários da Associação Internacional dos Trabalhadores e entusiasmou-se com o projeto de formação do “partido dos proletários portugueses”, que seria o Partido Socialista, criado em 1875.

Desse modo e com os seus amigos da Geração de 70, promoveu a utopia socialista: era o Antero diurno, enquanto o Antero noturno, dele o disse Eça, mergulhava frequentemente na angústia. Queria tudo, queria demais, e pouco se conseguia no país preso das contradições de um regime podre e de uma burguesia decrépita e temerosa da modernidade assente na expansão colonial.

Banco de jardim público junto ao muro do Convento da Esperança em que Antero de Quental cometeu suicídio. Ponta Delgada, ilha de São Miguel, Açores. Foto de Carlos Luis M C da Cruz/wikimedia commons
Banco de jardim público junto ao muro do Convento da Esperança em que Antero de Quental cometeu suicídio. Ponta Delgada, ilha de São Miguel, Açores. Foto de Carlos Luis M C da Cruz/Wikimedia Commons.

Entre o dia e a noite, a poesia ajudou-o a procurar uma ponte entre a arte (que devia mostrar as chagas da sociedade) e a ciência (em que Darwin e outros abriam as portas para o conhecimento da realidade). A ciência devia substituir, ou absorver, o espírito artístico, assim esperava Antero. Mas teria que ser a metafísica, a filosofia, a explicar o universo e as gentes, a acrescentar o que a ciência não conseguia decifrar. Deste modo, o idealismo, a ciência e a utopia casavam-se com dificuldade, mas Antero esperava iluminar esse caminho, que seria o palco da emancipação. E assim voltava à poesia, que quis mais direta, mais dura, mais próxima da linguagem dos sentimentos e das aspirações, sem se perder em contorcionismos formais, e que devia ser a expressão da vontade.

A revolução que exigia, que esperou e de que desesperou, tinha assim que ser o ato poético último, a consagração da nova razão, com a crítica total à desigualdade e à exploração que atrofiava a sua terra. Fracassou e desistiu. Deixou-nos, no entanto, essa exigência da radicalidade poética em nome da liberdade.

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