Entrevista

Panamá prepara greve geral contra Trump e o governo ultraliberal

02 de abril 2025 - 13:25

Sob ameaça de Trump, o movimento popular do Panamá cruza a resposta anti-imperialista e o confronto com o governo ultraliberal. O Esquerda.net entrevistou José Cambra, dirigente da Associação de Professores do Panamá e da Aliança Povo Unido pela Vida, que junta movimentos sindicais, estudantis e comunitários.

porJorge Costa

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Manifestação Panamá
Fotografia via ZolFM/EFE/Bienvenido Velasco

O Panamá tem sido atravessado por grandes mobilizações e está hoje sob ameaça de Donald Trump. Como respondem os movimentos sociais?

Trump não está a brincar. O seu neoconservadorismo vem da era Reagan, o presidente que ganhou as eleições no início dos anos 80 contra Carter, alegando que Carter tinha cedido o canal do Panamá. Trump repete as mesmas mentiras vezes sem conta. É um método para o seu eleitorado, mas também uma expressão de força. Marco Rubio, secretário de Estado norte-americano, acabou de dizer que pode fazer uma base militar na selva de Darién e construir um campo de concentração para migrantes que vão ser trazidos dos Estados Unidos em aviões. Encarcerar pessoas noutro país é também uma violação dos direitos humanos dos migrantes, nenhum ser humano é ilegal.

Como reagiu o governo do Panamá às ameaças?

Um governo inteligente - mesmo neoliberal como o atual - deveria terminar os conflitos com o movimento social do Panamá e concentrar-se em evitar que o canal volte às mãos dos EUA. Mas o atual governo panamenho é do mesmo estilo do de Jair Bolsonaro. Em vez de usar o espaço que o nosso país tem no Conselho de Segurança da ONU para denunciar ao mundo as ameaças da mais importante potência militar, dedica-se a reprimir a população enquanto tenta realizar o roubo do século: retirar 20 mil milhões de dólares dos fundos da Segurança Social. Isso colocou a população profundamente em desacordo com o governo, que insiste em aumentar a idade de reforma para as mulheres e reduzir o valor das pensões. O confronto é total.

Que oposição política e social existe aos planos de Trump?

Há muita surpresa no país com o discurso de Trump. Uma parte das pessoas repudia-o. Mas outra parte diz: “desta vez não vou atravessar-me pela oligarquia do Panamá”. Porquê? Porque os lucros do canal acabaram nas mãos da oligarquia panamenha e não nas do povo. Aqui temos de lutar ao mesmo tempo contra a oligarquia nacional e contra a ameaça norte-americana de recolonizar o país. O processo mais importante nas lutas no Panamá foi a contestação à concessão da maior mina de cobre da América Central a uma multinacional canadiana, a First Quantum. Essa luta triunfou, o que é um caso bastante raro em termos internacionais.

José Cambra
José Cambra. Fotografia via La Estrella.

Em Portugal também temos movimentos populares persistentes no interior do país contra a mineração de lítio. Quais as lições do vosso movimento?

A luta contra a mineração foi um segundo momento de mobilização geral da sociedade. O primeiro ocorreu em 2022. Nos primeiros meses, começamos a reunir as diferentes forças sindicais da indústria, bem como professores e movimentos comunitários, e construímos a Aliança Povo Unido pela Vida - uma frente de classe. Nessa altura fomos à luta porque os medicamentos eram muito caros, a comida era cara, a gasolina tinha subido espetacularmente e desencadeou uma explosão social contra o Governo. Os professores estavam em greve, fechávamos as ruas diariamente para obrigar o Governo a sentar-se connosco. E estabelecemos uma condição, que a negociação fosse televisionada. Isso aconteceu e, dois dias depois, o Conselho Nacional das Empresas Privadas e as Câmaras Patronais faziam pressão para a censura. Não suportavam ouvir os nomes dos especuladores com os medicamentos e com os alimentos, que exploram os produtores agrícolas. Tudo foi televisionado. E toda a gente começou a seguir as negociações como se fossem uma telenovela. Conseguimos aumentar o orçamento para a educação para 7%, conseguimos travar o aumento da gasolina. Mas não conseguimos outras coisas, o Governo atrasou-as.

Foi em setembro de 2023 que surgiu a questão da mineração, que fez explodir de novo o descontentamento vindo do ano anterior. Há confrontos com a polícia em todo o país, o movimento indígena tem um papel fundamental, ao impedir o trânsito em cinco lugares diferentes da Rodovia Interamericana, que une as duas Américas. De repente, o Governo tenta impor a lei de mineração em três dias e há uma explosão social. O país sai à rua e há marchas inéditas. Os bairros fizeram barricadas em todo o lado ao mesmo tempo e isso impediu a repressão. O Supremo Tribunal de Justiça não resistiu à pressão e decretou a inconstitucionalidade da lei de mineração.

Que mina é essa? Como é que surge esse problema?

Esta mina fica no meio do corredor biológico meso-americano. Devastou as selvas de maneira espetacular. Foi iniciada nos anos 90 e ao fim de 20 anos o Supremo Tribunal decidiu pela primeira vez que a lei da mina era inconstitucional. Nos últimos oito anos, a mina funcionou. Nunca pagou nada ao Estado, mas continuou a funcionar. E em 2023 o Governo fez uma nova lei para a mina. Mas desta vez, com as massas nas ruas, o Supremo Tribunal levou apenas duas semanas - em vez de vinte anos - para declará-la inconstitucional. A mina agora não opera porque o seu porto está rodeado por pescadores artesanais, que impedem que qualquer navio entre ou saia.

A agenda desse movimento era sobretudo ecológica?

Fechar a mina era importante porque era ambientalmente perigosa, mas também porque era um roubo ao Panamá. E também porque há muito ódio contra um governo sem legitimidade. O atual governo, recém-eleito, pensa que poderá voltar com uma terceira tentativa, mas eu acho que não. Se fizerem isso, o fósforo vai juntar-se à gasolina, porque já há mobilizações no Panamá a convocar uma greve geral a denunciar Trump e em oposição à lei de privatização da Segurança Social.

Jorge Costa
Sobre o/a autor(a)

Jorge Costa

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.