Está aqui
O 31 de Janeiro de 1891

O projeto inconsistente do “mapa cor-de-rosa” pôs em confronto as pretensões africanas de Portugal ao projeto imperialista da poderosa Inglaterra. O “Memorando” que impôs a retirada das tropas portuguesas do território entre Angola e Moçambique (atual Zimbabwe) foi sentido como um vexame nacional e uma oportunidade perdida, depois dos esforços dos exploradores africanos nas duas décadas anteriores.
A crise crónica que atingiu o sistema financeiro português na segunda metade do séc. XIX desembocou em 1891-92 numa bancarrota parcial e numa crise do sistema constitucional, obrigando o rei à nomeação de quatro governos extrapartidários, à aprovação de uma excecional lei de meios no ano económico de 1891-1892 e à também excecional autorização de empréstimos por decreto para solver as pesadas dívidas interna e externa acumuladas.
A crise do sistema financeiro internacional de 1890 agudizou o peso da dívida do Estado português, obrigado a socorrer bancos e companhias à beira da falência, como aconteceu com o Montepio de Lisboa e, em 9 de julho de 1891, a suspensão das notas de banco foi prolongada sine die, iniciando-se o “curso forçado”. O câmbio ruiu e, a partir daqui a paridade da moeda portuguesa em relação à libra esterlina não mais deixou de desequilibrar-se. Os juros da dívida levavam, por esta altura, cerca de 40% das despesas do Orçamento. Juros pagos, muito especialmente, à Inglaterra.
Nos dias a seguir ao Ultimato inglês de 11 de janeiro de 1890, foram os republicanos os que melhor capitalizaram o descontentamento das massas populares, em comícios e manifestações de rua que anunciavam o fim do rei e da Monarquia.
Republicanos, patriotas, revolucionários
Perante o “vexame” do Ultimato e a crise dos mercados, em Lisboa e no Porto sucederam-se durante o ano de 1890 tumultos populares de monta, indutores de uma resposta social e política que prometia abalar os alicerces da Monarquia.
Dando resposta à indignação patriótica generalizada, uma nova geração de republicanos – estudantes, jornalistas e militares – tomou a rédea dos acontecimentos e dirigiu uma obra revolucionária que culminou na primeira revolução republicana do Porto, em 31 de janeiro de 1891. Até aí tinha persistido no jovem PRP (criado em 1876) a ideia de que poderia chegar ao poder através do voto.
Em torno do jornal República Portuguesa, publicado no Porto em 1890 por João Chagas, agregaram-se intelectuais como Sampaio Bruno e Basílio Teles que anunciavam, sem peias, a iminência da revolução republicana. O movimento revolucionário conta com a participação entusiasta da Academia de Coimbra, onde se destaca, à época, o estudante de medicina António José de Almeida. Diretor da folha académica “O Ultimato”, António José de Almeida virá a ser preso na sequência da publicação nessa folha de um artigo intitulado “Bragança, o último”.
Como vai acontecer em 1910 em Lisboa, também no Porto teve papel relevante o movimento popular que se manifestou no peso determinante de civis nos atos preparatórios e de cabos e sargentos no deflagrar da revolução. Do comité revolucionário, para além de intelectuais como João Chagas, Sampaio Bruno e Basílio Teles, faziam parte os tenentes Manuel Maria Coelho e Rodolfo Malheiro e o capitão Amaral Leitão.
Conselho de Guerra a bordo do Bartolomeu Dias (os presos são julgados em barcos ao largo de Leixões)
Vencidos pela Guarda Municipal, os revolucionários serão julgados, condenados e deportados, tendo um importante núcleo conseguido exilar-se em Madrid.
Prisioneiros a aguardar julgamento
Uma Memória partilhada
Por tratar-se de um movimento patriótico e nacional, o “31 de Janeiro de 1891” veio a constituir-se como uma memória partilhada por setores republicanos muito diferentes da sociedade portuguesa. De facto, o seu malogro – pelas repercussões políticas e sociais sobre a vida de centenas de prisioneiros, deportados e mutilados –, tendo ocorrido na sequência da crise moral que tomou o país no biénio de 1890-1892 -, veio a abrir caminho para a formação de um sentimento nacional generalizado de gratidão e de penhor democrático. O sangue dos republicanos – militares e civis -, vertido em defesa de uma causa que só triunfou vinte anos mais tarde, passou a constituir um património generoso de luta patriótica evocado, pelo menos, até à Revolução de Abril. Durante a I República, a revolta do Porto era evocada como a aurora de um ressurgimento corajoso que constituíra a antecâmara da “Revolução de 5 de Outubro” de 1910. A derrota de 1891 tinha, assim, sido vingada na Revolução de 1910, dando razão às vozes que defendiam a subversão revolucionária como a única forma de derrubar a Monarquia.
Licença de degredado. O tenente Manuel Maria Coelho é degredado para Luanda.
Exemplo de coragem revolucionária, o “31 de Janeiro de 1891” passou a ser comemorado como uma data sagrada dos republicanos constitucionais que desejavam repor as liberdades e a democracia roubadas pela Ditadura Militar e depois pelo Estado Novo fascista. Não por acaso, muitas das celebrações do “31 de Janeiro” acabaram em confrontos com a polícia política, em particular depois dos anos 40. No entanto, até à II Guerra Mundial, é comum assistirmos a celebrações do evento por forças civis e militares afetas à “Situação”, numa tentativa de desvirtuação do património político revolucionário republicano. Para os situacionistas, o “31 de janeiro de 1891” merecia ser comemorado, sem dúvida, mas apenas como um momento de luta patriótica pela independência nacional de Portugal e das suas colónias.
No entanto, em Portugal como entre as comunidades exiladas, o “31 de Janeiro de 1891” foi sempre comemorado pelos republicanos primeiro e depois por todas as oposições, como um momento de luta libertadora e de emancipação do povo português pela (re)implantação de uma República democrática através de um processo revolucionário.
Comentários
Viva o 31 de Janeiro!
Tenho o maior orgulho que tenha sido a minha cidade natal a precursora da implantação da República. O sangue que correu, especialmente no cimo da rua que actualmente evoca essa revolta, não foi vertido em vão, como se verificaria quase duas décadas depois.
Foi essa data que durante muitos anos o povo do Porto aproveitou para mostrar a sua rejeição ao regime fascista. A PIDE ocupava a baixa semeando os seus agentes (e
bufos), entre os civis, para além da brutal repressão policial sobre tudo que mexesse (à laia do 1º. de Maio, aliás).
Honra aos mártires do 31 de Janeiro!
Adicionar novo comentário