Tal como o continente africano, também grande parte da Ásia esteve submetida aos diferentes poderes coloniais, na sua esmagadora maioria europeus. Contudo, ao contrário do que sucedeu em África, houve aqui alguns espaços que escaparam à colonização.
Uma explicação detalhada pode ser encontrada aqui, nas previsões para 2019.
Ásia Central: Autocracias dirigidas por antigos “apparatchiks”
Esta região, situada no interior da grande massa continental euroasiática é, em geral desértica ou subdesértica e plana, exceto a Sudeste, onde se situam as altas montanhas da cordilheira do Pamir. Os cinco estados que dela fazem parte estão, desde há séculos, na área de influência da Rússia, tendo pertencido ao império czarista e à ex-URSS, até à desagregação desta última, em 1991. Apesar da sua posição geográfica, que os condena a um certo isolamento, alguns possuem grandes riquezas energéticas, com destaque para as reservas de gás natural, enquanto outros se encontram em localizações estratégicas importantes, dada a sua proximidade à Rússia, à China, ao Irão e ao Afeganistão. Nos últimos tempos, russos e chineses têm tentado alargar a sua influência política e económica na região, através da Organização de Cooperação de Xangai, enquanto a Turquia procura aproveitar a sua proximidade linguística com estes países. Já os EUA, mesmo sem serem a potência dominante na região, não deixam de marcar aí a sua presença. Praticamente todos eles são dirigidos por antigos “apparatchiks” soviéticos, que rapidamente se reciclaram em nacionalistas e capitalistas. Estes passaram a gerir os novos países independentes de forma autocrática, reprimindo, de forma mais ou menos feroz, todas as oposições. Apesar de as suas populações serem, maioritariamente, muçulmanas, estamos em presença de regimes laicos, alguns dos quais enfrentam, em áreas mais remotas, grupos islamitas radicais.
O Cazaquistão é o maior estado da região, ocupando um extenso território, mas árido e pouco povoado. Nursultan Nazarbayev, um antigo “apparatchik” soviético, assumiu a presidência desde a independência, em 1991. Liderou a transição para o capitalismo e estabeleceu um regime autoritário, com uma oposição parlamentar débil e domesticada. O país beneficia das suas grandes reservas de petróleo e gás natural para conseguir elevadas taxas de crescimento económico, embora a descida nos preços ocorrida nos últimos anos tenha contribuído para a sua travagem. Foram as receitas provenientes dos hidrocarbonetos que permitiram a construção de raiz da nova capital, Astana, inaugurada em 1997. Na política externa, promove boas relações com Rússia, China e EUA. Na crise ucraniana, manteve uma posição de equilíbrio, dada a presença de uma maioria de população russa na parte setentrional do país (mesmo que esta tenha diminuído muito, após a independência). Em março passado, na sequência de várias manifestações de protesto, Nazarbayev demitiu-se, deixando a presidência entregue ao presidente do Senado, Kassym-Jomart Tokayev. Este seria eleito, com mais de 70% dos votos, nas presidenciais antecipadas de junho. A eleição foi considerada fraudulenta e estalaram protestos em várias cidades do país, pronta e violentamente reprimidos. Apesar de ter abandonado o cargo presidencial, Nazarbayev continua a ser o “homem forte” do regime, mantendo-se como presidente vitalício do Conselho de Segurança, membro do Conselho Constitucional e líder do seu partido, o Nur Otan (Irmandade Radiante). Entretanto, após a sua demissão, o Parlamento aprovou, em sua homenagem, a mudança do nome da capital para Nur-Sultan.
O Turquemenistão é um país em grande parte desértico, possuidor de enormes reservas de gás natural e algumas de petróleo. Para além do autoritarismo predominante na zona, o regime de partido único instalado, após a independência, em 1991, por Saparmurat Niyazov, outro antigo “apparatchik” soviético, assumiu aspetos caricatos. Declarado presidente vitalício e intitulando-se “turkemenbashi” (pai dos turquemenos), instituiu um culto da personalidade ao estilo norte-coreano, em que se destacam a construção de uma estátua da sua pessoa que rodava com o movimento de rotação da Terra ou a institucionalização do seu dia de aniversário e de sua mãe como feriados nacionais, a que se podem juntar a proibição da ópera e do circo por não serem culturalmente turquemenos ou, mais grave, a centralização de todos os cuidados de saúde na capital, Ashgabat. Após a sua morte, em 2006, sucedeu-lhe Gurbanguly Berdimuhamedow, que instituiu, no papel, o multipartidarismo, reverteu algumas medidas do seu antecessor e abriu mais o país ao exterior, mas a verdade é que, no essencial, pouco mudou. Tal como o seu antecessor, instituiu, igualmente, um culto da personalidade, mesmo que mais “soft”, adotando o título de “arkadag” (protetor). A família presidencial controla a política e os recursos do país e as eleições não passam de farsas eleitorais.
No Uzbequistão, Islam Karimov, mais um ex-“apparatchik” soviético, instalou um regime autoritário, que se caracterizou por uma feroz repressão sobre os seus opositores. Apesar de existirem vários partidos e eleições aparentemente competitivas, estas não passam de uma fachada, já que aqueles são todos controlados pelo governo. Em 1998, surgiram no vale de Fergana, no Leste do país, dois grupos islamitas radicais, o Movimento Islâmico do Uzbequistão e o jihadista Hizb ut-Tahrir, responsáveis por alguns atentados no país, o que levou à intensificação da repressão. Para além das reservas de gás natural, a sua situação estratégica, a norte do Afeganistão, país em cuja zona setentrional existe uma minoria uzbeque, torna-o alvo do interesse das principais potências, com destaque para a Rússia e os EUA. Estes últimos instalaram, mesmo, uma base militar no seu território, entre 2001 e 2005, que serviu para as operações estadunidenses em território afegão. Após a morte de Karimov, em 2016, o seu “vice”, Shavkat Mirziyoyev, ascendeu à presidência, mas, apesar de alguma distensão e de se afirmar como reformador, o autoritarismo mantém-se. Nas eleições parlamentares do início deste ano, ganhas, sem maioria absoluta, pelo dominante Partido Liberal Democrático, as cinco forças políticas concorrentes eram vistos como leais ao regime. O país é um dos maiores produtores mundiais de algodão, mas esta vive da exploração intensiva dos seus trabalhadores, que vivem em situação de semiescravatura. Este aspeto negativo junta-se aos danos ambientais irreparáveis causados pelos megalómanos planos de irrigação soviéticos, responsáveis pela morte do lago Aral.
Também o Tajiquistão, um estado montanhoso, possui uma importante posição estratégica. Está situado, igualmente, a norte do território afegão e conta com uma importante minoria na zona setentrional do Afeganistão. É o mais pequeno e mais pobre dos estados da região e, ao contrário dos idiomas daqueles, o tajique é uma língua da família iraniana e não turco-tártara. Após a contestada vitória de Rahmon Nabiyev, logo após a independência, em 1991, verificaram-se grandes confrontos, que levaram à sua demissão e substituição por Emomali Rahmonov. O país entrou, no ano seguinte, numa sangrenta guerra civil, que opôs o governo, formado por antigos “apparatchiks” e apoiado pela Rússia e pelos vizinhos centro-asiáticos, à união da oposição liberal e islamita, com apoio de alguns grupos da guerrilha afegã, que só terminaria em 1997. Contudo, a aparente clivagem ideológica escondia a luta pelo poder entre diferentes clãs. Contudo, Rahmonov manteve o controlo do país, consolidando o seu regime, para o que muito contribuíram os atentados do “11 de setembro” e a subsequente intervenção dos EUA e da NATO no Afeganistão, já que o governo de Dushanbe permitiu que algumas forças ocidentais usassem o seu território para apoiar as suas ações no país vizinho, juntando-se às tropas russas estacionadas na fronteira afegã. Desde 2010, os islamitas do Hizb ut-Tahrir, infiltrados a partir do Uzbequistão, começaram a atuar no Leste do país. Entretanto, Emomali Rahmon (que acabou com o patronímico “ov” no país, em 2007) emendou a Constituição para acabar com a limitação de mandatos e continua na presidência. A repressão e a censura são grandes e nas eleições apenas participa uma oposição tolerada e débil. A economia do país continua frágil e a corrupção do presidente e do seu círculo é enorme.
Igualmente montanhoso e pobre, o Quirguistão é, de todos estes países, o único que possui um regime que podemos considerar semidemocrático. Tal como nos restantes, após a independência, foi um antigo “apparatchik” soviético, Askar Akayev, que se tornou presidente. Estabeleceu um regime que, de início, foi menos autoritário que o dos seus vizinhos. Contudo, após a sua primeira reeleição, em 1995, o autoritarismo foi emergindo e, em 2000, foi reeleito quase sem oposição. Em 2005, estalou a chamada “revolução das tulipas”, após a repressão massiva dos protestos populares contra a fraude eleitoral nas legislativas e a corrupção da sua família e do seu círculo próximo. Após a partida de Akayev para o exílio, realizaram-se as presidenciais, que deram um triunfo esmagador a Kurmanbek Bakiyev, com apoio de uma ampla aliança eleitoral. Contudo, este rapidamente se revelou uma desilusão, mostrando os mesmos pecados do seu antecessor, acrescidos da perseguição às minorias uzbeque (15% da população) e russa. A crise económica e, em especial, a subida dos preços da energia, acabaram por originar nova revolta popular, em 2010, e Bakiyev acabou por ter o mesmo destino do seu antecessor, abandonando o país. Roza Otunbayeva, do Partido Social Democrata (SDPK), pró-russo, foi escolhida para presidente interina, prometendo não se apresentar nas eleições seguintes. Entretanto, em Osh, no sul do país, quirguizes partidários do anterior presidente atacaram a minoria uzbeque, originando milhares de mortos. Uma nova Constituição, que reduziu os poderes presidenciais, foi aprovada em referendo. No ano seguinte, o primeiro-ministro Almazbek Atambayev, foi eleito presidente e, em 2017, a escolha recaiu em Sooronbay Jeenbekov, também chefe do executivo. Ambos pertencem ao SDPK, que lidera a coligação governamental, após ter vencido as legislativas de 2015, com apenas 27,4% dos votos. Em outubro, haverá novas eleições parlamentares. Veremos qual a evolução futura do país, sabendo que a sua posição estratégica o torna apetecível para as grandes potências, cujos interesses explicam, em parte, a agitação política que este tem vivido. Após o “11 de setembro”, permitiu que os EUA se instalassem na base militar de Manas, de onde apenas sairiam em 2014, após pressões russas sobre o governo de Bishkek.
No próximo artigo, analisarei a situação na Ásia do Sul.
Artigo de Jorge Martins