Está aqui

Uma viagem pelo mundo em 2019 (13): a África austral

Apesar de enfrentar, igualmente, alguma instabilidade e de a corrupção ser um flagelo, é, no seu conjunto e na atualidade, a região mais estável do continente. Por Jorge Martins.
O ANC rendeu-se às políticas neoliberais e só a memória da luta contra o “apartheid” e a falta de uma oposição em que confie leva a maioria da população negra sul-africana a continuar a dar-lhe o voto – Foto de Cyril Ramaphosa a votar nas eleições de 2019
O ANC rendeu-se às políticas neoliberais e só a memória da luta contra o “apartheid” e a falta de uma oposição em que confie leva a maioria da população negra sul-africana a continuar a dar-lhe o voto – Foto de Cyril Ramaphosa a votar nas eleições de 2019

Predomínio das democracias de partido dominante

Nesta região, a par com alguns regimes autoritários, existe, na maioria dos países, alguma liberdade e as instituições democráticas funcionam, mas há um partido (em geral, proveniente dos antigos movimentos de libertação) que domina o aparelho de Estado e vence invariavelmente as eleições. Apesar de enfrentar, igualmente, alguma instabilidade e de a corrupção ser um flagelo, é, no seu conjunto e na atualidade, a região mais estável do continente.

Angola tem uma história conturbada, a que não é estranha a cobiça que as suas grandes riquezas naturais (em especial, o petróleo e os diamantes) e a sua posição estratégica suscitam. Assim, ainda antes da independência, em 1975, rebentou uma guerra civil entre o MPLA, marxista, apoiado pela URSS, e a UNITA e a FNLA, de base mais étnica, apoiados pelos EUA. Nela intervieram tropas cubanas, ao lado do primeiro, e sul-africanas, junto dos segundos. O MPLA venceu, mas a UNITA continuou a luta, em especial nas suas áreas de maior influência, no Centro e Sul. Em 1991, os acordos de Bicesse, obtidos com a mediação portuguesa, previam a abertura ao multipartidarismo e a realização de eleições gerais. Estas decorreram no ano seguinte e deram uma vitória relativamente apertada ao MPLA e do presidente José Eduardo dos Santos, com este último a ser obrigado a uma 2ª volta. Porém, a UNITA não aceitou os resultados e apelou à revolta dos seus simpatizantes. Nos graves confrontos que se seguiram, acabaram por ser mortos dois dirigentes do partido oposicionista, o que levou o seu líder, Jonas Savimbi, a retirar-se de Luanda e voltar à luta armada. Contudo, com o fim da “guerra fria” e a conversão do MPLA ao capitalismo, a UNITA perdeu utilidade para os EUA e, apesar de ter criado muitas dificuldades às forças governamentais, acabou derrotada, com a morte em combate de Savimbi, em 2002. Apesar de se defrontar com a guerra interna, Angola interveio militarmente nos Congos, ajudando Sassou Nguesso a voltar ao poder em Brazzaville e, na vizinha RD do Congo, contribuindo para derrubar Mobutu e, depois, Kabila a conservar o poder contra os seus antigos aliados ruandeses e ugandeses. Após a morte do seu líder, a UNITA aceitou integrar as instituições angolanas, mas só em 2008 se realizou novo ato eleitoral. Com o domínio total do aparelho de Estado e da comunicação social e as formações oposicionistas debilitadas (em especial, a UNITA, que suscita, igualmente, grande desconfiança) e sujeitas a restrições de diversa ordem, não surpreendeu a vitória esmagadora do partido no poder, algo que se repetiu em 2012. Entretanto, e para além da manutenção do autoritarismo e da repressão, a administração de José Eduardo dos Santos e as elites do MPLA foram-se revelando cada vez mais corruptas, com a família presidencial, alguns setores do partido e os militares a formarem uma verdadeira cleptocracia, que se foi aproveitando das riquezas do país para enriquecer desmesuradamente, deixando a maior da população na pobreza. Ao fim de 38 anos no poder, “Zédu”, doente, decidiu deixar a presidência do país, embora mantendo a do partido, e nomeou o ministro da Defesa, João Lourenço, como seu candidato nas eleições de 2017. Uma vez eleito, o novo presidente começou uma campanha de moralização, prometendo combater a corrupção, o que o levou a atacar os interesses da família dos Santos, que foi forçado a abandonar a presidência do MPLA em favor de Lourenço. Recentemente, o “Luanda Leaks” expôs todo o esquema de corrupção global da filha do ex-presidente, Isabel dos Santos, a mulher mais rica do continente, com ramificações em Portugal e em diversas áreas do Globo. Vive-se em Angola um clima de distensão política e de esperança em dias melhores. Mas os angolanos estão “escaldados” e, num país onde a corrupção se tornou endémica, há quem pense que se estará apenas a substituir uma fação das elites por outra e que o atual presidente ataca a família do anterior apenas para ganhar popularidade.

A vizinha Zâmbia tem uma história mais tranquila, graças ao seu primeiro presidente, Keneth Kaunda, um dos dirigentes africanos mais prestigiados, mas, mesmo assim, com alguma agitação. Após motins em Lusaca, em 1990, o histórico presidente acabou por aceitar o regresso ao multipartidarismo, no ano seguinte. Nas eleições gerais de 1991, o “pai” da independência e o seu Partido Unido da Independência Nacional (UNIP) foram claramente derrotados pelo ex-sindicalista Frederick Chiluba e pelo seu novel Movimento para a Democracia Multipartidária (MMD), que seria reeleito em 1996. Contudo, os seus mandatos constituíram uma desilusão, tendo sido marcados pela corrupção e pelo autoritarismo, com destaque para a prisão de Kaunda, (que fora impedido de concorrer a PR por o seu pai ter nascido no Malawi) e outros dirigentes da oposição, acusados de tentativa de golpe de Estado, em 2007. Em 2001, o seu vice-presidente, Levy Mwanawasa, venceu umas eleições muito disputadas, com apenas 29,2% dos votos, tendo sido eleito por as presidenciais se disputarem no sistema maioritário a uma volta. Contudo, o MMD perdeu a maioria absoluta no Parlamento. O novo presidente lançou uma forte campanha anticorrupção, que levou ao julgamento e condenação do seu antecessor, e foi reeleito em 2006. Contudo, faleceu em 2008, sendo substituído pelo seu “vice”, Rupiah Banda. Nas eleições gerais de 2011, este seria derrotado pelo oposicionista Michael Sata, da Frente Patriótica (PF), de centro-esquerda. Porém, também ele faleceria no exercício do cargo, em 2014. Sucedeu-lhe, interinamente, o vice-presidente Guy Scott, o primeiro branco a presidir a um estado da África Austral após o fim do “apartheid”. No entanto, a exigência constitucional de que os candidatos tenham pais zambianos impediu a sua candidatura às presidenciais intercalares de 2015, pelo que a PF apresentou Edgar Lungu, que acabou eleito. Este repetiria o triunfo nas ordinárias do ano seguinte. Em ambos os casos, as suas vitórias sobre os candidatos do Partido Unido do Desenvolvimento Nacional (UPND), de centro-direita, principal força da oposição, foram apertadas, com o país dividido territorialmente quase ao meio, refletindo as respetivas divisões étnicas: o Leste votou no vencedor, o Oeste nos vencidos. Por seu turno, o sistema maioritário permitiu à PF obter uma maioria absoluta no Parlamento. Embora seja um dos maiores produtores mundiais de cobre, a economia zambiana está muito dependente da sua cotação nos mercados internacionais. Nos últimos anos, a procura por parte da China, cujas companhias têm explorado as minas zambianas, contribuiu para a subida do preço daquele produto, beneficiando o seu crescimento económico. Há, apesar disso, uma política de diversificação da economia, com a aposta em setores como o turismo e a produção hidroelétrica.

O pequeno e sobrepovoado Malawi continua a ser um dos países mais pobres do mundo. Foi marcado pela ditadura estabelecida pelo seu primeiro chefe de Estado, Hastings Banda, que governou durante 30 anos, tendo-se proclamado presidente vitalício em 1971. Durante o seu longo reinado, manteve relações estreitas com os regimes racistas da África do Sul e da Rodésia (atual Zimbabwe) e com as autoridades coloniais portuguesas de Moçambique. Grandes protestos populares obrigaram-no a convocar um referendo constitucional em 1993, que votou a consagração do multipartidarismo e o fim da presidência vitalícia. Nas presidenciais do ano seguinte, Banda foi derrotado por Baliki Muluzi, da Frente Democrática Unida (UDF) e deixou, finalmente, o poder. Em 2004 e 2009, foi eleito Bingu wa Mutharika, do Partido Democrático Progressista (DPP). Depois de um primeiro mandato considerado muito positivo, os seus gastos excessivos numa altura de crise económica suscitaram protestos populares. Faleceu em 2012 e foi substituído pela vice-presidente Joyce Banda. Esta seria derrotada, nas presidenciais de 2014, por Peter Mutharika, filho do anterior presidente. Nas eleições gerais de maio, o presidente incumbente foi declarado vencedor, com uma pequena vantagem sobre o seu principal opositor, Lazarus Chakwera, do Partido do Congresso do Malawi (MCP), ficando num distante terceiro lugar o vice-presidente Saulus Chilima, que rompera com Mutharika e fundara o Movimento Unido da Transformação (UTM). A oposição contestou os resultados, acusando a presidente da Comissão Eleitoral de ser conivente com a fraude eleitoral, exigindo a sua demissão em grandes manifestações populares. No passado dia 2, o Tribunal Constitucional anulou o ato eleitoral, demitiu todos os nele eleitos, presidente incluído, e ordenou a sua repetição no prazo de 150 dias. Para já, tudo está calmo, mas …

O Zimbabwe é o caso mais dramático da região. Após o fim do regime racista branco de Ian Smith, em 1980, Robert Mugabe, líder da União Nacional Africana do Zimbabwe (ZANU) tornou-se primeiro-ministro, ao derrotar por larga margem o seu rival Joshua Nkomo, da União Popular Africana do Zimbabwe (ZAPU). Uma revolta na região da Matabelelândia, no Sudoeste, tradicional feudo deste último, originou uma reação violenta do poder, que massacrou milhares de pessoas. Um acordo entre os dois líderes conduziu à fusão dos dois partidos num só (a ZANU-Frente Patriótica) e à adoção do presidencialismo. O regime foi-se tornando cada vez mais autoritário e, em 1990 e 1995, a ZANU-PF venceu folgadamente eleições quase sem oposição. Porém, a crescente deterioração da situação económica e consequente quebra do nível de vida levou a grandes manifestações contra as políticas de Mugabe. Consciente de que o seu poder estava ameaçado, jogou na implementação da reforma agrária. Esta era, sem dúvida, necessária, já que a população branca (1% do total) detinha 70% das terras aráveis e dominava os principais setores da economia. Contudo, o líder zimbabwiano desencadeou-a da pior maneira, permitindo que membros da ZANU-PF (os chamados “veteranos de guerra” e as milícias da juventude do partido) ocupassem as propriedades e expulsassem os seus proprietários, sem qualquer critério que não o cartão partidário. Isso provocou o êxodo da população branca e sanções dos países ocidentais (em especial, do Reino Unido), o que afundou a economia do país, onde a queda abrupta da produção agrícola e a hiperinflação originaram um enorme aumento da pobreza e das carências alimentares. Em 1999, o antigo sindicalista Morgan Tsvingarai abandona a ZANU-PF, cria uma nova formação oposicionista, o Movimento Democrático pela Mudança (MDC), e desafia o poder nas eleições gerais de 2000. Num clima de grande violência e intimidação sobre os seus opositores, Mugabe e o seu partido são declarados vencedores por pequena margem, com a oposição a contestar os resultados, alegando fraudes massivas, e o regime a reprimir os protestos. O “filme” repetir-se-ia, com os mesmos protagonistas, em 2005, 2008, 2013. Em 2008, Tsvingarei alegou ter vencido na 1ª volta, mas os resultados oficiais, conhecidos algumas semanas depois, após muitas peripécias, apenas lhe atribuíram 48% dos votos, o que o levou a boicotar o 2º turno. Um compromisso obtido pela mediação da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) levou Mugabe a indicar o líder oposicionista para chefe do executivo, cargo que desempenhou até 2013. Em 2017, o presidente procurou promover a sua mulher, Grace, a sucessora, o que suscitou a oposição de um largo setor da ZANU-PF, conduzindo a um golpe de Estado pôs fim ao “reinado” de Mugabe, após 37 anos no poder. Este foi substituído pelo seu “vice”, Emmerson Mnangagwa, que prometeu maior liberdade, tendo convidado observadores internacionais para as eleições gerais de 2018. Nestas, o novo presidente obteve 50,8% dos votos, o suficiente para evitar uma 2ª volta. Apesar de o clima ter sido mais distendido que nas anteriores, o MDC e o seu candidato Nelson Chamisa (que substituiu Tsingarai, entretanto falecido) acusaram o governo da ZANU-PF de fraude eleitoral, tendo-se sucedido confrontos violentos entre apoiantes do governo e da oposição. A situação económica continua precária e, em janeiro de 2019, a subida abrupta do preço dos combustíveis gerou protestos populares, violentamente reprimidos.

Moçambique, após ter obtido a independência, sob a égide da então marxista FRELIMO, viu-se a braços com uma mortífera guerra civil. Conduzida pelo movimento guerrilheiro RENAMO, com apoio do regime branco da Rodésia (hoje, Zimbabwe) e da África do Sul do “apartheid”, durou 15 longos anos, entre 1977 e 1992, tendo afetado, de modo especial, o Centro do país. Em 1992, os dois contendores assinaram um acordo de paz e o país instituiu o multipartidarismo. As primeiras eleições gerais realizaram-se em 1994 e concluíram-se com o triunfo da FRELIMO e do presidente Joaquim Chissano sobre a RENAMO e o seu líder, Afonso Dhlakama. Cinco anos depois, o resultado repetiu-se, mas a diferença entre os dois candidatos presidenciais foi bastante menor (52,2-47,8%) e a formação oposicionista recusou-se a reconhecer a derrota, alegando fraude eleitoral. Em 2004 e 2009, Dhlakama foi novamente derrotado pelo candidato da FRELIMO, Armando Guebuza, e por margem superior, mas voltou a não reconhecer os resultados. Em 2013, o primeiro abandonou Maputo e dirigiu-se para o seu reduto, na Gorongosa, no Centro do país, junto com a sua guarda pessoal, alegando temer pela sua segurança, e estalaram confrontos entre as forças governamentais e as da RENAMO. Contudo, esta e o seu líder concorreram às gerais de 2014, nas quais o candidato da FRELIMO, Filipe Nyusi, venceu, com cerca de 57% dos votos, infligindo a quinta derrota consecutiva a Dhlakama, que reagiu com as acusações habituais. O falecimento deste, em 2018, e a sua sucessão por Ossufo Momade permitiram uma maior distensão política e um acordo entre os dois partidos rivais. O ano de 2019 ficou marcado pela passagem dos ciclones Idai, em março, que se abateu sobre a região central do país, com destaque para a Beira, segunda cidade moçambicana, e Kenneth, em maio, que afetou o Nordeste. Ambos deixaram atrás de si um rasto de morte e destruição, em especial o primeiro. Nas eleições gerais de outubro, registou-se uma esmagadora vitória de Nyusi e da FRELIMO, que obtiveram mais de 70% dos votos e a maioria absoluta em todas as assembleias provinciais, na primeira eleição destes órgãos, após a conclusão do processo de descentralização regional resultante da negociação entre governo e oposição. Mais uma vez, a RENAMO e outras formações oposicionistas acusaram o partido no poder de gigantesca fraude eleitoral. Porém, pese embora as inúmeras irregularidades registadas, a vitória da FRELIMO não oferece dúvidas. Apesar da descoberta de jazidas de gás natural e das boas taxas de crescimento económico, Moçambique continua a ser um dos países mais pobres do mundo. A corrupção das elites é um grave problema, tendo-se agravado durante a governação de Guebuza, um antigo marxista radical convertido ao capitalismo. O país encontra-se a braços com uma grande dívida externa, muita da qual terá sido contraída por membros do seu governo em proveito próprio, tornando muito difícil a situação económica do país. Entretanto, no extremo nordeste do seu território, na província de Cabo Delgado, junto à fronteira com a Tanzânia, tem atuado, desde 2017, um grupo islamita, alegadamente ligado ao somali Al-Shabab, responsável por vários ataques e raptos, que têm provocando numerosas vítimas. A pobreza da região, esquecida pelas autoridades de Maputo, e o descontentamento de alguns polícias com o seu baixo salário explica, em grande parte, a insurgência.

A Namíbia é o caso típico de uma democracia estável, mas com partido dominante. Desde a independência, em 1990, que a SWAPO, o antigo movimento de libertação, tem vencido, invariavelmente e com vantagens esmagadoras, todas as eleições realizadas no país. A isso não será estranho o facto de os seus principais dirigentes provirem dos ovambos, a maior etnia do país. A oposição é bastante débil e tem-se mostrado fragmentada. As suas forças armadas intervieram nas guerras civis da RD do Congo e deram apoio, na retaguarda, ao MPLA contra a UNITA, na vizinha Angola. O governo ensaiou, ainda, uma tímida reforma agrária, mas não avançou muito, após a desastrosa experiência zimbabwiana. O seu líder histórico, Sam Nujoma, foi eleito presidente em 1994 e 1999, a que se seguiu Hifikepunye Pohamba em 2004 e 2009, por sua vez sucedido, em 2014, por Hage Geingob. Nas eleições gerais de novembro, o presidente foi reeleito tranquilamente, mas viu o seu apoio decrescer de 87% para 56%, enquanto a SWAPO, apesar de manter a sua tradicional supremacia, perdeu bastantes votos e ficou a um lugar da maioria constitucional de 2/3, algo que sucedeu pela primeira vez desde a independência. Os resultados mostram algum descontentamento com a governação, em especial entre o eleitorado urbano.

O Botswana é um caso semelhante, embora a sua independência seja mais precoce, datando de 1965. Ao contrário da maioria dos países africanos, que optaram por sistemas de partido único até ao início dos anos 90, o Botswana manteve o multipartidarismo. Contudo, o conservador Partido Democrático do Botswana (BDP) tem dominado a vida política do país, vencendo todos os atos eleitorais realizados até hoje. Contudo, gradualmente, a sua popularidade tem vindo a diminuir e, nas eleições de 2014, ficou, pela primeira vez abaixo dos 50%, embora conservando a maioria absoluta dos lugares no Parlamento. Isso ficou a dever-se a uma cisão no BDP, por parte de um setor que se opunha às políticas do presidente Ian Khama, filho do “pai” da independência, Seretse Khama. Face à instabilidade crescente no seio do partido, aquele demitiu-se, sendo substituído pelo vice-presidente Mokgweetsi Masisi. Nas eleições gerais de outubro, foi reeleito com mais de 50% dos votos, deixando a grande distância o seu principal opositor, Duma Boko, líder da aliança Guarda-chuva da Mudança Democrática (UDC), do centro-esquerda. Entretanto, o antigo presidente esteve por trás da criação de um novo partido, a Frente Patriótica do Botswana (BPF), mas não se abalançou a liderá-lo e os seus resultados foram bastante modestos. O país, semidesértico e pouco povoado, mas rico em diamantes, é dos mais prósperos de África. Porém, foi duramente atingido pela epidemia de SIDA, no final do século passado.

Por seu turno, o pequeno reino de Eswatini (Suazilândia) é a última monarquia absoluta do continente. Teoricamente, o poder é exercido pelo rei e pela sua mãe (ou, em caso de falecimento, por uma substituta ritual), mas o papel desta é, em geral, essencialmente simbólico. Em 2018, na comemoração simultânea dos 50 anos da independência do país e do rei, este decretou a africanização do nome do reino, já que Suazilândia fora a designação atribuída ao território pelos colonizadores britânicos. A isso não será estranho o descontentamento com o estilo de vida luxuoso e lascivo do rei Mswati III, mesmo num país onde um elevado grau de poligamia masculina faz parte da tradição cultural. O luxo da Corte, a par com a corrupção e a pobreza da maioria do povo, tem gerado descontentamento, traduzido em surtos de manifestações e greves a favor da democratização e da melhoria das condições de vida, quase sempre duramente reprimidas. Por isso, essa medida foi uma tentativa do monarca recuperar alguma da popularidade perdida.

Já o Lesotho, pequeno país cujo território é, na prática, uma ilha rodeada pela África do Sul, é uma monarquia constitucional. A sua história foi, até ao início do século, uma sucessão de crises políticas e militares, algumas das quais degeneraram em violência. Após uma grave crise política, em 2014, o primeiro ministro, Tom Thabane, denunciou (mais) uma tentativa de golpe de Estado e fugiu do país. A mediação sul-africana levou à realização de eleições no ano seguinte, no qual o seu partido, a Covenção de Todo o Basotho (ABC), foi derrotado pelo Congresso Democrático, (DC) do ex-primeiro ministro Pakalitha Mosisili. Contudo, sem maioria absoluta, acabou por ser derrubado por um voto parlamentar de não confiança, após o regresso de Thabane ao país, em 2017. O seu partido venceu as legislativas subsequentes e aquele voltou ao poder, através de uma aliança pós-eleitoral com outras forças políticas de menor dimensão.

Finalmente, a África do Sul. Após o fim do regime do “apartheid”, o Congresso Nacional Africano (ANC) venceu de forma esmagadora as primeiras eleições democráticas e multirraciais realizadas no país, em 1994, e Nelson Mandela foi eleito presidente. Ensaiando uma política de reconciliação nacional, traduzida na ideia da nação arco-íris, expressa na nova bandeira do país, não alienou a minoria branca, deu a mão aos zulus e conseguiu uma improvável transição sem grande violência, algo que lhe valeu a admiração do mundo e um passaporte para a imortalidade. A nova Constituição, aprovada em 1996, exprime esse momento e é uma das mais avançadas em matéria de direitos humanos. Porém, o ANC tornou-se o partido dominante no país e as transições de poder estão mais relacionadas com as lutas entre as diferentes fações do partido que da competição eleitoral entre este e a fragmentada e relativamente frágil oposição. Mandela abandonou voluntariamente a presidência em 1999 e os líderes seguintes não estiveram à altura do seu legado. Nas eleições desse ano, o ANC obteve cerca de 2/3 dos votos e o vice-presidente Thabo Mbeki assumiu a presidência, para a qual foi reeleito em 2004. Em 2008, após o Tribunal considerar inválida uma acusação de corrupção contra o seu rival interno, Jacob Zuma, que, antes, já havia enfrentado um processo por uma alegada violação, a direção do partido retirou-lhe a confiança política, forçando Mbeki à demissão. Um ano depois, Zuma ascendeu à chefia do Estado, após mais um triunfo eleitoral fácil do ANC, mas, pela primeira vez, abaixo da maioria constitucional de 2/3. Em 2014, foi reeleito, mas o ANC voltou a descer, ficando-se pelos 62,2% dos votos. Esse resultado mostrou o descontentamento popular com a governação de Zuma, caracterizada por uma série de escândalos de corrupção, envolvendo vários políticos do partido e pelo crescente compadrio na ocupação dos lugares no aparelho de Estado. O próprio presidente acabou atingido por escândalos, quando uma investigação judicial concluiu que utilizara dinheiros públicos para obras sumptuosas na sua vivenda e que estava ligado a negócios escuros de uma família de empresários. Zuma foi obrigado a renunciar, em fevereiro de 2018, sob ameaça de “impeachment”, após o triunfo de Cyril Ramaphosa nas eleições internas do ANC, dois meses antes, e foi substituído por aquele. O novo presidente é um antigo sindicalista, que esteve ligado à Confederação dos Sindicatos Sul-Africanos (COSATU), desde sempre aliada do ANC, mas que se tornou um próspero empresário. Nas eleições gerais de maio, foi reeleito com facilidade, mas o ANC obteve o seu pior resultado de sempre, não indo além de 57,5% dos votos. Porém, também a Aliança Democrática (DA), o principal partido da oposição, popular entre as minorias branca e mestiça, perdeu votos relativamente a 2014, ficando-se pelos 20,8%, apesar de, pela primeira vez, ter como cabeça de lista um negro. As formações mais radicais foram as que mais ganhos obtiveram: os Combatentes da Liberdade Económica (EFF), da esquerda populista negra, defensores de uma ampla reforma agrária, que chegaram aos 10,8%, a Frente da Liberdade Plus (VF+), da direita nacionalista branca “afrikander”, que duplicou a sua votação, e o Partido da Liberdade Inkatha (IFP), formação étnica zulu, que melhorou os seus resultados na província do Kwazulu-Natal. No fundo, os resultados são um reflexo do mal-estar que atravessa a sociedade sul-africana. Um dos problemas da nova África do Sul é o facto de a maioria negra ter obtido o poder político, mas não o poder económico, partilhado entre a elite branca, que manteve o essencial dos seus negócios, e a nova elite negra, ligada, em grande parte, ao aparelho do ANC. A questão da redistribuição das terras, na sua maioria na mão de grandes agricultores brancos, é outra questão que se coloca, mas que o governo tem tentado “empurrar com a barriga”, especialmente após o que sucedeu no vizinho Zimbabwe. Na verdade, apesar de toda a retórica de esquerda que ainda traz consigo, o ANC rendeu-se às políticas neoliberais e só a memória da luta contra o “apartheid” e a falta de uma oposição em que confie leva a maioria da população negra sul-africana a continuar a dar-lhe o voto.

No próximo artigo, a viagem prosseguirá no continente asiático.

Artigo de Jorge Martins

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
Termos relacionados África, Comunidade
(...)